1. O cérebro inventa o que você vê
Você fica cego 4 horas por dia. O cérebro cria imagens para preencher tudo isso – inclusive do que ainda não aconteceu.
Se os seus olhos fossem uma câmera, ela teria 341,5 megapixels de resolução. Foi o que estimou um estudo da Universidade de Washington. Os cientistas contaram o número médio de células fotorreceptoras do olho humano e, a partir daí, chegaram à conclusão de que conseguimos distinguir 154 unidades mínimas (equivalentes a pixels) em cada “grau” de nosso campo de visão. Se considerarmos que a gente enxerga 120 graus tanto na horizontal quanto na vertical, multiplique 154 por 120 graus nas duas direções e chegará ao número de 341,5 megapixels.
Acontece que o olho humano só consegue registrar imagens com nitidez numa área bem pequena: a fóvea, que tem 1 milímetro de diâmetro e fica bem no meio da retina. Ela é um buraquinho cheio de cones, células que captam a luz e a transformam em impulsos elétricos que podem ser decodificados pelo cérebro. Você só está lendo este texto porque a luz refletida pelas páginas (ou gerada pela tela) está batendo nas fóveas dos seus olhos. Mas a fóvea tem resolução estimada de apenas 7 megapixels – uma mixaria, que não dá nem para tirar boas fotos no celular, quanto mais gerar a imagem envolvente e hiperdetalhada que nossos olhos produzem. Qual o segredo, então? Como a visão humana produz uma imagem panorâmica de 341,5 megapixels, se nossos olhos geram apenas 7 megapixels com nitidez? Simples: o cérebro nos engana.
Você não percebe, mas os seus olhos estão sempre em movimento. Assim, a fóvea consegue captar vários pedaços do cenário, que o cérebro costura numa imagem só. Mas esse processo (cada pulo do olho, captação da luz e decodificação do sinal no cérebro) toma tempo, cerca de 0,2 segundo. Durante essa movimentação, enquanto o olho se move para focar em um novo ponto de captação para a fóvea, o cérebro deixa de receber informação do ambiente por 0,1 segundo. Parece pouco. Só que os seus olhos fazem 150 mil desses pulos por dia. Somando todos, você fica cego quatro horas por dia.
Você não percebe isso porque o cérebro se tornou expert em preencher esse vazio com projeções que dão a sensação de imagem contínua, como um filme. Na prática, os seus neurônios recriam o que ocorre a cada 0,1 segundo de cegueira, baseado em aproximações que refletem a nossa experiência. A trajetória de uma bola, por exemplo, já está previamente mapeada pelo cérebro de um jogador de futebol. É por isso que ele consegue dominar um passe muito rápido, que acontece em frações de segundo – durante os quais seus olhos não produziram informações visuais.
Mas não basta inventar quatro horas de imagens. O cérebro também precisa antecipar o futuro em cada uma delas. Se ele produzisse apenas um instantâneo referente ao 0,1 segundo no qual ficou cego, ele estaria sempre pelo menos 0,1 segundo atrasado em relação ao que está acontecendo no mundo real. Para que a imagem seja fluida, o cérebro precisa criar uma projeção de 0,1 segundo do futuro. Assim, as imagens reais e as criadas viram um movimento perfeito. No exemplo da bola, o cérebro não cria a imagem da bola durante o 0,1 segundo de cegueira ocorrido durante o passe. Ele faz uma previsão de onde a bola estará frações de segundo depois. Chega a parecer mágico, mas é evolução pura: se os nossos ancestrais do mundo animal não tivessem desenvolvido essa capacidade de prever o futuro, teríamos sido todos comidos por predadores.