A incrível história dos inventores que, depois de séculos de sonhos, em apenas uma década, converteram o avião de conceito cientificamente impossível a realidade prática.
Texto: Salvador Nogueira | Design: Andy Faria
A humanidade sonha com a possibilidade de voar desde que pela primeira vez viu uma ave a singrar o céu. Está aí o mito grego antigo de Dédalo e Ícaro que não nos deixa mentir. Mas torná-lo realidade não foi fácil e passou primeiro pelos balões, antes de finalmente chegar à sua expressão consagrada, na forma do avião.
O sonho começou a avançar concretamente em 1709, quando o padre Bartolomeu de Gusmão, brasileiro nascido em Santos, demonstrou à corte portuguesa o primeiro balão de ar quente. A tecnologia só seria levada a um estágio prático pelos irmãos Montgolfier, na França, que em 1783 fizeram o primeiro voo tripulado num veículo mais leve que o ar.
Foi também num balão que o jovem Alberto Santos-Dumont, filho de uma abastada família de cafeicultores, realizou seu sonho de voar. Em 1898, ele saiu da experiência com duas impressões: o encantamento de flutuar pelo ar e a frustração de não poder controlar a direção do balão, voando ao sabor dos ventos. Em nenhum momento, contudo, lhe ocorreu pensar no voo de um aparelho mais pesado que o ar. Aliás, a sabedoria científica do fim do século 19 julgava tal aparelho impossível. Lorde Kelvin, pai da termodinâmica e um dos físicos mais prestigiados da época, proclamou: “Eu afirmo categoricamente que máquinas voadoras mais pesadas que o ar são impossíveis.”
Felizmente, já naqueles tempos, havia quem pensasse diferente. Um dos mais importantes pioneiros foi o alemão Otto Lilienthal, que realizou diversos experimentos bem-sucedidos com planadores, entre 1891 e 1896. Infelizmente, sua carreira terminou em catástrofe em 9 de agosto daquele ano, quando em um de seus voos o planador perdeu sustentação (fenômeno conhecido como “estol” no jargão aeronáutico) e Lilienthal despencou para o chão. Quebrou o pescoço e morreu no dia seguinte.
Seu legado, contudo, permaneceu. E no começo do século 20 dois irmãos construtores de bicicletas em Dayton, nos Estados Unidos, se propuseram a continuar os experimentos com planadores: seus nomes eram Wilbur e Orville Wright. Ambos consideravam o elemento mais importante de um voo bem-sucedido o controle absoluto sobre a máquina, nos três eixos possíveis. Era preciso, portanto, ter lemes para movê-la para cima/baixo e para esquerda/direita. Até aí, óbvio. Mas os Wright consideravam essencial também ter a capacidade de girar o veículo sobre seu próprio eixo – como, aliás, fazem as aves quando vão executar uma curva no ar. Para obter esse controle de rolamento, eles desenvolveram uma técnica conhecida como torção de asa (“wing warping”) e a patentearam assim que verificaram, com pipas, que funcionava.
Enquanto isso, Santos-Dumont virava um dos maiores popstars de seu tempo, ao desenvolver os meios para dar dirigibilidade aos balões. Quando seu dirigível No 6 contornou a Torre Eiffel em 1901, ele se tornou uma celebridade mundial. Mas seguia sem cogitar veículos mais pesados que o ar. Os Wright, em contrapartida, não pensavam em outra coisa. Em 1903, colocaram um motor em seu aeroplano, o Flyer, e no dia 17 de dezembro fizeram sua primeira decolagem bem-sucedida, sob os fortes ventos da praia de Kitty Hawk, na Carolina do Norte. O jornal Dayton Daily News, da cidade natal dos aeronautas, publicou no dia seguinte: “Rapazes de Dayton emulam o grande Santos-Dumont”.
Apesar da referência, o trabalho dos Wright era bem diferente – e de natureza secreta. Os irmãos não queriam revelar detalhes de seus experimentos, pois tinham a intenção de comercializar seus aviões para algum governo – preferencialmente, mas não necessariamente, o dos Estados Unidos. Seguiram aperfeiçoando o invento e, em 1905, seu avião já conseguia realizar voos sustentados de 39 km, com total controle de direção e altura. Mas era lançado por uma catapulta, para não depender de ventos para voar.
Quando rumores dessas proezas chegaram à Europa, diversos aeronautas locais se puseram a tentar reproduzi-las. Entre eles estava Santos-Dumont, que em 12 de novembro de 1906 realizou o primeiro voo público de uma máquina mais pesada que o ar, com o seu 14-bis. Ao atravessar 220 metros sem tocar o chão, por sobre o campo de Bagatelle, na França, ele estabeleceu o primeiro recorde oficial da aviação.
Outros aviadores europeus, como Louis Blériot, Henry Farman e Gabriel Voisin, foram obtendo sucessos, e os Wright corriam o risco de ficar para trás, embora tivessem saído à frente. Os motores superiores fabricados na Europa e a polinização cruzada dos experimentos públicos realizados por lá ajudavam a explicar a situação. Graças a colaborações de todos esses inventores, estava nascendo o avião moderno.
Em 1908, Wilbur Wright finalmente concorda em levar seu Flyer à Europa para demonstrações. Realizando voos soberbos descrevendo oitos no céu, ele é proclamado como o rei da aviação. Em compensação, seu irmão Orville teve a duvidosa honraria de participar do primeiro acidente com perda de vida da história dos aviões. Ao realizar uma demonstração para o Exército americano no Fort Myer, ele levou como passageiro o tenente Thomas Selfridge. Mas uma das hélices se partiu e o avião foi ao chão. O militar morreu. Orville quebrou uma perna e algumas costelas, mas se recuperou após sete semanas no hospital.
Apesar disso, o avião já era uma realidade definitiva. Em 1909, Santos-Dumont realizava seus voos mais expressivos com o pequeno Demoiselle, o precursor direto dos ultraleves modernos. Ele já tinha os lemes na porção traseira da aeronave, diferentemente do 14-bis e dos aviões dos Wright, e mantinha a tradição de um trem de pouso com rodas. Naquele mesmo ano, Louis Blériot faria a travessia do Canal da Mancha de avião – uma demonstração poderosa das capacidades do novo invento – e, em 1910, os Wright incorporariam as inovações europeias ao seu Flyer Model B, que se tornaria o primeiro avião dos irmãos a ser amplamente fabricado e vendido. Em paralelo, eles conduziam processos judiciais contra quem quer que usasse controle lateral num avião, alegando violação de sua patente. Àquela altura, contudo, nenhuma disputa legal seria capaz de frear o impulso da aviação. E não tardou para que as diversas nações notassem suas possíveis aplicações em conflitos bélicos.