Entenda por que roedores são os principais modelos para a pesquisa científica – e por que usá-los nem sempre é a melhor opção.
Texto: Guilherme Eler | Ilustração: Felipe Del Rio | Design: Maria Pace | Edição: Alexandre Versignassi
ALUGA-Se kitnet na zona oeste de São Paulo. Meio metro quadrado. Individual ou compartilhada por até cinco. Ar-condicionado, limpeza semanal. Alimentação e água inclusas. Preço: dar a vida à ciência. A saga de um rato ou camundongo usado em pesquisas científicas começa mais ou menos assim, em apartamentos minúsculos. Na verdade, cubículos que mais lembram uma caixa organizadora – dessas que você usa para guardar pastas e documentos. Até três semanas após nascerem, os filhotes ficam na presença de suas mães. Depois de desmamados, ganham acomodações próprias em salas climatizadas dos biotérios, ou berçários de cobaias. É nesses locais que eles passarão pelo menos o próximo mês – até serem arrematados para servir a algum experimento.
A rotina do biotério da Faculdade de Medicina da USP, que vende cerca de 15 mil roedores por ano, tem rigor semelhante ao de um laboratório. Só técnicos autorizados têm aval para usar sua impressão digital e liberar as portas que dão acesso às vilas de roedores – prateleiras onde suas gaiolas, chamadas no jargão científico de microisoladores, ficam empilhadas.
A temperatura das salas fica sempre por volta dos 25º C, e a luz que predomina é artificial. Todo dia, pontualmente às 18h, um sensor faz as lâmpadas apagarem. Ratos têm ritmo circadiano diferente do nosso: seu relógio biológico diz que o dia é hora de dormir e a noite, o momento ideal para fazer suas atividades – leia-se explorar os cantos da gaiola, beber água e comer ração. Os inquilinos, aliás, só conseguem acessar o bebedouro e o vão onde a comida é depositada ficando de pé ou escalando a grade de seus apartamentos transparentes – uma tática para tirá-los do sedentarismo completo.
Cada parte das instalações de um biotério é pensada para frustrar microrganismos intrusos que queiram ter contato com as futuras cobaias. Os turnos de funcionários não começam antes que tomem uma ducha e se paramentem com uma roupa que cobre o corpo todo, além de luvas e botas especiais. Graças a diferenças de pressão entre as salas e corredores, o ar contaminado, vindo de fora, nunca entra em áreas consideradas “limpas”. É como acontece em laboratórios que trabalham com vírus ultraperigosos.
Cada caixinha tem sua unidade própria de ventilação. Um sistema capta o ar, purifica e repassa para o interior de cada um dos microisoladores. O ar com excesso de CO2, produto da respiração, ou de amônia, que sai da urina, depois, é mandado embora das redomas por um sofisticado sistema de exaustão. Tudo isso garante que ratos e camundongos sejam tão limpos quanto possível.
E é ideal que sejam exatamente assim. Afinal, para acompanhar os efeitos de uma determinada doença no corpo ou o comportamento de um novo medicamento, cobaias devem ser feito folhas em branco, sem nenhum outro problema de saúde ou condição exótica que possa se meter no caminho da ciência. A rigor, ratos de uma mesma linhagem devem ser indivíduos milimetricamente iguais.
Camundongos (Mus musculus) medem até 10 cm e pesam 20 g. Já ratos (Rattus norvegicus) são mais corpulentos, com 25 cm de tamanho e ao menos 300 g. Na natureza, o primeiro serve de jantar ao segundo.
A variedade mais requisitada é o C57Bl/6. Trata-se de um camundongo preto versátil, usado em diferentes tipos de testes. A vice-liderança fica com o Balb/C, o clássico camundongo albino. Só no biotério da Faculdade de Medicina da USP, são cerca de 60 tipos – ou linhagens – diferentes. Existem algumas centenas pelo mundo.
A criação de um camundongo custa, em média, R$ 42 – e eles são vendidos com entre seis e oito semanas de vida, quase a preço de custo. Não se trata de um negócio lucrativo. E nem é para ser. Tudo porque a gigantesca maioria da produção vai para abastecer atividades de pesquisa e ensino em universidades e institutos científicos, que concentram o uso de ratos no País. No Brasil, ainda não existe uma demanda tão significativa por pesquisa em indústrias, como acontece nos Estados Unidos e na China – onde existe um mercado milionário de biotérios particulares.
Estima-se que o mercado mundial de ratos de laboratório movimentará US$ 1.59 bilhão por ano até 2022.