A ciência produzida pelo programa antártico nacional vai além da recém-inaugurada Estação Comandante Ferraz. Entenda as perguntas que cientistas brasileiros tentam responder – e a importância de se fazer pesquisa na Antártida.
Texto: Guilherme Eler | Design: Lucas Jatobá | Edição: Alexandre Versignassi | Foto: Estúdio 41 Arquitetura
O continente gelado nunca esteve tão quente. Pode parecer algo estranho de se dizer sobre a Antártida, já que, por lá, os termômetros ficam no negativo a maior parte do tempo. Mas dados recentes confirmam: em fevereiro de 2020 a temperatura na Ilha Seymour, na Península Antártica, superou os 20 ºC – atingindo 20,75 ºC – pela primeira vez na história.
A descoberta tem assinatura brasileira: o grupo que registrou a alta inédita foi o Terrantar, projeto nacional que mantém 26 pontos de pesquisa climática espalhados pela Antártida. Na estação da Ilha Seymour, os equipamentos de medição são movidos a energia solar e trabalham de forma 100% autônoma. Isso permite transmitir os dados via satélite (e em tempo real) para pesquisadores que estão no Brasil.
Parte importante da ciência glacial brasileira – principalmente os estudos sobre o clima e os efeitos do aquecimento global – é feita dessa maneira. Cientistas que participam desses projetos só visitam a Antártida para fazer manutenção e calibrar instrumentos, que funcionam sem pausas captando informações sobre o ambiente. A maior parcela dos trabalhos de campo, porém, ainda exige que os pesquisadores passem dias a fio no gelo para recolher novas amostras por conta própria.
Hoje, a Operação Antártica nacional envolve 23 projetos de campo e 250 pesquisadores. Dezenas deles viajam para a Antártida todos os anos. Em termos de temperatura, o cenário menos gelado para uma visita fica na Ilha Rei George, também localizada na Península Antártica. É lá que está a Estação Comandante Ferraz – base científica que se encontra 850 km a sul do Cabo Horn, o ponto mais austral da África do Sul.
18 milhões: é o investimento federal nas pesquisas antárticas para o período entre 2019 e 2022.
Entre os meses de novembro e março, no chamado verão antártico, a temperatura da região oscila entre os 5 graus positivos e os 5 graus negativos. É nessa janela do ano que as viagens precisam acontecer. Tudo porque as temperaturas da Ilha Rei George despencam a – 20 ºC no inverno e um cinturão de gelo de 1.000 km de extensão se forma na costa, dificultando a navegação.
Além de uma estrutura mais robusta para enfrentar temperaturas de gelar a espinha, quem pesquisa ali tem a comodidade de fazer ciência em instalações novas em folha. A estação brasileira na Antártida foi reinaugurada em janeiro de 2020, após três anos de construção. Feita por uma empresa chinesa, ela ocupa uma área de 4,5 mil metros quadrados, tem 17 laboratórios – com espaço para abrigar até 65 pessoas. Sua estrutura foi projetada para suportar ventos de até 200 km/h e não sofrer com o acúmulo de neve. O custo? US$ 99,6 milhões, bancados pelo governo brasileiro.
A nova Comandante Ferraz chega para substituir a versão anterior, que funcionava no local desde 1984, mas que em 2012 teve 70% das instalações consumidas por um incêndio. O fogo, que matou dois militares de plantão, foi fruto de um vazamento acidental de combustível.
Além de abrigar os cientistas, a estação é o local onde a análise do material coletado nas visitas a campo começa. As pesquisas nos laboratórios da base se concentram na área de ciências biológicas. Aproveitando a estrutura recém-instalada, a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) inaugurou em 2020 um laboratório ali, dedicado ao estudo de bactérias e vírus que só existem na Antártida. A ideia é, a partir deles, desenvolver medicamentos e mapear o surgimento de novas doenças.
A pesquisa com musgos antárticos também vem ganhando destaque. Essas plantas, de acordo com os cientistas, podem esconder substâncias com potencial para tratar câncer e doenças causadas por micróbios, por exemplo. Outro foco atual é entender o quão viável é usar musgos para a produção da L-Asparaginase, molécula usada no tratamento de um tipo de leucemia.
Até 50 dias: é o tempo que cientistas costumam passar na Antártida.
Apesar da variedade, só 25% das pesquisas nacionais acontecem na estação recém-inaugurada. O restante do trabalho é feito a bordo do Navio Polar Almirante Maximiano, nos módulos automatizados ou, ainda, em acampamentos no meio do gelo. E é nesses locais que o frio – e o clima antártico – costumam castigar de verdade.
Cientistas costumam viajar para a Antártida no verão – entre novembro e março. Quando não ficam acampados, eles têm três destinos principais.
1 – Estação Comandante Ferraz
Serve como local de triagem e preparação do material coletado em campo. Depois dessa análise preliminar, amostras são levadas para as universidades e centros de pesquisa no Brasil. É neles que os projetos são desenvolvidos ao longo do ano.
2 – Módulos Automatizados
É o caso do Criosfera 1, que você vê na foto ao lado. Ele conta com equipamentos capazes de perfurar o solo congelado e acessar informações sobre como era a atmosfera da Terra há milhares de anos. Autossustentável, a estação funciona a partir de energia solar e envia informações via satélite, e em tempo real, para o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
3 – Navio Almirante Maximiano
Foi comprado em 2009 por R$ 71 milhões. Conta com cinco laboratórios e pode transportar até 113 pessoas. Além de fazer o traslado de cientistas, possui ultrafreezers que conservam amostras biológicas a -80 ºC.