Em 1891, o matemático Georg Cantor provou que alguns infinitos são maiores que outros – e que os maiores infinitos se escondem nos vãos entre os números, e não além deles. Sua descoberta seria eternizada em um conto de fadas sobre um hotel impossível, com um número sem fim de quartos.
Texto: Bruno Vaiano | Ilustração: Yann Valber | Design: Carlos Eduardo Hara
o paraíso do coronavírus: o Grande Hotel Hilbert, um hotel com infinitos quartos, todos ocupados. O recepcionista, satisfeito, põe uma plaquinha em cima do balcão: “Não há vagas”. Eis que, em meio a uma forte chuva, um viajante cruza a porta pedindo abrigo. Estão prestes a recusá-lo quando o zelador – um certo Georg Cantor – diz: “Tudo bem. A gente dá um jeito”.
Para resolver o impasse, Cantor pede a todos os hóspedes que se mudem um quarto para frente. O do quarto 1 vai para o quarto 2. O do quarto 2, para o quarto 3… Isso libera o primeiro quarto para o viajante, sem desalojar ninguém que já estava lá. Fosse este um hotel comum, o cliente do último quarto não teria para onde ir. Mas o hotel é infinito. Não existe último quarto; sempre há um depois.
Então chega um ônibus de excursão infinito, lotado com infinitos aposentados. Cantor tem uma ideia: passar todos os hóspedes para quartos pares. A pessoa do quarto 1 vai para o quarto 2. A do quarto 2, para o quarto 4. A do quarto 3, para o quarto 6. O procedimento libera a totalidade dos quartos ímpares, que também são infinitos. E assim Cantor acomoda todos os velhinhos.
Em qualquer sequência de números consecutivos, metade deles serão pares e metade, ímpares. Como hóspedes vão caber em metade dos quartos em que cabiam antes? Bem, metade do infinito é infinito. E o dobro também. No Grande Hotel Hilbert, “metade” e “dobro” não existem. De fato, infinito vezes infinito também dá infinito: mesmo infinitos ônibus com infinitos hóspedes caberiam no hotel.
Na vida real, Cantor não foi zelador. Foi um matemático alemão do final do século 19. E a historinha do hotel não é um devaneio da Super: era a maneira como outro matemático, o inglês David Hilbert, explicava o trabalho de Cantor em palestras. Daí “Grande Hotel Hilbert”.
Existe uma maneira de vencer a dinâmica do hotel? Alguma quantidade de pessoas que ele não conseguiria hospedar com nenhum truque engenhoso? Sim, existe. Há dois tipos de infinito: um que cabe no hotel, outro que não. A descoberta do infinito que não cabe foi a grande contribuição de Cantor à matemática. Falaremos dela mais adiante.
O entusiasmo de Hilbert com o trabalho de Cantor foi a exceção, não a regra. Os matemáticos da época não eram cabeça aberta o suficiente para aceitar conclusões tão contraintuitivas. Henri Poincaré disse que as ideias de Cantor eram “uma enfermidade, uma doença perversa da qual os matemáticos, algum dia, hão de ser curados”. Leopold Kronecker, um ex-professor de Cantor, chamou-o de “charlatão” e “corruptor da juventude”. Ele apanhou tanto que teve um colapso nervoso aos 39 anos, em 1884. Passou o resto da vida sufocado por uma depressão profunda e morreu internado em um hospital psiquiátrico.