Texto Paulo Cunha
Quatro mineiros gente boa, fazendo “reggae de cachoeira” com aquele apelo pop que as bandas dos anos 80 haviam esquecido, com um currículo que incluía shows para 5 mil pessoas e um compact disc (!) independente embaixo do braço. Ninguém ficou espantado que uma grande gravadora apostasse no Skank mesmo que o rock brasileiro andasse longe das prioridades da indústria. E o grupo abriu as portas para uma nova geração
Mesmo num um país especialista em crises como o Brasil, num segmento especialista em crises como o fonográfico, o buraco em que estávamos em 1992 parecia catastrófico.
Uma das soluções, entre as várias que pipocavam na época, era a criação de pequenos selos dentro de gravadoras multinacionais, que zelassem por orçamentos enxutos, que tivessem direção artística e divulgação à parte. Era uma forma de trazer as paquidérmicas gravadoras mais próximo da agilidade de selos independentes. Quem saiu na frente nessa iniciativa foi a Sony Music, que importou o selo Chaos (uma furada da Columbia americana, que lançou nomes esquecíveis como Redman e Terminator X) e, para a inauguração, contratou o Skank. Entre aquele janeiro de 1993, quando assinaram o acordo de relançamento de seu CD independente, até chegar a seu primeiro milhão de discos, bastou pouco mais de um ano. O estopim foi o segundo álbum, Calango, que, no bolo de uma nova dentição pop nacional, fez com que toda a indústria acreditasse outra vez em algo que não fosse o sertanejo ou a axé music.
Que tal o cenário na época em que vocês apareceram?
Samuel Rosa – A gente vivia um período de vacas magras em termos de pop rock. Havia uma ressaca em relação à década anterior. Os últimos grupos que tinham surgido nos anos 80 não eram tão legais quanto os primeiros. Uns não tinham muita credibilidade e outros, apesar de virem com propostas legais, como Picassos Falsos, Hojerizah e Gueto, não atingiram o grande público. O Skank surgiu nesse quadro, em que o rock não era mais a bola da vez. As gravadoras começaram a se retrair, e a cena independente passou a ser mais valorizada. A partir daí, surgiu um interesse pelo que estava acontecendo nos porões, nas garagens. Por ironia, ficou bom para a gente, porque o Skank já sabia ser independente, estava acostumado a fazer o circuito de bares e festas de Belo Horizonte. Entramos no jogo em pé de igualdade com as bandas de São Paulo e do Rio. As possibilidades de conseguir um contrato com uma gravadora eram remotas quando surgimos. De repente, apareceram selos como o Tinitus, o Banguela, o Plug, o Chaos. Ficou bacana ser independente. O Skank já estava estruturado, a gente tinha repertório pronto. Nossa prioridade era aproveitar o momento, não esperar mais tempo para lançar o disco. E essa foi nossa tacada mais certa. Enquanto todas as bandas independentes lançavam vinis, a gente apostou no CD. Naquela época, virada de 1991 para 1992, não se falava em CD. Eu mesmo não tinha um CD Player. Mas essa aposta na qualidade foi fundamental. O CD assegurava uma qualidade musical para tocar em qualquer rádio. Salvo engano, o Skank foi o primeiro grupo brasileiro independente a sair em CD.
E antes do primeiro disco, como era a vida do Skank?
Samuel – No início, a gente tocava muita cover. Aliás, era a moda naquela época. Tinha muita banda cover e, em Belo Horizonte, o esquema era tocar em festas, que às vezes reuniam pequenas multidões. Depois que a gente lançou o disco independente, a coisa toda aconteceu meio que no boca-a-boca. O Lelo e o Fernando (Furtado, empresário do grupo) saíam pela cidade numa perua Fiorino entregando os CDs nas lojas. A tiragem foi de 3 mil cópias e vendemos tudo. Fizemos uma divulgação legal nas rádios e na imprensa escrita, o que foi importante. Conhecemos o (jornalista Carlos Eduardo) Miranda, o que era quase uma condição básica para toda banda independente. A gente começou a sair em jornais e revistas de São Paulo e do Rio, com matérias de meia página, e elas eram verdadeiros troféus para nós. Não havia como as gravadoras não se ligarem.
Lelo – Mas no dia do lançamento a gente levou um susto. Fizemos um show e esperávamos vender uns 200, 300 CDs. Vendemos 70, se tanto. No dia seguinte, o quarto do Fernando era pilhas e mais pilhas de CDs, só tinha espaço para a cama dele (risos).
Como vocês foram parar numa grande gravadora?
Samuel – No final de 1992, a gente já estava estourado não só em Belo Horizonte como também no interior de Minas. As rádios locais tocavam muito Skank. No verão de 1992 para 1993, a mineirada toda foi para a praia com o disco independente do Skank. Tem gente que até hoje me encontra e conta que nos conheceu naquele verão. Foi um fenômeno verdadeiro, totalmente informal, sem produção, sem planejamento.
Henrique – Éramos celebridades locais.
Samuel – Aí teve um festival da rádio rock local, e tocamos para 20 mil pessoas que sabiam de cor as nossas músicas. Isso chamou a atenção das gravadoras. Bem, a década de 80 foi escassa em bandas mineiras. Tinha o Último Número, o Sexo Explícito, mas ninguém ficou famoso. Além disso, havia também o ineditismo de a gente ser uma banda mineira que fazia reggae, dancehall – reggae de cachoeira, branco fazendo coisa de negão. Com tudo isso, fomos despertando o interesse do público e das gravadoras. Até que fomos convidados para inaugurar o Chaos, um selo dentro da Sony, e relançamos nosso primeiro CD (homônimo), em abril de 1993. Era o mesmo álbum, só que com nova mixagem.
O terceiro álbum da banda, O Samba Poconé, de 1996, conseguiu ampliar ainda mais o espaço de Calango, chegando à estelar marca de 2 milhões de cópias vendidas, colocando o Skank muito acima do primeiro time do rock nacional da época. A bordo de hits como “Garota Nacional” e “É uma Partida de Futebol”, o grupo agora dividia as paradas de rádio com Zezé Di Camargo & Luciano e Katinguelê. Mas não regredia sonoramente; antes, apresentava Manu Chao a seus fãs e dividia palcos estrangeiros com Echo & The Bunnymen.
Por que vocês acham que o Skank estourou?
Samuel – Porque a gente já estava todo estruturado para isso. Nosso CD independente foi muito bem produzido, custou 10 mil dólares. O processo de composição já estava andando, minha parceria com o Chico Amaral começava a se consolidar.
Lelo – A gente tinha cancha de shows, de estrada, já tinha tocado algumas vezes para 5, 10 mil pessoas.
Samuel – O Skank resgatou nos anos 90 um sucesso popular que só se viu nos anos 80. Agora, para responder a pergunta de forma bem objetiva, vou deixar a modéstia de lado e dizer: o Skank estourou porque ele é bom.
O que é ser “bom”?
Samuel – Ser bom é ter boas idéias, ser interessante em termos de conteúdo, ter boas letras e conseguir completar o ciclo que é cair no gosto popular, que é a “magicazinha” do pop. O Skank é a prova de que é possível fazer um som com qualidade e ser popular.
Quando vocês sentiram que eram a principal banda dos anos 90?
Henrique – Às vezes, quem está de fora não tem uma idéia exata do que aconteceu. Não foi uma coisa tão repentina. A gente ralou bastante para chegar lá.
Haroldo – O Calango, nosso segundo álbum, foi o rito de passagem. Ele vendeu mais de 1,2 milhão. E eu considero nosso sucesso mais gostoso, com cinco músicas tocando nas rádios.
Vocês continuaram morando em Minas, apesar do sucesso nacional.
Samuel – Houve um momento em que a gente achou que teria mesmo de sair, mas a gravadora não exigiu, o tempo foi passando e a gente foi ficando. Foi a melhor coisa que fizemos. Quando o Skank termina uma turnê e vai para casa, é a nossa casa mesmo. Além disso, a gente tem a possibilidade de assistir à cena toda de fora. Morar em São Paulo ou no Rio é como exercer uma militância pop, com festas e shows todo dia. Nós perdemos um pouco disso, mas, no fundo, gostamos assim.
Quais foram os maiores acertos do Skank?
Henrique – A questão nem é tanto de acerto ou de erro. É de ter tomado as decisões certas nos momentos certos, de abrir mão de alguma coisa em função de outras.
Samuel – Por exemplo, em 1997, resolvemos, mesmo com todo aquele sucesso de O Samba Poconé, no país inteiro, ir para fora, parar de aparecer por aqui. Isso foi bom para a banda, porque estávamos muito cansados e meio incomodados com aquela superexposição. Não sei que rumo as coisas teriam tomado se a gente não tivesse decidido sair de cena um pouco.
Haroldo – E, mesmo assim, os programas de TV ficavam reprisando nossas apresentações e as rádios não paravam de tocar “Garota Nacional”.
Houve algum arrependimento?
Samuel – É difícil isso, fazer um mea-culpa. O Skank surgiu como uma banda alegre, festiva, com músicas “pra cima”. O problema é que algumas pessoas associaram isso com a idéia de uma banda frívola, o que não tem nada a ver. Tivemos de carregar esse fardo de “banda alegre” durante um tempo. Ainda bem que tinha os Mamonas, que eram bem mais alegres (risos). Essa idéia só acabou quando lançamos o Maquinarama. Talvez nosso erro tenha sido não cortar mais cedo aquela falsa idéia de banda festiva. A gente nasceu e foi crescendo com a fama de queridinhos do público. Esse é um risco perigoso, o de incorporar o que as pessoas querem que você seja.
Então, quando as garantias eram muito maiores do que os riscos, a banda resolveu mudar tudo. Foi gravar em Londres, no mesmo estúdio dos Beatles, e, repetindo o que os quatro de Liverpool fizeram a partir de 1965, o Skank passa a experimentar novas sonoridades. A consolidação da nova fase – menos reggaeira e festiva, mais madura e roqueira – veio com discos como Maquinarama e Cosmotron. Neles, a pegada dançante cedeu lugar à melodia, ao lirismo das letras, com forte inspiração nos Beatles e no Clube da Esquina. O ciclo iniciado no conturbado álbum Siderado, de 1998, se fecha com o lançamento da primeira coletânea da banda, Radiola, em novembro de 2004, repleta de hits perpetrados no século 21. Um atestado de que as guinadas sonoras foram muito bem recebidas pelo público.
Por que a mudança?
Samuel – Não foi uma coisa premeditada. Simplesmente acontece, o tempo passa, os interesses mudam. E a coisa não veio de uma vez, toda a partir do Maquinarama como algumas pessoas pensam. No Siderado (álbum de 1998), a gente incorporou várias idéias novas.
Haroldo – E várias outras só não ficaram porque naquele momento ainda não estávamos tão prontos para mudanças como estamos atualmente.
Samuel – O Siderado foi um álbum complicado. A gente estava exausto, com o sucesso do Calango e de O Samba Poconé, a exigência era muito grande de todo mundo – nossa, principalmente.
A vontade de experimentar moveu tudo, então.
Samuel – A repetição é o pior problema que uma banda pode enfrentar. Naquele momento, sentimos que poderíamos ter de dar uma satisfação quanto ao nosso som. Teve gente que achou que o Skank estava “traindo o movimento”. Que movimento? (risos). Por outro lado, sentimos que seguir aquele mesmo rumo dos primeiros anos era muito perigoso.
Henrique – Só “Garota Nacional” já havia gerado uns três filhotes de outras bandas, que tocaram muito nas rádios, na época.
E sobre o disco mais recente, Cosmotron?
Samuel – Ele atestou que o Maquinarama não foi mera aventura. Muita gente achou que o Maquinarama não venderia muito, como não vendeu, e o Skank voltaria para a fórmula antiga. Nada disso. Depois dele, lançamos o Ao Vivo em Ouro Preto, que foi uma revisão da carreira, até porque não tínhamos uma coletânea ou algo do tipo. Aí veio o Cosmotron, reafirmando que as descobertas continuam acontecendo e que o caminho é esse mesmo. Não somos reféns de nenhum estilo musical. Pode-se esperar qualquer coisa do Skank. Isso não é uma qualidade em si, é apenas uma característica nossa.
A maior parte das bandas contemporâneas à de vocês já acabou. Como vocês se mantêm sadios em uma geração diferente?
Samuel – Os primeiros anos de vida do Skank foram determinantes. Naquela época, ficamos meio metidos a besta porque vimos uma idéia nascida aqui em Belo Horizonte, no estúdio do Haroldo, virar o que virou no Brasil inteiro. Ou seja, hoje, somos muito seguros sobre nossos rumos. A gente, como bom mineiro, é bem seletivo quanto às pessoas que colaboram com nosso trabalho. Confiamos muito em poucas pessoas. Por exemplo, o Miranda é um cara que a gente sempre ouve. Isso eu acho que é um pouco responsável pelo fato de o Skank estar aí há tantos anos. Ao mesmo tempo, somos bastante flexíveis. A gente sabe quando dar uma parada, ficar um pouco mais caseiro, com as crianças, qual a hora de jogar uma bola…
1994
JANEIRO
• O novato Skank rouba a cena do festival Hollywood Rock, que contava com Aerosmith e Titãs.
• Advogados de Michael Jackson e de um menino que o acusara de assédio sexual chegam a um acordo milionário e encerram o caso.
FEVEREIRO
• No Carnaval carioca, Itamar Franco é flagrado por paparazzi ao lado da modelo Lilian Ramos, que não usava calcinha.
• O M2000 Summer Festival ocorre em Santos com as bandas Rollins Band, Lemonheads, Mr. Big e Helmet. O grande destaque, no entanto, é o grupo Raimundos.
MARÇO
• Steven Spilberg ganha o Oscar pela primeira vez, como diretor, por A Lista de Schindler.
• Morre Charles Bukowski, escritor maldito americano.
ABRIL
• Kurt Cobain, líder do Nirvana, suicida-se em sua casa, em Seattle.
• Morre o jogador Dener, uma das maiores promessas brasileiras no futebol.
MAIO
• Morre Ayrton Senna.
• Nelson Mandela assume a Presidência da África do Sul.
• Morre o cantor Sérgio Sampaio.
• Michael Jackson se casa com Lisa Marie Presley, a filha de Elvis.
JULHO
• Governo anuncia o real como a nova moeda brasileira.
• Brasil bate a Itália nos pênaltis e é campeão do mundo de futebol pela quarta vez.
• Morre o trapalhão Mussum.
AGOSTO
• Ocorre nova versão do festival de Woodstock, nos Estados Unidos.
OUTUBRO
• Fernando Henrique Cardoso vence as eleições para presidente do Brasil no primeiro turno.
NOVEMBRO
• Michael Schumacher sagra-se campeão mundial de Fórmula 1 pela primeira vez.
DEZEMBRO
• Tom Jobim morre, aos 67 anos.
• O videogame Playstation é lançado no Japão.
• O after-hours Hell’s Club surge no extinto Columbia, em São Paulo.
O produtor: Dudu Marote
Os discos que projetaram o Skank para o mega-estrelato (Calango e O Samba Poconé) levavam a assinatura de Dudu Marote – que, na época, era comumente chamado de “quinto Skank”. Nascido em São Paulo, Dudu começou tocando teclados na banda new wave Degradée nos anos 80. Já no fim da década, proclamava: “O músico vai perder lugar para o DJ”. Sua experiência pilotando as mesas de som está mesmo ligada à música eletrônica: produziu a coletânea Hip-Hop Cultura de Rua (1988), marco zero do rap brasileiro, e a excêntrica acid house do Que Fim Levou Robin?, dois anos depois. Conheceu o Skank na época em que os mineiros trilhavam o circuito de reggae. Ao gravar Calango, Marote refinou as músicas de sotaque regional com loops, samplers e parafernálias computadorizadas. O resultado foi aprovado por quase 2 milhão de fãs. Após O Samba Poconé, Dudu se desentendeu com a banda e seguiu produzindo sucessos como Jota Quest, Pato Fu e Maurício Manieri. Depois, fundou o selo Segundo Mundo, pelo qual lançou o rapper De Leve. Voltou a trabalhar com o Skank em 2000, em um remix de “Maquinarama”. Em 2004, uniu as atividades de jingleiro e produtor, colocando Tejo, Black Alien e Speed no comercial europeu do jipe Nissan. A música fez tanto sucesso na TV que acabou no set de mega-DJs como Fatboy Slim.