Luiz Barco
Durante recente palestra aos professores de uma escola pública em São Paulo, falei da importância de se desenvolver a imaginação das crianças e uma professora me censurou com justiça: Reconheço a importância de exercitar a imaginação dos meus alunos mas, se gastarmos muito tempo com isso, como fica o programa? A pergunta não é nova, mas traz embutida uma idéia que não me parece correta. Imaginação e a liberdade criadora não atrapalham os programas e estes não devem impedir a descoberta.
Por isso concordo com o que está escrito na contracapa da edição portuguesa do livro Pontes para o infinito, de Michael Guillen: Vivemos num país em que o sistema educativo, em vez de revelar vocações e desenvolver capacidades, quase sempre desmotiva a curiosidade, castiga e espírito crítico, não é capaz de reforçar a natural alegria de descobrir e aprender. Esta verdade parece se aplicar a Portugal onde o livro foi traduzido e talvez em grau diferente nos Estados Unidos, onde foi escrito. Mas serve como uma luva para o sistema educativo brasileiro.
Num dos artigos, Guillen escreve sobre o conhecido princípio da plenitude que popularmente quer dizer: tudo quanto possa ser imaginado existe em algum lugar do Universo. Mas muito antes, no século V a. C., o filósofo grego Platão já acreditava nesse princípio. Dois mil e quinhentos anos se passaram e vez por outra ocorrem manifestações dessa crença nas ciências e nas artes: Se alguém foi capaz de imaginar uma sereia, então ela existe em algum lugar. Na verdade, pretendo reforçar uma idéia bastante respeitada de que talvez nossa imaginação (matemática) seja uma espécie de sexto sentido e, por paradoxal que pareça, com ele podemos ler a natureza, não só os confins das galáxias como o interior das partículas.
Do infinitamente grande ao infinitamente pequeno nada é vedado ao grande olho da imaginação. Assim, quando uma criança tem dificuldade com os números relativos (os positivos, os negativos e o zero), muitos professores, apressadamente, vaticinam que ela não tem pendor para as matemáticas, esquecendo-se ou ignorando que no século XVII o matemático e filósofo francês René Descartes, refletindo uma dificuldade da época, lastimava aceitar a existência do numero negativo, o menor que o nada. Até hoje é muito difícil para o comum das pessoas entender que menos por menos dá mais.
Mas foi de uma aplicação do conceito de números negativos aos seus estudos de Física nuclear que o físico inglês Paul Dirac (1902 1984) chegou, por volta de 1930, à idéia da antimatéria. Ele predisse a existência de uma nova partícula elementar que teria a massa de um elétron, mas com carga elétrica positiva em vez de negativa como é a do elétron. Ao se encontrarem muito próximos, um elétron (-1) e uma dessas partículas (+1) se aniquilariam instantaneamente. Não menos indigesta para os matemáticos foi a imaginação dos números que são a solução de equações como esta: x elevado a 2 = -1. Qual é o número cuja multiplicação dele por ele mesmo resulta em um produto negativo?
Para quem já teve alguma relutância em aceitar que o produto de dois números de mesmo sinal dá sempre positivo, aceitar os imaginários, como foram chamados esses novos frutos da imaginação, deve ter sido no mínimo um desconforto. Quase um século depois de estar suficientemente arrumada a casa dos números complexos, que fala dos entes que possuem um componente real (número real) e um imaginário (número imaginário), Albert Einstein e outros aplicaram o conceito de números imaginários aos seus estudos do espaço e do tempo e um dos resultados foi o surgimento da Teoria da Relatividade Restrita.
Parece-me claro que a imaginação te, não raro, colocado a humanidade em alguma dificuldade, mas nem de longe isso deve ser desculpa para a criação de sistemas escolares que castrem a imaginação. Mesmo porque, se poderá ser abolida por decreto.
Luiz Barco é professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo