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História

Energia Nuclear – o ínicio de tudo

As melhores mentes da época e a criação da arma mais destruidora já vista.

por Eduardo Szklarz Atualizado em 17 ago 2020, 19h01 - Publicado em 1 jan 2020 11h31

A Segunda Guerra acelerou as pesquisas sobre a estrutura dos átomos. E as melhores mentes da época usaram esses conhecimentos para criar a arma mais destruidora já vista.

Texto: Eduardo Szklarz | Edição de arte: Estúdio Nono | Design: Andy Faria


A contagem regressiva começou quando ainda estava escuro. Fumando um cigarro atrás do outro, o físico americano Robert Oppenheimer respirou fundo no bunker onde os cientistas monitoravam o primeiro teste nuclear da história.

A 9 km dali, no topo de uma torre de aço de 30 m de altura, uma bomba de plutônio estava a ponto de explodir. “A Engenhoca”, como a chamavam, era um emaranhado de fios e parafusos que destoava da árida e serena paisagem do Novo México, EUA. Oppenheimer deu mais algumas baforadas até que, naquele 16 de julho de 1945, a contagem regressiva finalmente chegou a zero.

Às 5h29min45s, um clarão iluminou as montanhas com uma energia equivalente a 20 mil toneladas de TNT. O rugido da onda de choque estremeceu o bunker e retumbou pelo deserto, onde seria sentido a 160 km de distância. O calor do ponto zero fez a torre de aço evaporar e calcinou a areia num raio de 700 metros, transformando-a num lençol de vidro. Os cientistas avistaram com terror a imensa bola de fogo no horizonte, que exalava uma nuvem em forma de cogumelo de 12 km de altura.

<strong>O pai da bomba atômica, Robert Oppenheimer, ao lado do chefe, o general Groves.</strong>
O pai da bomba atômica, Robert Oppenheimer, ao lado do chefe, o general Groves. (Bettmann/Getty Images)

Petrificado, Oppenheimer murmurou um verso do Bhagavad-Gita, texto sagrado do hinduísmo: “Transformei-me na morte. A destruidora de mundos”. Dias depois, a arma mais letal já construída seria usada contra Hiroshima e Nagasaki, no Japão, causando uma devastação sem precedentes.

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Física quântica

A “Engenhoca” não surgiu de repente. Ela foi fruto de descobertas científicas que, nos anos 1920 e 30, provaram que a bomba nuclear era possível. As primeiras pistas vieram em 1900, quando o alemão Max Planck lançou as bases da teoria quântica – que descreve fenômenos em escalas diminutas, como a atômica. Planck sugeriu que a luz emitida por materiais aquecidos podia ser medida em “pacotes de energia”. E chamou cada pacote de quantum.

Em 1905, Einstein aprimorou a teoria de Planck ao mostrar que certos materiais emitem elétrons quando atingidos por radiações eletromagnéticas (como a luz). Em 1911, o neozelandês Ernest Rutherford deu mais um passo ao provar a existência do núcleo atômico, onde os prótons (partículas positivas) são circundados pelos elétrons (negativos). E em 1913 o dinamarquês Niels Bohr juntou tudo isso num modelo ainda mais preciso, propondo que os elétrons giram ao redor do núcleo em órbitas com níveis de energia quantizados, ou seja, múltiplos de um quantum.

Daí a coisa deslanchou. Nos anos 1920, o físico Max Born transformou a Universidade de Göttingen (Alemanha) no templo da mecânica quântica, com a colaboração de cientistas europeus como Werner Heisenberg, Erwin Schrödinger e Paul Dirac. Entre eles havia também um americano: Robert Oppenheimer, aluno de doutorado de Born. Oppenheimer recebeu seu PhD com louvor em Göttingen e voltou aos EUA em 1929 para lecionar física na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Lá ele descobriu sua vocação para a liderança – e seu carisma entre os alunos.

<strong>A quinta conferência de Solvay, na Bélgica, colocou 17 prêmios Nobel para debater física quântica em 1927.</strong>
A quinta conferência de Solvay, na Bélgica, colocou 17 prêmios Nobel para debater física quântica em 1927. (Benjamin Couprie/Wikimedia Commons)
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“Oppie, como ficou conhecido, logo atingiu o status de cult”, diz o escritor Paul Strathern no livro Oppenheimer e a Bomba Atômica em 90 Minutos. “Alto e magro como um graveto, Oppie escrevia artigos com Dirac, discutia teoria quântica com Bohr, falava oito idiomas e escrevia poesia de vanguarda.” Com a ascensão do nazismo, em 1933, Oppie financiou organizações antifascistas e mergulhou na política de esquerda influenciado por uma namorada, embora não tenha se filiado ao Partido Comunista. E abriu as portas para gênios da teoria quântica que chegavam aos EUA fugindo de Hitler e Mussolini.

Entre esses gênios estavam o italiano Enrico Fermi e o húngaro Leo Szilard – que seriam fundamentais para a construção da bomba atômica. Mas ainda faltava uma descoberta para torná-la viável.

Fissão nuclear

Quando você quebra o núcleo de um átomo em duas partes, ele libera uma dose cavalar de energia. Einstein tinha previsto isso em 1905 com a fórmula E = mc2, em que E é energia, m é massa e c é a velocidade da luz. Como a luz viaja a quase 300 mil km/s, mesmo uma pequena massa contém uma quantidade de energia abismal. A hipótese de Einstein ficou no papel por quase três décadas. Em 1932, porém, o inglês James Chadwick descobriu o nêutron, a partícula neutra do núcleo atômico. E a teoria começou a virar realidade.

Em Berlim, o químico alemão Otto Hahn e sua colega austríaca Lise Meitner usaram nêutrons para bombardear átomos de urânio – o elemento mais pesado da natureza, com 92 prótons no núcleo. O objetivo era produzir elementos ainda mais pesados. Meitner teve que fugir para a Suécia em 1938 por ser judia, mas Hahn continuou a pesquisa e a manteve informada dos resultados. E veio a surpresa: ao analisar o urânio bombardeado, Hahn e o químico Fritz Strassmann encontraram partículas de bário (um elemento mais leve).

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Hahn não compreendeu o que havia acontecido, mas Meitner matou a charada: ao ser bombardeado por nêutrons, o núcleo do urânio se dividira em dois, produzindo bário e uma enorme quantidade de energia. Tal como Einstein tinha previsto. Ou seja, Hahn e Meitner haviam descoberto a “fissão nuclear” (nome dado pelo físico Otto Frisch, sobrinho de Meitner). Sem perceber, eles acabavam de abrir a porta para a bomba atômica. E o pior: graças aos artigos publicados sobre a fissão em 1939, o Terceiro Reich agora sabia como obtê-la.

Mesmo assim, o mundo científico não achava que havia motivo para alarme. Bohr, por exemplo, considerava remota a possibilidade de enriquecer urânio em larga escala. Por um motivo simples: como o U-235 (o urânio físsil) está presente em apenas 0,7% do urânio natural, seria extremamente difícil e custoso obtê-lo em quantidade suficiente para uma grande explosão. Isso porque o urânio-238, o mais comum na natureza, é estável demais para reagir. Apenas o húngaro Leo Szilard farejou o perigo iminente. “Para evitar que os alemães produzissem a bomba, Szilard propôs aos colegas em fevereiro de 1939 que mantivessem as pesquisas com o urânio em segredo”, diz o historiador dinamarquês Helge Kragh no livro Quantum Generations.

A sugestão foi recebida com ceticismo. Assim, em agosto de 1939, Szilard e Einstein escreveram uma carta secreta ao presidente Roosevelt, advertindo que “bombas extremamente poderosas de um novo tipo” poderiam ser construídas em breve. A entrega da carta foi adiada por causa do início da Segunda Guerra, em 1º de setembro. Roosevelt só a recebeu em outubro – e deu sinal verde para o ultrassecreto Projeto Manhattan. O objetivo: construir a bomba atômica americana antes que os nazistas fizessem a deles.

<strong>Eletroímã utilizado para enriquecer urânio dentro do Complexo de Segurança Nacional Y-12, em operação no Tennessee.</strong>
Eletroímã utilizado para enriquecer urânio dentro do Complexo de Segurança Nacional Y-12, em operação no Tennessee. (Leslie R. Groves/Wikimedia Commons)

A iniciativa começou timidamente. O governo dos EUA criou a Comissão Consultiva do Urânio (codinome S-1) para testar a fissão em larga escala, e destinou US$ 6 mil (cerca de US$ 100 mil atuais) para que Fermi e Szilard comprassem material físsil. O programa se expandiu após o ataque japonês a Pearl Harbor, em 1941, que marcou a entrada dos EUA na guerra. Fermi construiu então um reator nuclear numa quadra de squash na Universidade de Chicago. O risco era enorme: qualquer erro podia gerar uma grande explosão. “Felizmente para os inocentes cidadãos de Chicago, Fermi sabia o que estava fazendo. Dedos cruzados e, em 2 de dezembro de 1942, o primeiro reator nuclear do mundo produziu a primeira reação nuclear controlada e autossustentada”, diz Strathern. A partir daí, o Projeto Manhattan entrou numa nova fase.

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Os Tesseract de Hitler

A Alemanha criou cubos de urânio parecidos com os da Marvel.

No Universo Marvel, os Vingadores conseguem alterar a realidade graças ao cubo cósmico Tesseract, que contém a Joia do Espaço. Um dispositivo tão poderoso poderia causar estragos se caísse nas mãos erradas. E algo do tipo quase aconteceu na Segunda Guerra. Um artigo de cientistas da Universidade de Maryland indica que Hitler possuía 664 cubos de urânio com formato parecido ao do Tesseract, cada um com 2,2 quilos.

O físico Werner Heisenberg, que recebeu o Nobel de 1932 pela criação da mecânica quântica, tentou construir um reator com os cubos numa caverna sob um castelo em Haigerloch, no sudeste da Alemanha. Heisenberg submergiu os Tesseract num tanque de água pesada, unidos por aço entrelaçado e cercados por um anel de grafite. O aparelho foi batizado de B-VIII. Representou o auge do programa nuclear nazista, mas não foi o suficiente: o equipamento provocava fissão nuclear de forma irregular e não se mostrou capaz de manter um ciclo sustentável, que garantisse um funcionamento constante.

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Los Alamos

Em 1942, um platô isolado no meio das montanhas do Novo México despertou do silêncio para abrigar o maior grupo de cientistas já reunido. O Exército dos EUA comprou o único edifício que havia ali, a pequena escola Los Alamos, para servir como a primeira instalação do Projeto Manhattan. O local foi escolhido por Oppenheimer, alçado a diretor do programa graças às suas qualidades peculiares: ele dominava a fissão nuclear, conhecia os pesos-pesados da ciência e saberia como inspirar a tropa de pesquisadores que começava a chegar. Alguns já haviam ganhado o Nobel, como Fermi; outros o ganhariam em breve, como aconteceria com o físico Richard Feynman.

O comando do Projeto Manhattan ficou a cargo do general Leslie R. Groves, o engenheiro militar que tinha construído o Pentágono. Seus subordinados o descreviam como áspero, exigente e egoísta, mas altamente capaz. “Groves e Oppenheimer eram água e vinho. Mas, para a surpresa geral, o esbelto e brilhante físico e o corpulento e impetuoso general se deram bem desde o início”, diz Strathern. Por sua postura pacifista, Einstein não seria informado dos avanços de Los Alamos. Meitner foi convidada a participar, mas declinou: “Não tenho nada a ver com a bomba”, disse ela.

Em poucos meses, o platô se transformou numa espécie de Vale do Silício nuclear, com indústrias, laboratórios e edifícios enfileirados. Outras 30 instalações espalhadas pelos EUA ajudavam na busca pela bomba, incluindo a usina de enriquecimento de urânio Oak Ridge (Tennessee) e o complexo de produção de plutônio Hanford (Washington). O Reino Unido e o Canadá também colaboraram. No total, mais de 130 mil pessoas trabalharam no projeto. Assim, o que começou com US$ 6 mil chegaria a mais de 2 bilhões (23 bilhões em valores de hoje) no final da guerra. Uma empreitada maior do que toda a indústria automobilística dos EUA na época.

<strong>Parte dos mais de 130 mil trabalhadores envolvidos no Projeto Manhattan.</strong>
Parte dos mais de 130 mil trabalhadores envolvidos no Projeto Manhattan. (Los Alamos National Laboratory/Getty Images)
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Claro que era impossível manter tanta gente de boca fechada. Portanto, para evitar que o Japão, a Alemanha e até a então aliada URSS soubessem do segredo, só um punhado de cientistas e militares conhecia o real objetivo de tudo aquilo. Groves recebeu relatórios de inteligência alertando que Oppie era comunista, mas não deu bola. Confiava que o físico e sua equipe dariam conta dos desafios titânicos do projeto. Um deles era calcular a “massa crítica”, ou seja, a menor quantidade de urânio-235 necessária para uma reação nuclear em cadeia (que é capaz de se sustentar sozinha, gerando grande quantidade de energia). Outro era produzir o recém-descoberto plutônio-239, que também poderia ser usado. E, claro, ainda era preciso bolar um jeito de detonar a bomba.

“As bombas deviam estar prontas quando as quantidades necessárias de urânio e plutônio também estivessem prontas. Isso provavelmente lhes dava dois anos”, diz Richard Rhodes no livro The Making of the Atomic Bomb. Os cientistas primeiro inventaram um detonador do tipo “revólver”: um explosivo disparava uma bala de urânio, que viajava por um cilindro no interior da bomba até atingir o alvo, também de urânio. Com o impacto, a massa crítica era ultrapassada e a explosão nuclear acontecia. Ok, mas em qual velocidade a bala teria de ser disparada? Essa era só uma das incógnitas.

Trinity Site

Em 1943, o físico Seth Neddermeyer propôs outra solução: rodear a massa de urânio com explosivos para “implodi-la”. Isso comprimiria o urânio até que alcançasse a densidade crítica necessária para desatar a reação em cadeia. “O método da implosão era mais complexo que o da bala, mas os cientistas descobriram que era o único que poderia ser usado numa bomba de plutônio”, afirma Kragh. Isso porque o plutônio emitia grande quantidade de nêutrons “dispersos”, que poderiam provocar fissão prematura caso o método da bala fosse utilizado. Ou seja: a bomba explodiria antes do tempo, e com menos potência.

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Oppie gostou da solução de Neddermeyer, e confiou-lhe 50 homens para encontrar um jeito de iniciar uma detonação uniforme no interior da bomba. O “grupo da implosão” passou o verão de 1943 detonando canos com explosivos ao redor de Los Alamos. No início de 1944, a paisagem estava devastada, e nada da solução. Impaciente, Oppie contou com a ajuda de Bohr (que fugira da Dinamarca, ocupada pelos nazistas) e do físico alemão Klaus Fuchs, que chegara com cientistas britânicos. Mas foi graças aos cálculos do físico Richard Feynman e do matemático John von Neumann que o grupo alcançou uma detonação uniforme. A bomba de plutônio estava pronta.

O local da prova, batizado de Trinity Site, era um ponto ermo a 97 km do município de Alamogordo, no Novo México. Foi lá que a nuvem em forma de cogumelo assombrou os cientistas em 16 de julho de 1945. “O país inteiro foi iluminado por uma luz abrasadora muitas vezes mais intensa que a do Sol do meio-dia”, escreveu o general Thomas Farrell, vice-comandante do Projeto Manhattan. “Era dourada, roxa, violeta, cinza e azul.”

<strong>Cúpula de 200 metros de altura registrada 0.016 segundo depois da detonação da bomba de Trinity Site, em 16 de julho de 1945.</strong>
Cúpula de 200 metros de altura registrada 0.016 segundo depois da detonação da bomba de Trinity Site, em 16 de julho de 1945. (Berlyn Brixner/Los Alamos National Laboratory/Wikimedia Commons)
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Os EUA enfim possuíam a bomba, mas fazia sentido continuar com os testes? A Alemanha tinha se rendido em maio, Adolf Hitler estava morto. “Oppenheimer foi informado de que nada mudaria. O presidente mudara (Roosevelt morreu e foi sucedido por seu vice, Truman), o alvo mudara (tornara-se o Japão) – mas nada havia mudado”, diz Strathern.

Em 17 de julho, ao chegar à Conferência de Potsdam para decidir o futuro da Alemanha, Truman contou a Stálin que os americanos tinham o artefato. O líder soviético sorriu, pois já sabia do “segredo” graças às informações transmitidas pelo físico Klaus Fuchs, seu espião em Los Alamos. “Espero que façam um bom uso da bomba contra os japoneses”, limitou-se a dizer. Dito e feito.

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Shows atômicos em Las Vegas

Turistas pagavam ingresso para ver os testes nucleares de perto.

Em 1951, apenas seis anos após a tragédia de Hiroshima e Nagasaki, os cogumelos atômicos viraram a grande atração de Las Vegas. É que o Departamento de Energia dos EUA inaugurou a Área de Testes de Nevada a 105 km da cidade, e as pessoas descobriram que podiam acompanhar o clarão das explosões em plena noite – sobretudo do alto dos cassinos. A economia local bombou. Os turistas pagavam ingresso para ver as detonações no deserto e faziam fotos com os cogumelos ao fundo. A Câmara do Comércio publicava folhetos com os horários dos testes e os melhores pontos de observação. Os hotéis organizavam festas com baile, comida farta e “coquetéis nucleares” para se embriagar. A cidade ganhou até o concurso Miss Bomba Atômica, que inspirou uma canção do The Killers. Cem testes iluminaram o céu de Las Vegas até 1962, quando o show acabou. Quem pagou o pato foi a cidade vizinha de St. George, Utah, para onde o vento levava as partículas radioativas. Seus habitantes sofreram um aumento da incidência de câncer que durou até os anos 1980.

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Hiroshima e Nagasaki

Na manhã de 6 de agosto de 1945, um solitário bombardeiro B-29 cruzou o céu de Hiroshima, no Japão. Batizado de Enola Gay (nome da mãe do piloto, o coronel Paul Tibbets), o avião despejou a bomba de urânio Little Boy sobre a cidade. Entre 60 mil e 80 mil pessoas morreram na hora. A 3 km da explosão, o engenheiro naval Tsutomu Yamaguchi caminhava ao lado de uma plantação de batatas quando um clarão o cegou. Jogou-se no chão para se proteger, mas a terra tremeu e o arremessou para longe.

“Sentado numa poça de lama, Yamaguchi percebeu que todo um lado de seu corpo ardia de calor. A pele exposta de seu braço direito estava literalmente torrada”, diz o escritor americano Charles Pellegrino no livro O Último Trem de Hiroshima. Após os primeiros 5 segundos, a cidade tinha se transformado num lago de poeira amarelada em ebulição. O engenheiro sentiu náuseas e, ainda com dificuldade para enxergar, teve a impressão de que o lago de poeira parecia cheio de vermes – eram jatos giratórios de fumaça e fogo.

Nesse momento, o soldado Shigeru Shimoyama, que estava numa cidade vizinha, dirigiu-se ao Ponto Zero para socorrer os queimados. “A primeira vítima que ele encontrou não parecia um ser humano. Não tinha um rosto, só uma massa inchada de carvão sobre os ombros, cuja pele parecia couro de crocodilo”, diz Pellegrino. Havia várias pessoas assim: incapazes de gritar sua dor, elas balbuciavam sons parecidos com os de gafanhotos.

<strong>Os escombros de Hiroshima dias depois do primeiro ataque com bomba atômica da história.</strong>
Os escombros de Hiroshima dias depois do primeiro ataque com bomba atômica da história. (Universal History Archive/Getty Images)
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Fazia semanas que os B-29 riscavam o céu do Japão jogando bombas convencionais. Hiroshima era um dos poucos centros industriais que não tinham sido alvos. Os moradores sabiam que era questão de tempo – só não imaginavam o tipo de ataque.

Foi esse o caso da viúva Hatsuyo Nakamura. Na véspera do bombardeio, ela havia levado os três filhos para uma área segura, como de costume. Voltou para casa de madrugada e colocou os filhos para dormir, quando o rádio transmitiu um novo alarme. “Ao ver as crianças tão cansadas, e pensando no número de caminhadas inúteis que haviam feito até a zona segura nas semanas anteriores, ela decidiu não seguir as instruções do locutor”, diz o jornalista americano John Hersey no livro-reportagem Hiroshima. Nakamura ouviu um ruído ao longe e saiu da cozinha em direção ao quarto onde estavam os três filhos.

“Mal deu um passo, alguma coisa a levantou e a fez voar até o cômodo contíguo”, afirma Hersey. Quando Nakamura aterrissou, uma chuva de telhas a cobriu. Ela então escutou “Mamãe, socorro!” e viu a caçula enterrada até o peito. Acudiu a menina e respirou aliviada: os outros dois filhos também estavam a salvo. Haviam sobrevivido a apenas 1.215 metros da explosão.

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<strong>O cogumelo de Nagasaki, ícone da hecatombe nuclear.</strong>
O cogumelo de Nagasaki, ícone da hecatombe nuclear. (U.S. National Archives and Records Administration/Wikimedia Commons)

“Foi um milagre”, pensou Yamaguchi, ao se recompor na plantação de batatas. Mesmo ferido, ele regressou em 8 de agosto a Nagasaki, sua cidade natal, sem imaginar que ela seria o próximo alvo. No dia seguinte, o B-29 Bockscar, pilotado pelo major Charles Sweeney, jogou a bomba de plutônio Fat Man sobre Nagasaki, matando cerca de 40 mil pessoas. Arrasado pelos ataques nucleares e pela ofensiva soviética às suas colônias, o Japão se rendeu em setembro e a guerra acabou. O Projeto Manhattan foi desarticulado aos poucos, até encerrar as atividades em 1947.

Yamaguchi foi a única pessoa reconhecida pelo governo japonês que sobreviveu às duas bombas. Morreu em 2010, aos 93 anos. Muitos não tiveram a mesma sorte. Estima-se que 250 mil pessoas tenham perdido a vida, imediatamente ou nos anos seguintes, devido aos ataques. Sorte, na verdade, é algo relativo para quem resistiu ao inferno. Os sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki ficaram conhecidos como hibakusha (“pessoas afetadas pela explosão”). Sofreram preconceito e segregação, pois muita gente não quis se relacionar com eles para não ser “contagiada” pela radioatividade – um medo sem fundamento. O governo reconheceu 650 mil hibakusha. Em 2019, 145 mil deles ainda estavam vivos.

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