1. O começo
Texto A. J. Oliveira | Ilustração Milton Nakata | Design Yasmin Ayumi | Edição Bruno Vaiano
Vênus e Terra são gêmeos. Eles têm praticamente o mesmo diâmetro – a Terra é só um pouquinho maior. Ambos possuem uma estrutura interna parecida, que consiste em um núcleo de ferro derretido, um manto pastoso de rocha aquecida e uma crosta sólida. Os dois têm campo magnético, ainda que o de Vênus seja bem mais fraco. Por fim, a dupla de planetas nasceu junta, há 4,56 bilhões de anos, na mesma região de um largo disco de gás e poeira que circundava o Sol recém-nascido.
A única diferença é que Vênus se formou um tico mais perto da nossa estrela-mãe. Um tico na escala cósmica, é claro: uns 40 milhões de quilômetros mais próximo. Essa ligeira discrepância foi crucial: selou destinos diferentes para cada um dos mundos. “Hoje, a Terra é o único planeta conhecido com água líquida e vida. Vênus, por outro lado, tem nuvens de ácido sulfúrico e uma superfície quente o bastante para derreter chumbo”, diz Giada Arney, especialista em Vênus do Centro Goddard, da Nasa. Mas não é só na temperatura de 462 ºC que Vênus é excepcional.
Por exemplo: lá, um dia dura mais que um ano. Nosso vizinho demora 243 dias terrestres para dar uma volta em torno de si próprio. E 225 para completar um giro em torno do Sol (a translação, que corresponde ao ano). Não bastasse isso, sua rotação é retrógrada, ou seja: ele orbita o Sol no sentido anti-horário, mas dá voltas em torno de si mesmo no sentido horário.
Isso não faz muito sentido: graças a algo chamado pelos físicos de preservação do momento angular, a maior parte dos planetas do Sistema Solar exibe rotação e translação no mesmo sentido. Vênus não nasceu assim – ele provavelmente passou a girar ao contrário depois de colidir com outro objeto cósmico. A consequência é que o Sol nasce no Oeste e se põe no Leste.
A superfície pode até se mover preguiçosamente, mas a atmosfera – 93 vezes mais densa que a da Terra, com 96,5% de dióxido de carbono – é bem mais agitada. As nuvens ricas em ácido sulfúrico, arrastadas por ventos de até 370 km/h, completam uma volta ao mundo a cada cinco dias terrestres. Essa dose cavalar de CO2 na atmosfera – somada ao fato de que o planeta recebe o dobro da luminosidade que alcança a Terra – gera um efeito estufa fora de série.
Efeito estufa funciona assim: quando a luz emitida pelo Sol alcança um planeta qualquer, ela é absorvida pelo solo e então devolvida na forma de calor. Esse calor até consegue escapar de volta para o espaço se a atmosfera for composta só de moléculas simples – como O2 ou N2. Mas, se houver gás carbônico, surge um problema: por ser uma molécula ligeiramente maior, ele é capaz de interceptar o calor, absorvê-lo e então emiti-lo na direção de outra molécula de CO2 – que perpetua essa batata quente. O calor pula de molécula em molécula, sem conseguir fugir. E aí o planeta esquenta.
É isso que está acontecendo na Terra neste exato momento. E é isso que aconteceu com Vênus em um passado distante. Pois acredite: quando nosso gêmeo nasceu, ele não alcançava 462 ºC nem esbanjava nuvens de ácido sulfúrico. Ele era, de fato, um irmão.
Linha do tempo
Acompanhe a história de Vênus
↬ 4,2 bilhões de anos atrás
300 milhões de anos após sua formação, a crosta incandescente de Vênus se solidificou. Por 3 bilhões de anos, o planeta pode ter sido habitável, com oceanos rasos de água líquida e vida. A temperatura mantinha-se entre 20 °C e 50 °C.
↬ Data desconhecida
Provavelmente por culpa de uma colisão no passado distante, Vênus gira em torno de si no sentido horário, e um dia dura 243 dias terrestres. Os outros planetas são mais rápidos e giram no sentido anti-horário (o mesmo em que dão voltas no Sol).