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Slavoj Zizek – A maior estrela pop na constelação filosófica

Slavoj Zizek domina o palco das ideias e renova constantemente o público, que segue seus eventos como fãs de rock.

Por Thales de Menezes
Atualizado em 26 out 2020, 10h09 - Publicado em 5 nov 2019, 11h00

filosofia do século 21 tem no esloveno Slavoj Zizek sua maior estrela. Autodefinido como um agitador de consciências, apresenta uma combinação explosiva de erudição, discurso politicamente incorreto, humor e referências abundantes da cultura pop. Único em sua capacidade de citar a crise do cinema pornográfico mundial e a ascensão da cantora Taylor Swift na mesma palestra de crítica ao marxismo.

Zizek é uma metralhadora de ideias, que dispara em ritmo frenético. Fala muito rápido, e parece escrever na mesma velocidade, já que chegou a publicar sete livros num intervalo de dois anos. Embora seja um best-seller na filosofia, Zizek corre o risco de ser mais visto e ouvido do que lido por boa parte de seus seguidores.

Ele atrai um público jovem, e é comum aparecerem nas filas de seus eventos presenciais fãs que acompanham suas aparições audiovisuais, mas não têm tanto contato com seus livros.

Seria tentador atribuir o sucesso de Zizek a esse desempenho semelhante ao de um cômico stand-up, mas não é suficiente ter sua agilidade verbal para chegar ao potencial de influência que ele apresenta hoje. Zizek revigorou o pensamento marxista-leninista com uma abordagem que reúne filosofia, psicologia e cinema, uma de suas paixões. Sua atuação diante de uma plateia parece transformar uma discussão intelectual em algo emocionante e divertido.

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Zizek já disse que usa referências da cultura popular e do cenário político para explicar a teoria de Jacques Lacan, e, ao mesmo tempo, usa a teoria de Lacan para explicar a política e a cultura pop.

Ele nasceu em 1949 na pequena Liubliana, na época território da Iugoslávia comunista. Grande parte de seu conhecimento enciclopédico sobre o cinema de Hollywood foi adquirida durante a adolescência, quando passava muitas horas do dia em um cinema dedicado exclusivamente a filmes estrangeiros.

Em 1968, a Primavera de Praga, com as manifestações dos tchecos reprimidas pelos soldados soviéticos, foi presenciada por Zizek, que estava na capital tcheca e sentiu a força do poder autoritário contra as aspirações populares. “Encontrei lá, na praça central, um café que milagrosamente funcionou nessa emergência. Lembro que eles tinham maravilhosos bolos de morango, e eu estava sentado ali comendo bolos e assistindo tanques russos contra manifestantes. Foi perfeito.”

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Estudante de graduação na Universidade de Liubliana, ele domina com fluência seis idiomas e leu vorazmente Lacan, Jacques Derrida e outros filósofos franceses, cujas ideias não tinham grande penetração entre os acadêmicos socialistas. Sua predileção por Lacan era particularmente reprovada, porque era um trabalho de psicologia, ciência refutada pelo regime socialista e seu caráter coletivista, já que mantinha preocupação com o indivíduo.

Zizek se formou em filosofia e sociologia em 1971 e depois fez um mestrado, também na Universidade de Liubliana, escrevendo sua tese sobre seus franceses favoritos. Ideologicamente, a tese encontrou restrições. Ele precisou incluir um apêndice explicando as divergência que tinha com as teorias marxistas.

Zizek recebeu o mestrado em filosofia em 1975, mas a repercussão dos contratempos da tese não permitiu que ele assumisse um cargo de professor. Trabalhou como tradutor até ingressar no Partido Comunista, em 1977, para pleitear ocupações com salário maior. Conseguiu emprego como pesquisador no Instituto de Sociologia e Filosofia da Universidade de Liubliana, e ali trabalharia por décadas, mesmo já trilhando a carreira de escritor com sucesso.

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Zizek se tornou um especialista em Lacan, e fundou o Grupo dos Lacanianos de Liubliana. Seu lado humorístico foi se destacando. Certa vez, com pseudônimo, chegou a publicar uma crítica devastadora de um livro que ele mesmo havia escrito. O primeiro livro de Zizek publicado no Ocidente, O Objeto Sublime da Ideologia, de 1989, trata os filósofos dialéticos, principalmente Hegel, sob uma ótica influenciada por Lacan. Zizek trabalhava sobre a ideia do Outro como qualquer coisa que não fizesse parte do Eu. Não se limitou a escrever a obra, e tratava de divulgá-la de forma intensa, numa época em que o governo comunista na Iugoslávia mostrava evidente perda do controle sobre a produção intelectual no país.

Em 1990, quando a Eslovênia flertava com a independência da Iugoslávia, que só viria após dez dias de guerra em 1991, ele fez parte de uma candidatura coletiva para a presidência do país, mas ficou apenas em quinto lugar na votação.

Com o salário de pesquisador, Zizek tinha sustento e pouca coisa a fazer, o que impulsionou sua vontade de escrever. Ele conquistou um grande número de seguidores no meio acadêmico americano e começou a emendar visitas seguidas aos Estados Unidos. Sua recusa a convites para ensinar em escolas americanas era peculiar: “Quando as pessoas me perguntam por que eu não ensino permanentemente nos Estados Unidos, digo a eles que é porque as universidades americanas têm essa ideia excêntrica e muito estranha pela qual você deve trabalhar por seu salário. Prefiro fazer o oposto e não trabalhar pelo meu salário.”

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Zizek escrevia livros rapidamente, que eram traduzidos em até 20 idiomas. Ele conseguiu expandir os conceitos de Lacan para um público maior ao exemplificar as ideias do francês com cenas de filmes populares de Hollywood. Um de seus artigos que ilustra bem essa estratégia foi escrito em 1991: “Tudo o Que Você Sempre Quis Saber Sobre Lacan (Mas Tinha Medo de Perguntar a Hitchcock)”.

Críticos destacavam que Zizek tinha talento invejável para fazer os filósofos clássicos parecerem engraçados e emocionantes. As palestras dele passaram a atrair grandes multidões de jovens intelectuais. Numa aparição em Manhattan, a polícia precisou ser acionada para controlar a multidão que queria invadir pelas janelas o prédio que já estava lotado. Um documentário produzido nos anos 1990, “Zizek”, mostra essa histeria em escala beatlemaníaca.

A grande atração pelos encontros com o filósofo, até hoje, vem da imprevisibilidade. Zizek pode falar sobre vários episódios da história da filosofia e relacioná-los com tópicos inesperados, como os métodos de combate ao crime do Batman ou a influência da religião nas séries de crimes na TV.

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Ateu, ele avança em conversas sobre teologia. Causa espanto sua teoria que aproxima o apóstolo cristão São Paulo do líder comunista soviético Vladimir Lenin. Ele associa os dois pela construção de grupos atuantes motivados por ideias práticas.

Como uma Madonna da filosofia, Zizek tem capacidade de se reinventar, de manter suas intervenções no debate intelectual atualizadas com os fatos mais recentes do noticiário. Além disso, ele revisa metodicamente o conteúdo nas reedições de suas obras. Dois volumes já editados com muitas versões diferentes são A Arte do Sublime Ridículo: Na Estrada Perdida de David Lynch (2000) e Bem-vindo ao Deserto do Real: Cinco Ensaios sobre em 11 de Setembro e Datas Relacionadas (2002).

Zizek já apresentou programas de TV, teve seus trabalhos registrados em documentários, publicou livro de piadas e originou até uma revista, “International Journal of Zizek Studies”. Só nesta década ele publicou 23 livros. Seus críticos ressaltam que ele usa ideias próprias, mas muitas vezes requentadas, para produzir mais textos novos do que realmente expor novos conceitos.

Enquanto se discute a renovação do conteúdo do material produzido por Zizek, indiscutível é a renovação de seu público. “Não me envaidece ser seguido pela garotada”, disse. “Isso não indica que eu sou muito melhor do que os outros, só mostra que eu sou aquele que os jovens entendem, o que não é lá grande coisa.”

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