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Tecnologia

A televisão 8K

Ela está chegando. E nós testamos.

por Bruno Garattoni Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 17 ago 2020, 19h01 - Publicado em
25 jun 2019
18h43
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(Rodrigo Damati/Superinteressante)

Fabricar TVs é um negócio ingrato. As pessoas trocam de celular a cada dois ou três anos. De carro, a cada cinco ou seis. Já a televisão… você só troca quando pifa (o que chega a demorar 15 anos ou mais), quando quer uma tela maior (algo cada vez mais raro, pois hoje a maioria das casas já tem uma TV de tamanho razoável) ou quando aparece alguma tecnologia realmente irresistível – o que raramente acontece. Para complicar ainda mais a vida dos fabricantes de TVs, a margem de lucro costuma ser pequena: enquanto a Apple embolsa mais de 60% do valor de cada iPhone, eles ficam com 5% a 10%.

Para continuar existindo, precisam inventar motivos para convencer você a comprar uma TV nova. E vivem tentando: telas 3D, telas curvas, smart TVs, comandos de voz, inteligência artificial, resolução 4K… e, agora, as televisões 8K. Sony e LG já lançaram modelos no exterior, mas ao Brasil a primeira a chegar é uma Samsung: a Q900, que tem versões de 65, 75 e 82 polegadas. Estou sentado em frente a esta última, a maior de todas, na sede da Samsung em São Paulo. Ela custa R$ 65 mil.

Você deve estar pensando: “jamais gastaria esse dinheiro numa televisão, nem se fosse rico”. Eu também não. Mas a Q900 interessa, e muito, porque é o começo de uma nova era. Nos próximos anos, as televisões 8K deverão cair de preço até se tornarem produto de massa. E elas são um salto tecnológico inquestionável: sua tela é formada por 33 milhões de pixels. É quatro vezes mais do que as telas 4K (8 milhões de pixels), e equivale a 16 vezes a resolução das TVs Full HD, que a maioria das pessoas tem (2 milhões de pixels).

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O pulo chega a ser maior, até, do que na transição da TV analógica para a TV digital – quando a resolução cresceu “apenas” dez vezes. Um estudo feito pela emissora japonesa NHK1 analisou a acuidade visual de 82 pessoas, que tinham de comparar objetos reais, observados através de um visor, com imagens capturadas em vários níveis de resolução. Os cientistas constataram que o olho humano é capaz de perceber os ganhos proporcionados por telas 4K e 8K. Para que isso aconteça, precisa estar perto delas: você deve ficar a no máximo três vezes a altura da tela (para quem tem uma televisão 4K de 60 polegadas, por exemplo, isso significa colocar o sofá a 2m dela).

UM SALTO DE 110 VEZES

Televisões 8K têm 33 milhões de pontos na tela; veja diferença em relação às gerações anteriores.

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(Rodrigo Damati/Superinteressante)
  • 8K

Lançamento 2018***

Resolução 33,2 milhões de pixels

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  • 4K

Lançamento 2012**

Resolução 8,3 milhões de pixels

  • Full HD Lançamento 1998

Resolução 2 milhões de pixels (1080p)

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  • HDTV

Lançamento 1998

Resolução 921 mil pixels (720p)

  • Analógica Lançamento 1954*

Resolução 220 a 300 mil pixels

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*Estreia do padrão NTSC (National Television Systems Committee), utilizado nos Estados Unidos.

**Lançamento da primeira televisão 4K nos Estados Unidos.

***Início das transmissões em 8K no Japão.

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Primeiro impacto

E. no primeiro instante, uma era começa. A força bruta das imagens em 8K estraçalha qualquer ceticismo, a ponto de me deixar atordoado – e maravilhado. Plantas, insetos, filhotes de tartaruga. Um jacaré, um tigre, um husky siberiano correndo na neve. Champanhe estourando, Nova York, o mar. Já vi essas coisas. Mas não assim. Olhar a TV 8K não é como enxergar por uma janela. É como tomar uma droga alucinógena, abrir essa janela e ver um mundo mais detalhado, colorido e brilhante, entre o hiper-real e o surreal (o jacaré, por exemplo, é tão vívido que chega a parecer uma montagem feita em chroma key).

Esse esplendor visual não se deve apenas à resolução. Há três outros fatores em jogo: brilho, contraste e pontos quânticos. Segundo a Samsung, a TV é capaz de produzir 3.000 nits de luz (cinco a dez vezes o brilho de uma televisão comum, dependendo do modelo). Seu contraste, medido com um colorímetro XRite i1 (coralis.com.br), é de 5200:1, excelente para uma tela LCD. E as cores da Q900 são saturadas e profundas, melhores que nos LCDs comuns – graças aos pontos quânticos. “Eles são dispositivos que conseguem confinar elétrons, como se fossem caixinhas”, explica Gabriel Landi, professor do Instituto de Física da USP. Os pontos quânticos são cristais muito pequenos, feitos de cádmio ou índio, que limitam o movimento dos elétrons e aproveitam isso para gerar luz [veja infográfico na próxima página]. Foram descobertos em 1982, e não são exclusividade da Samsung – outras marcas, como TCL e Philips, também os utilizam.

OS PONTOS QUÂNTICOS

Tecnologia presente em televisões LCD 4K e 8K usa partículas extremamente pequenas – e um fenômeno da Física.

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(Rodrigo Damati/Superinteressante)

1 O material

Os pontos quânticos são cristais feitos de cádmio (Cd) ou índio (In). Cada cristal mede menos de 10 nanômetros – e contém 15 a 150 átomos.

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(Rodrigo Damati/Superinteressante)

2 A energia

Se você disparar um raio de  luz ultravioleta nesses átomos, os elétrons deles ganham energia.

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Quando isso acontece, o elétron vai para uma camada mais externa. É o chamado salto quântico.

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(Rodrigo Damati/Superinteressante)

3 O confinamento

Porém, como o cristal é muito pequeno, acontece o “confinamento quântico”: os elétrons excitados não têm espaço, voltam para a posição inicial – e emitem luz.

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(Rodrigo Damati/Superinteressante)
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(Rodrigo Damati/Superinteressante)
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(Rodrigo Damati/Superinteressante)

4 A luz

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Dependendo do tamanho do cristal, e da quantidade de átomos dentro dele, a luz emitida tem uma cor diferente.

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(Rodrigo Damati/Superinteressante)

5 A tela

Os pontos quânticos ficam numa camada interna (QDEF). Eles recebem luz ultravioleta do iluminador, brilham e emitem luz colorida – que é usada para iluminar a placa de LCD, à frente, e formar a imagem.

A) Iluminador (backlight)

Conjunto de LEDs que emite luz.

B) QDEF (Quantum Dot Enhancement Film)

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Camada que reúne os pontos quânticos.

C) Cristal líquido (LCD)

Microcélulas que abrem e fecham, barrando ou liberando a passagem da luz.

D) Filtro de cores (CF)

É um filme plástico colorido pelo qual a luz passa. Na TV 8K, ele é pintado com 99,6 milhões de retângulos.

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(Rodrigo Damati/Superinteressante)
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(Rodrigo Damati/Superinteressante)

6 A vantagem

A tela produz cores mais profundas e saturadas – pois os pontos quânticos geram
luz colorida (as TVs de LCD tradicionais geram luz branca, que só ganha tonalidade ao passar pelo filtro de cores).

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Na vida real

Os vídeos de demonstração se sucedem na tela 8K, um mais incrível do que o outro, numa apoteose irresistível. Mas eles terminam – e, infelizmente, chega a hora de voltar para a vida real. Isso porque, tirando os seis clipes produzidos pela Samsung, não temos mais nenhum vídeo nessa resolução. A empresa diz estar negociando uma parceria com a Globo, que já fez gravações no novo formato, mas ainda não tem nada para exibir. Netflix, Amazon Video, Blu-ray, consoles de games: nada disso está em 8K. Por bastante tempo, quem comprar uma tela 8K terá de se contentar com vídeos em 4K e Full HD mesmo. A TV da Samsung emprega uma técnica inteligente para fazer upscaling, ou seja, aumentar a resolução desses vídeos. Resta saber como isso funciona na prática. Vamos descobrir agora.

Começo plugando um Xbox One X, o console de videogame mais potente hoje – e único capaz de operar em 4K real. No primeiro game, F1 2018, dá para ver detalhes nos quais eu nunca havia reparado, como a granulação do asfalto e o desgaste nos pneus do carro. Em Fifa 19, enxergo detalhes dos jogadores e os gominhos da bola enquanto ela gira. Em outros games, como Forza 7 e Star Wars Battlefront II, nada demais: a imagem é ótima, mas não revela nenhum detalhe novo (se comparada a uma TV 4K).

Hora de rodar um Blu-ray 4K: Planeta Terra 2, a superprodução da BBC. A cena de abertura, com bichos lutando, é incrível. Mas revela um problema. A função Auto Motion Plus, que a televisão usa para tentar deixar os movimentos mais fluidos, causa microtravamentos e distorções em partes da imagem (em cenas de ação mais intensa, as patas dos animais dão “pulinhos”, em vez de fazer movimentos contínuos). A mesma coisa acontece no próximo vídeo: um episódio da série The Grand Tour, da Amazon, em 4K. As mãos do apresentador Jeremy Clarkson tremem um pouco, e não porque ele, notório beberrão, esteja precisando de um drinque. Nos dois casos, o culpado é o mesmo: o Auto Motion Plus. Ao desligá-lo, os tremores e travamentos somem.

Esse recurso não é exclusividade da Q900. Todas as televisões fabricadas nos últimos dez anos vêm com ele, cujo nome técnico é interpolador de quadros. A TV aberta, os serviços de streaming e os videogames geram vídeo a 30 ou 60 quadros por segundo (fps). O interpolador analisa a imagem e inventa novos quadros, gerando 60, 120 ou até 240 fps. Costuma funcionar bem com games e esportes, e meio mal com todo o resto. Também pudera. Não é fácil criar alguma coisa a partir do nada.

Mas a situação mais difícil, para uma televisão 8K, é ter de exibir vídeos em Full HD (1080i/p), que são de longe os mais comuns. A TV é obrigada a inventar, via upscaling, nada menos do que 94% dos pixels exibidos na tela.

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COMO INVENTAR O QUE NÃO EXISTE

Há pouquíssimo conteúdo gravado em 8K. Na esmagadora maioria dos casos, a TV precisa se virar com um truque: o upscaling

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Como inventar o que não existeComo inventar o que não existe (Rodrigo Damati/Superinteressante)

1 O problema  As televisões digitais só trabalham numa resolução: a “nativa”. Isso significa que, quando você vê um vídeo cuja resolução é inferior à da TV, ela tem que se virar – e literalmente inventar conteúdo, em tempo real, para preencher os pixels da tela.

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2 A solução  Normalmente, a TV resolve isso fazendo uma aproximação. Ela analisa a imagem, identifica as cores de cada elemento, e simplesmente adiciona pixels daquelas mesmas cores,  ao lado dos pixels já existentes.

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(Rodrigo Damati/Superinteressante)

3 Novo problema  Acontece que, na era 8K, só isso não é o suficiente – pois o upscaling necessário é gigantesco. Quando você assiste a um vídeo Full HD (1080) numa TV 8K, por exemplo, ela precisa inventar conteúdo para preencher 94% dos pixels – e fazer isso 30 vezes por segundo. O método tradicional, de aproximação, não dá bons resultados (a imagem poderia ficar distorcida, borrada ou com ruído).

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(Rodrigo Damati/Superinteressante)

4 Nova solução  As TVs 8K possuem uma biblioteca com milhões de imagens (pessoas, objetos, alimentos, veículos etc). Usam inteligência artificial para identificar os elementos do vídeo que você está vendo, consultam a biblioteca – e, a partir daí, aplicam regras para melhorar o upscaling. Quando a TV identifica uma maçã, por exemplo, já sabe que ela é vermelha e redonda – e usa essas informações para gerar um resultado mais natural.

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E o primeiro teste em Full HD, com uma gravação do jogo São Paulo x Flamengo, é desalentador.

A imagem fica bem ruinzinha, com distorções evidentes (as silhuetas dos jogadores ficam borradas). A culpa é das câmeras da Globo, não da TV 8K – mas o tamanho da tela, e a tarefa hercúlea que o upscaler precisa desempenhar, pioram o problema. Com uma corrida de Fórmula 1, o resultado é um pouco melhor, mas ainda aquém do ideal: a imagem tem granulações e pequenas distorções, que parecem “sujeira” nos carros (e não aparecem em telas 4K). A TV se recupera no Jornal Nacional: Bonner e Renata ganham definição incrível. Mas Maju, a apresentadora do tempo, fica um pouco distorcida. Como as câmeras a enquadram mais de longe, seu rosto é capturado em poucos pixels, e o upscaler da televisão se atrapalha: quando Maju mexe a cabeça, seus olhos e boca vibram e dão pequenos saltos.

Conclusões: a TV 8K é espetacular com vídeos 8K, razoável com gravações 4K, e tem lá seus problemas com imagens em 1080i/p – que, hoje, são a maioria. É um efeito colateral inevitável do aumento de resolução. Lembra quando você comprou sua primeira televisão Full HD, mas a maioria dos canais de TV ainda não transmitia nesse padrão? A imagem ficava sofrível. Foi necessário esperar até que o mundo migrasse para o novo formato; e a mesma coisa valerá para a era 8K. O PlayStation 5 e o próximo Xbox, que serão lançados ano que vem, vão rodar nessa resolução. E a NHK vai passar as Olimpíadas de 2020 em 8K, mas só no Japão. Por enquanto, é isso.

A televisão 8K é incrível. Mas, enquanto não houver conteúdo nesse formato, não haverá grandes motivos para comprar uma. E, se ninguém comprar uma, os produtores de conteúdo não vão abraçar o novo padrão (pois ele requer investimento). É um ciclo difícil, mas não impossível, de romper. Já aconteceu antes, e pode acontecer agora. Em nome dos jacarés e dos huskies, tomara que sim.

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