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Ale e Lager: os dois grupos que dão origem a quase todos os tipos de cerveja

A diferença entre um e outro está no processo de fermentação - e, no Brasil, envolve uma confusão linguística. Entenda.

Texto: Marcos Nogueira | Edição de Arte: Jorge Oliveira |
Design: Andy Faria | Imagens: Tomás Arthuzzi

– Garçom, como é esta cerveja?
– É belga.
– Que mais?
– É de alta fermentação.
– Ah. Muito cara, né? Tem pilsen?

O diálogo acima, que retrata o total desentendimento entre um cliente e o funcionário de um bar, exemplifica uma situação irritante, frustrante e frequente. As expressões “alta fermentação” e “baixa fermentação” mais atrapalham do que ajudam quando um garçom maltreinado as tira da manga para descrever uma cerveja.

Ambas são termos técnicos que estampam, por determinação legal, os rótulos de quase todas as cervejas vendidas no Brasil. Por isso mesmo, figuram no vocabulário de trabalhadores que não conhecem o produto que devem vender. É um ruído de comunicação e um enorme desserviço: “alta fermentação” pode levar o comprador a pensar que a cerveja em questão fermentou mais e é, portanto, mais alcoólica.

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As cervejas de alta fermentação também são conhecidas como ale; quando a fermentação é baixa, trata-se de uma lager. A confusão linguística decorre de uma tradução capenga. Em inglês, as ale são cervejas alternativamente chamadas de top fermented – de fermentação de topo –; as lager, bottom fermented – de fermentação de fundo. Em uma, as leveduras são flutuantes; na outra, depositam-se sob o líquido.

Ale e lager são os dois grandes grupos que reúnem quase todos os estilos de cerveja – como você pode ver nos infográficos desta reportagem. São dois métodos distintos de preparar cerveja, com duas técnicas de fermentação que se valem de dois tipos de micro-organismos. As bebidas resultantes guardam características químicas e sensoriais típicas do processo empregado. Esse é o fundamento para se entender a classificação das cervejas por estilo – a altura do tanque em que o fermento atua é só um detalhe que precisou ser explicado para dissipar conceitos errôneos.

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No início havia a água, o malte e o lúpulo. Ou assim pensava o homem, que ignorava completamente as transformações engendradas pelas leveduras, criaturas pequenas demais para a observação a olho nu. Antes da microbiologia, que começou a ganhar relevância apenas no século 18, a cerveja – e também o pão, o vinho, o queijo, o iogurte e a decomposição de toda matéria orgânica – era o resultado de algum evento misterioso relacionado com a vontade divina ou a ordem natural das coisas.

As primeiras cervejas provavelmente se assemelhavam à lambic, categoria de cerveja ainda relativamente popular na Bélgica. Uma lambic se faz com leveduras selvagens. Ou seja: com micro-organismos presentes no ar, no equipamento, na matéria-prima. Fermentadas em tanques abertos, essas cervejas sofrem tanto a ação de fungos (indispensáveis para a conversão do açúcar em álcool) quanto de bactérias (responsáveis por seu característico sabor ácido).

A experiência empírica fez com que os cervejeiros, mesmo sem conhecimento científico, domassem os tais bichinhos selvagens. A seleção artificial resultou na predominância de uma espécie de fungo: o Saccharomyces cerevisae. Ele compõe a levedura do tipo ale – e é também o fermento usado para fazer pães.

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A levedura ale suporta temperaturas mais ou menos altas, até cerca de 25 ºC. Essa resistência ao calor foi um trunfo evolutivo para o simplório organismo numa época em que controlar a temperatura ambiente sequer passava pela cabeça das pessoas. No verão, a levedura acelerava seu metabolismo. Tamanha atividade não aumenta a geração de álcool – seu teor depende da concentração de açúcar, não da rapidez da fermentação –, porém cria uma porção de subprodutos químicos. No que cabe à produção cervejeira, os mais importantes são os ésteres aromáticos.

Os ésteres são compostos químicos orgânicos que definem o perfil de muitas cervejas da família ale. Deles emanam os aromas exuberantes de frutas e especiarias que perfumam boa parte dos estilos belgas. Também é em razão dos ésteres que a weizenbier, a cerveja de trigo alemã, rescende a cravo e a banana.

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Foi na Alemanha que a fermentação do tipo lager surgiu, como uma espécie de dissidência da ale. Os germânicos, desde sempre preocupados com ordem e padrão, perceberam que depósitos subterrâneos – em particular aqueles escavados nas encostas de colinas – apresentam uma variação muito pequena de temperatura no decorrer do ano.

A cerveja armazenada nessas caves – lager, em alemão, significa estoque – permaneciam entre 5 ºC e 15 ºC no inverno e no verão. Mais uma vez, os mestres-cervejeiros trabalharam pelo interesse de um reles bolor: deram preferência às leveduras que se adaptaram melhor a esses condições e mudaram substancialmente o perfil dessa população de micróbios. Até hoje não há consenso na comunidade científica sobre o fermento lager: ele pode ser uma espécie à parte ou uma cepa muito particular do S. cerevisae.

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A levedura lager é, por dizer assim, mais tranquila do que a ale. Seu metabolismo é mais lento e a produção de ésteres aromáticos não atinge um patamar que os deixe perceptíveis na cerveja. Assim, na maioria das cervejas alemãs preponderam os sabores pouco alterados do malte e do lúpulo.

Só que nem sempre uma ale tem cheiro de banana e uma lager tem gosto de pão, café ou seja lá o que for. As ale britânicas, por exemplo, costumam apresentar concentração baixa de substâncias aromáticas decorrentes da fermentação. O que é ale pode parecer lager e vice-versa. Depende da cepa da levedura, do método de produção, de minúcias da receita da cerveja.

Para conhecer e entender as peculiaridades de cada estilo cervejeiro, é preciso experiência. E experiência se traduz em provar e analisar muitas cervejas, o que dá um belo trabalho. Mas dá para pensar em centenas de trabalhos bem piores que esse.

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