A vida não é uma folha em branco; é um jogo de cartas. Entenda como a sociedade, a estatística e a genética determinam grande parte do que vai acontecer com uma pessoa – antes mesmo de ela nascer.
Texto Bruno Garattoni e Eduardo Szklarz | Foto Tomás Arthuzzi | Design Juliana Krauss
“Tudo está determinado, o começo e o fim, por forças sobre as quais não temos controle. É determinado para um inseto, e para uma estrela. Seres humanos, verduras ou poeira cósmica… todos nós dançamos uma música misteriosa, tocada à distância por um músico invisível.” Quem disse isso foi Albert Einstein, numa entrevista publicada em 26 de outubro de 1929 pelo semanal americano The Saturday Evening Post. O repórter não teve presença de espírito, nem tempo, de perguntar quem ou o que seria esse tal músico – logo após a frase, Einstein se levanta e vai para o quarto dormir, encerrando a conversa. Mas as “forças sobre as quais não temos controle” podem ser encontradas na própria ciência: a sequência de fenômenos desde o início dos tempos.
O Universo surgiu do Big Bang, uma explosão ocorrida há 13,7 bilhões de anos. Pelas regras da física newtoniana, as trajetórias de todas as partículas, e eventuais interações entre elas, foram determinadas por esse fenômeno inicial: como se o Universo fosse uma mesa de bilhar, em que a tacada inicial define o movimento de todas as bolas. E isso vale para absolutamente tudo o que existe – inclusive os átomos que formam os neurônios do seu cérebro, com os quais você resolveu ler este texto. Ou seja: o futuro, de certa forma, já foi decidido. Essa é a lógica do determinismo universal, conceito proposto em 1814 pelo físico Pierre-Simon Laplace (um cientista importante, que ficou conhecido como o “Newton francês”).
Você deve estar pensando: ok, bela tese, mas a vida real não é bem assim. De fato, não é. O determinismo de Laplace não leva em conta, por exemplo, a física quântica (pela qual uma partícula pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, como uma bola de bilhar caindo em duas caçapas). E também conflita com a observação mais trivial da realidade. O futuro não está escrito porque você pode decidir, agora mesmo, o que irá fazer. Pode continuar lendo este texto, pode parar e ir fazer outra coisa, pode erguer a mão direita e coçar o nariz, pode fazer inúmeras escolhas dentro de uma lista quase infinita de possibilidades. Mas será que, quando resolve fazer alguma coisa, foi você mesmo que tomou aquela decisão? Nem sempre é isso o que acontece. Muitas vezes, o seu cérebro decide por conta própria – vários segundos antes de você.

A primeira pista disso veio em 1983, numa experiência feita pelo neurologista Benjamin Libet, da Universidade da Califórnia (1). Nesse teste, seis pessoas foram colocadas na frente de uma espécie de relógio, em que uma bolinha se movia. Elas receberam uma única instrução: deveriam apertar um botão, colocado na mesa à frente, quando quisessem, e depois contar ao pesquisador em que momento fizeram isso (informando qual era a posição da bolinha). Libet monitorou os impulsos elétricos nos músculos e no córtex motor das pessoas, e perguntou a cada uma delas qual era a posição da bolinha quando ela resolveu apertar o botão.
Cruzando as duas informações, ele fez uma descoberta intrigante: o córtex motor entrava em ação até 0,8 segundo antes que as pessoas decidissem, conscientemente, apertar o botão. Em 2008 o cientista John-Dylan Haynes, do Centro de Neuroimagem Avançada de Berlim, replicou o teste (2) com um joystick, que os voluntários deveriam mover. Chegou a um resultado ainda mais impressionante: os córtices frontopolar e medial das pessoas se acendiam até dez segundos antes que elas decidissem, conscientemente, mexer o joystick. Em 2013, Haynes pediu a voluntários que somassem dois números exibidos numa tela – e constatou que os cérebros delas começavam a executar essa tarefa quatro segundos antes que elas decidissem, conscientemente, fazer a conta (3).
Apertar um botão, mover uma alavanca ou somar dois números são tarefas banais. Até hoje, não há nenhum indício de que o cérebro tome “sozinho” decisões mais complexas, como escolher uma profissão, um cônjuge, ou mesmo o que você vai almoçar hoje. Seria muito difícil provar que isso acontece; se é que acontece. Mas isso não significa que essas escolhas sejam totalmente livres. A pressão evolutiva, a genética e o ambiente em que nossos pais viveram têm efeitos profundos, e às vezes surpreendentes, sobre nós. “À medida que vamos descobrindo como o cérebro funciona, e como os genes fornecem instruções para os circuitos neurais, vemos que nossos comportamentos – desde os mais simples até os mais complexos – parecem ter uma base biológica, hereditária”, afirma Hannah Critchlow, neurocientista da Universidade de Cambridge e autora do livro The Science of Fate (“A Ciência do Destino”, inédito no Brasil). Novos estudos têm revelado que a genética, e sobretudo a epigenética (ativação ou desativação de genes provocada por fatores ambientais), influem mais do que se acreditava sobre o comportamento de cada pessoa. Mas o destino começa a ser escrito bem antes disso. A sua saúde mental, por exemplo, é afetada por um fator que precede a genética: o mês em que a sua mãe engravidou de você.
(1) Time of conscious intention to act in relation to onset of cerebral activity (readiness-potential). The unconscious initiation of a freely voluntary act. B. Libet e outros, 1983. (2) Unconscious determinants of free decisions in the human brain. JD Haynes e outros, 2008. (3) Predicting free choices for abstract intentions. JD Haynes e outros, 2013.