Texto Júlia Pellizon | Foto Tomás Arthuzzi | Ilustração Marcos de Lima | Arte Bruna Sanches | Edição Ana Carolina Leonardi
Aos 64 anos, João começou a ter pequenas cismas insistentes. A princípio, a família não suspeitou que fosse grave. Leitor ávido de ufologia, espiritualidade e teorias da conspiração, questionar a natureza da realidade era quase um hobby para ele.
Até que parou de ser. As filhas notaram que algo estava errado quando aqueles interesses peculiares se transformaram em hábitos assustados, paranoias persistentes. O celular e a internet viraram vilões: “ele tinha convicção de que estava sendo hackeado”, conta a filha de 35 anos. “Por menos sentido que fizesse, a fantasia era tão intensa que cheguei a me perguntar se poderia ser verdade.” Logo ficou claro, porém, que a cisma era sintoma, e que João precisava de tratamento.
O delírio persecutório é uma das características mais marcantes dos transtornos psicóticos. O paciente passa a crer que é vítima de uma grande emboscada – cujos responsáveis podem ser desde os vizinhos até a Nasa. Nenhum tipo de prova convence o psicótico do contrário. A realidade paralela é a autoridade máxima na mente do paciente durante a crise.
A Organização Pan-Americana de Saúde estima que 23 milhões de pessoas ao redor do mundo sofram com transtornos psicóticos, termo que se refere a um conjunto bastante diverso de diagnósticos. O mais famoso é também o mais comum: a esquizofrenia. Mas outras doenças – como a depressão, o transtorno bipolar e o transtorno de personalidade limítrofe (ou borderline) – também podem apresentar a psicose como sintoma.
Durante o século 20, a psicose era dividida em dois grupos: a orgânica e a funcional. No primeiro, estavam os pacientes cujos sintomas de delírio e alucinação eram consequência direta de alguma outra doença – um tumor no cérebro, por exemplo. Já a psicose funcional era uma questão exclusiva da mente.
Essa distinção, claro, acabou caducando. Hoje, é óbvio para os cientistas que a biologia nunca esteve ausente nas psicoses ditas funcionais – hoje chamadas de psicoses primárias. A hereditariedade é um fator de risco importantíssimo na esquizofrenia, bem como em várias doenças mentais, e os sintomas de delírio e alucinação não têm como nascer de outro lugar que não o cérebro. Ainda assim, a divisão cérebro versus mente marcou toda a história da psicose.