Homens e mulheres querem exatamente a mesma coisa: gerar descendentes. Mas isso requer um investimento diferente para cada lado.
Texto: Maurício Horta | Edição de Arte: Estúdio Nono | Design: Andy Faria
Aprincípio, no campo amoroso, não existe razão para conflitos entre homens e mulheres. Ambos querem se reproduzir, e um tem o que o outro não tem. Eles possuem os espermatozoides, e elas, os óvulos. A conta parece se fechar redondamente numa relação de ganho para os dois lados, como se o sexo nos unisse de volta ao ser redondo e completo descrito por Aristófanes [ver box no capítulo A genética do amor].
Mas não é o que acontece. O processo de conquista entre machos e fêmeas é definido pelo tamanho do investimento em produzir um filho. Fêmeas nascem com um número limitado de células sexuais, bem maiores do que as dos machos, e, na maioria das espécies, gastam uma quantidade grande de energia, nutrientes e tempo para que a cria consiga crescer até a idade em que se vira sozinha.
Entre os mamíferos, o investimento feminino é claramente maior que o masculino. A fêmea carrega em seu útero um feto que lhe suga nutrientes, alimenta com seu leite os filhos e os protege até que eles se tornem independentes. Isso demora de meses a anos. Já os machos gastam de segundos a alguns minutos para ejacular seus pequenos e numerosos espermatozoides.
Pronto, aí está feito o trabalho. O resultado da discrepância entre a disponibilidade de espermatozoides e a de óvulos é o mesmo que há em qualquer descompasso entre oferta e demanda. Fêmeas são altamente desejáveis, e sua conquista terá um alto preço. Machos as disputam com outros machos, e os mais fortes podem fertilizar várias fêmeas, deixando os fracos sem parceiras. Quanto mais fêmeas arranjarem, maior o sucesso em propagar seus genes.
Já fêmeas não veem vantagem genética nenhuma em cruzar com uma grande quantidade de machos. Isso porque, enquanto os espermatozoides são produzidos à vontade, os óvulos são pouco disponíveis. Mesmo que em seu período fértil copule com 50 machos, a quantidade de filhos será a mesma que teria com apenas uma cópula.
Por isso, fêmeas podem escolher o parceiro com melhores genes. Não é de se admirar que uma abordagem masculina indesejada seja assédio, e a cópula forçada seja estupro: as consequências do ato sexual são graves demais para que sua escolha possa ser atropelada.
Essa relação entre machos e fêmeas se inverte em espécies cujos machos têm papel importante na criação do filhote. Por exemplo, nas aves em que isso acontece, as fêmeas disputam o macho, que fica cuidando do ninho. O pinguim-imperador macho choca os ovos da fêmea num frio de 50 °C negativos durante todo o inverno antártico e só encontra novamente a parceira sexual na primavera, quando ela volta e vomita peixe para os filhotes. Já o cavalo-marinho macho recebe os óvulos fertilizados da fêmea e cuida deles até que os filhotes estejam maduros para se virar sozinhos.
Em geral, essa “paternidade ativa” não acontece com os machos mamíferos – com a exceção dos humanos… ou de alguns deles. Mas de qualquer forma, no processo de reprodução, o investimento das mulheres é muito maior que o dos homens: são nove meses de gestação e até quatro anos de amamentação, contra 2 a 5 mililitros de sêmen – que podem ser facilmente eliminados na masturbação.
Só que a coisa não para no fazer: crianças precisam da dedicação permanente de adultos até obterem um mínimo de independência, o que acontece por volta dos 7 anos em sociedades caçadoras-coletoras. É aí que entra o segundo papel do homem – no qual somos muito mais parecidos com pinguins do que com macacos.
O único esforço que os pais orangotangos fazem por sua prole é fornecer seu sêmen. Os pais gorila, chimpanzé e gibão oferecem proteção, e pronto. Mas os pais humanos caçadores-coletores precisam transmitir conhecimentos e habilidades por meio do aprendizado. Uma formiga é capaz de instintivamente buscar alimento em caminhos tortuosos e longos, e voltar para a toca em linha reta, sem precisar de nenhum ponto de referência.
Está geneticamente programada para isso. Já os humanos têm poucas capacidades inatas que nos permitam sobreviver sozinhos. Precisamos aprender por meio da comunicação quais são as substâncias comestíveis, como produzir e utilizar ferramentas e como nos proteger de predadores.
Nosso software é complexo e maleável demais para que consigamos usá-lo sem a ajuda inicial de instrutores. Essa capacidade de aprender nos permitiu abrir o leque da nossa alimentação para milhares de espécies de plantas e animais, adaptar-nos a diferentes climas e, por fim, colonizar todo canto do planeta. Mas também obrigou os adultos a dedicar mais tempo e energia à criação dos filhos do que qualquer outra espécie. Aqueles homens caçadores-coletores que não alimentaram, protegeram nem ensinaram seus filhos não puderam levar seus genes adiante.
QUANTIDADE X QUALIDADE
Não é difícil perceber que temos os pés em duas jangadas. Do ponto de vista dos genes do macho, quanto maior o número de parceiras, melhor. Se pudessem, homens seriam como o deus olímpico Zeus – que transou com Métis, deusa da prudência, Atenas, deusa da guerra, sua tia Têmis, deusa da Justiça, a oceânide Eurínome, Mnemósine, deusa da memória, Leto, deusa do anoitecer, Hera, que era sua irmã, além de 115 mulheres mortais e um rapaz.
Basta ver um rabo de saia ou uma imagem em pixels emitidos numa tela de cristal líquido para que o homem se excite. No estudo multicultural de David Buss, que citamos no capítulo anterior, as respostas dos homens sobre o que procuravam nas mulheres refletiam bastante o físico delas: juventude, saúde e aparência. Mas isso não basta do ponto de vista dos genes.
Para propagar seu DNA, o homem precisa que ao menos uma parceira seja fixa e inquestionavelmente fiel. Isso garante que venham dele os genes do filho a cuja criação ele dedicará tempo e energia. Não é de surpreender que Zeus mantivesse controle total sobre Hera, sua esposa oficial, e que a castigasse de forma tão impiedosa na ocasião em que ela conspirou contra ele: pendurou-a no céu por braceletes de ouro pelos punhos e uma bigorna amarrada a cada calcanhar, vulnerável às chibatadas do marido. Noutro ato à revelia de Zeus – quando Hera dá à luz um filho concebido sozinha por partenogênese –, a criança nasce feia, fraca e deformada, com quadris deslocados e pés tortos. O homem vê sua honra espelhar-se nos genes do filho.
Já do ponto de vista dos genes da fêmea, o que importa não é a quantidade de homens, mas a qualidade de seus genes. Ainda assim, não basta a imagem de um bom reprodutor para deixá-la morrendo de desejo. No caso específico dos genes da mulher, o homem desejável é um que tenha meios e disponibilidade para cuidar dos filhos.
O resultado desse conflito entre genes e segurança é que a mulher tenderá a se resguardar ao máximo até se casar com o melhor provedor possível, mas também sentirá desejo em fazer sexo com o melhor reprodutor, mesmo que essas duas figuras não coincidam no corpo do mesmo homem.
O psicólogo evolucionista canadense Steven Pinker traz essa situação para a lei da oferta e procura. No jogo econômico-sexual, muitas mulheres disputarão o melhor partido. Disso se pode concluir que o homem médio conseguirá uma esposa de “qualidade” alta – ou seja, bastante disposta ao compromisso –, mas não conseguirá amantes tão boas assim, e acabará partindo para prostitutas ou pornografia. Já muitos homens disputarão a melhor parceira sexual. Disso se pode concluir que a mulher média conseguirá facilmente um amante – ou seja, não terá de pagar por sexo nem usar pornografia –, mas será mais difícil conquistar um marido de “qualidade”, um bom provedor.
Mas espera aí. Como é possível que uma estratégia sexual definida por um macho buscando copular com o maior número possível de fêmeas, e fêmeas se resguardando para o macho com mais recursos, tenha se mantido? Isso não inviabilizaria o comprometimento de um homem à mesma mulher? Não levaria todas as mulheres a se entregar a uma minoria de homens poderosos, deixando a massa de pobretões sem mulheres e, logo, incapacitados de se reproduzir? Não. E é aí que entra a dobradinha do relacionamento: o amor romântico e o ciúme – o que exploraremos em profundidade daqui a pouco, nos próximos capítulos.
É verdade que buscamos escolher nossos parceiros pelas características mais vantajosas para a reprodução. Porém, ser muito racional nesse momento traz um risco grande. Bastaria encontrar uma pessoa com características físicas e materiais melhores para você querer abandonar o parceiro atual. E isso inviabilizaria o interesse maior do gene: que a gente se reproduza como coelhos e crie filhos até que eles se tornem capazes de gerar nossos netos.
O amor romântico impede que a razão fale mais alto quando o parceiro não é o mais belo, o mais forte ou o mais rico da vizinhança. A ferramenta “salvar automaticamente” de nosso software mental é uma espécie de contrato cujo termo de rescisão prevê uma multa tão alta que raramente vale a pena ser quebrado. Enfim, mesmo que a riqueza, a saúde e a beleza não sejam mais as do início do relacionamento, o custo da separação continua alto demais.
PAI É QUEM CRIA
Homens realizadores são melhores pais que os mais viris.
Mulheres buscam homens capazes de ter sucesso na conquista de recursos e status – o que lhes dará meios e segurança para a criação dos filhos. Um estudo do psicólogo David Buss em 37 culturas diferentes apontou as qualidades que tornam um homem desejável aos olhos (ou aos genes, melhor dizendo) da mulher. O conjunto forma esse super-homem provedor e cuidador.