O imperador da Macedônia espalhou a cultura helenística por três continentes após uma série lendária de conquistas – comemoradas com muita bebedeira.
Texto: Agência Fronteira | Edição de Arte: Juliana Vidigal | Design: Andy Faria | Ilustrações: Caco Neves
Quando seu pai foi assassinado, Alexandre era um jovem de 20 anos. O novo rei da Macedônia recebeu de herança um verdadeiro império. Filipe 2º, o pai dele, havia unido as principais cidades gregas sob a tutela da Liga de Corinto (exceto a rebelde Esparta) e controlado a região. Os macedônios, concentrados no norte do Egeu, eram vistos como bárbaros pelos primos das ilhas e penínsulas, mas eram organizados e ferozes no campo de batalha e na política. Filipe 2º foi um estadista raro.
Mas Alexandre estava preparado. Aos 14 anos, começou a ter aulas com Aristóteles – sim, aquele Aristóteles. Na época, 342 a.C., seu pai dividia a atenção entre a família e os desafios do cargo, e decidiu dar ao filho a melhor educação possível naquele – e em qualquer – tempo. O filósofo era seu tutor, e o príncipe da Macedônia se provou um bom aluno. Alexandre estava interessado nas lições de biologia, matemática e física de Aristóteles, que, entre outros avanços intelectuais, inventara a separação das ciências em áreas de especialidade. Mas, para se provar um herdeiro à altura, o jovem não podia ficar apenas ouvindo as palavras sábias do tutor. Ele teve de subir em um cavalo e partir para o campo de batalha.
Em 338 a.C., o príncipe, já com 18 anos, liderou a cavalaria macedônica contra as tropas de Atenas e Tebas, cidades que haviam se rebelado contra a centralização dos planos imperiais de Filipe. O exército da Macedônia se saiu vitorioso na Batalha de Queroneia, quando Alexandre teria se mostrado um combatente corajoso e ganhado a admiração dos seus soldados. Dois anos depois, com o império consolidado sobre o mundo grego, Filipe foi morto, e o filho assumiu.
No início do reinado, Alexandre teve de conter a oposição com braço forte. Mandou arrasar Tebas. Seus habitantes foram escravizados ou mortos, e os muros da cidade, demolidos – apenas os templos foram poupados. O jovem imperador sufocou outras intrigas e adversários (matou um meio-irmão e dois primos) e se viu livre para ir adiante com os planos inacabados do pai.
O principal deles era ambicioso: invadir o Império Persa na tentativa de pôr fim a uma rivalidade que, segundo a história difundida pela Ilíada, havia começado com a mitológica Guerra de Troia. O novo imperador podia ser jovem, mas se sentia apto a liderar campanhas épicas. Desde cedo, sua mãe dizia que ele era descendente direto do mitológico Aquiles, o mesmo da Ilíada – o que não era pouca coisa numa época em que os heróis homéricos eram os grandes ídolos.
Alexandre montou no seu cavalo, o lendário Bucéfalo (domado por ele próprio quando era adolescente), e partiu contra os persas na companhia de 40 mil soldados. Em 334 a.C., obteve a primeira vitória em uma batalha próxima ao Rio Grânico, a menos de 200 km do sítio arqueológico de Troia. Avançou pela costa do Mediterrâneo, na Ásia Menor, e sufocou tentativas de contra-ataque marítimo de Dario 3º, o rei da Pérsia. No golfo de İskenderun, atual fronteira entre a Turquia e noroeste da Síria, derrotou Dario mais uma vez. O rei persa fugiu, Alexandre capturou sua mãe, esposa e filho – mas protegeu a família do adversário.
O domínio da Pérsia
Foi uma longa campanha. Em 332 a.C., Alexandre foi até o Egito, onde foi recebido como libertador do domínio persa. Apesar do passeio pela África, não tinha desviado do seu objetivo: conquistar o império de Dario. O monarca asiático chegou a oferecer um tratado de paz, estabelecendo fronteiras na altura do rio Eufrates. Mas Alexandre não aceitou, e gregos e persas voltaram a se enfrentar no ano seguinte, em 331 a.C., em Gaugamela, próximo à cidade de Mosul, no atual Iraque. Embora o adversário estivesse em maior número, Alexandre venceu, e Dario fugiu mais uma vez.
O imperador da Macedônia pôde, enfim, sentar no trono na cidade de Susa, uma das capitais dos rivais. Alexandre tinha apenas 25 anos, comandava um território que se alastrava pela Europa, África e Ásia e havia realizado aquele que foi o sonho de Atenas e Esparta durante pelo menos seis séculos: derrotar o Império Persa. Mas ele bebia. E muito. Assim como seu pai, venerava Dionísio, o deus grego dos prazeres, em festas que podiam durar até três dias. Quando marchou triunfante em Persépolis, a principal cidade persa, patrocinou uma grande celebração regada a vinho. Durante a orgia, uma cortesã teria convencido Alexandre a incendiar os palácios da cidade. O imperador deu a ordem, mas acabou se arrependendo e mandou apagar o fogo. O estrago, no entanto, estava feito.
Em 330 a.C., Alexandre seguiu a campanha para assegurar o comando das terras persas. Quando se aproximava da região de Báctria, na Ásia central, acreditava estar no encalço de Dario, mas o rei persa havia sido morto por Bessos, o governador local – cargo conhecido como “sátrapa” na Pérsia. Alexandre não gostou da traição contra o monarca e caçou Bessos, que foi condenado e morto pelos gregos. Dario ganhou um enterro com honras em Persépolis. Esses gestos generosos faziam parte da estratégia do novo imperador local de ganhar a simpatia dos conquistados. O jovem macedônico era carismático e já tinha cooptado o coração dos próprios soldados com seus atos de bravura no campo de batalha. Ele queria usar sua personalidade magnética para unificar o imenso território, permeado por culturas muito diferentes.
Mas não era apenas populismo barato: Alexandre parecia realmente encantado com a tradição persa. Em 327 a.C., enquanto ainda travava batalhas para assegurar o controle das regiões de Báctria e Sogdiana, se apaixonou por Roxana, a filha de Oxiartes, um nobre aliado de Bessos. O matrimônio entre o imperador grego e a nobre persa selou não apenas o amor entre os dois, mas também a política externa de Alexandre. Em vez de impor a cultura grega, o imperador percebeu que tinha mais a ganhar com a troca entre Oriente e Ocidente. Por isso, tinha de valorizar os persas e egípcios. Seu sogro, que era um opositor da invasão helênica, foi transformado em aliado. Alexandre incluiu outros persas em seu séquito, adotou costumes e roupas orientais, estimulou casamento de oficiais gregos com mulheres locais e ofereceu emprego a antigos funcionários de Dario.
Quando a notícia dos agrados aos persas chegou à Grécia, Alexandre sofreu uma ciumenta oposição dentro de casa. Parte da insatisfação vinha de gestos simbólicos, como a adoção do proskynesis, hábito persa de se curvar frente ao soberano. Para os helenos, era reverência demais. Durante uma festa de casamento na cidade de Samarcanda, Alexandre teve uma discussão com Clito, um amigo leal, que teria expressado sua insatisfação com o encantamento do imperador com a cultura oriental. O monarca pegou uma lança de um guarda e matou o companheiro. Seria apenas mais um ato intempestivo de um Alexandre embriagado, não fosse a história dos dois: anos antes, Clito havia salvo a vida do general no campo de batalha. Alexandre se arrependeu do assassinato. Mas aquele não foi seu único percalço.
Em 327 a.C., convocou suas tropas e voltou a marchar rumo ao Oriente. Chegou às margens do rio Hífaso, na Índia, mas suas tropas cansaram. Os soldados estavam receosos sobre o que encontrariam dali em diante, que era o limite do Universo conhecido pelos gregos. Haviam ouvido rumores sobre o poder mortal dos hindus. O exército acompanhava Alexandre havia oito anos naquela que foi uma das mais bem-sucedidas campanhas militares da história – não perderam nenhuma batalha. Mas, naquele momento, os homens queriam voltar para casa. O imperador ficou furioso e tentou convencê-los por dois dias, mas a greve prosperou. Alexandre cedeu e deu meia volta, sem conseguir conquistar o extremo Oriente. No caminho, enfrentou revoltas populares, foi ferido e passou pelo forno do deserto de Gedrósia, onde perdeu mais de 70% dos homens. Tentou unir soldados persas e macedônios, mas os conterrâneos não queriam conviver com os bárbaros orientais. Sofreu com novos motins.
Àquela altura, a casa do monarca não era mais a Grécia. Em 323 a.C., ele se estabeleceu na cidade de Babilônia, a cerca de 100 km de onde hoje fica Bagdá. E ficou por lá. Depois de anos consecutivos em guerra, Alexandre precisava agora administrar o enorme império, mas sem o mesmo talento do campo de batalha. As províncias se autogovernavam. Para passar o tempo, o imperador dava banquetes onde convivas morriam de tanto beber, segundo o relato de historiadores. Além dos abusos do vinho, ele tinha delírios de grandeza e queria ser reverenciado como um deus. O corpo não aguentou: um dos maiores generais da história morreu em 13 de junho de 323 a.C.
Talvez Alexandre tenha conquistado todo esse território apenas em nome da glória, a exemplo do ideal heroico de Homero. Seja como for, seu império espalhou a cultura helena por um vasto território. O grego se tornou uma língua falada muito além das bordas do Mediterrâneo e do Egeu, e os contatos entre povos estabeleceu novas rotas comerciais entre asiáticos, árabes, africanos e europeus. O mundo ficou mais conectado. Depois de Alexandre, mais pessoas compartilhavam os mesmos mitos, heróis e hábitos. O macedônio pavimentou a ponte terrestre e marítima que viria a receber a Rota da Seda séculos depois, a intricada malha comercial entre a China e a Europa. Uma conexão que redefiniu o mundo.