Glória Feita de Sangue
Stanley Kubrick – 1957
Honra ao mérito: a guerra como um xadrez no qual os peões são descartáveis.
A melhor de todas as produções dedicadas à 1ª Guerra é obra de um especialista do gênero: Stanley Kubrick já havia filmado antes Medo e Desejo (1953), a respeito de um grupo de soldados que sobrevive à queda de seu avião em território inimigo. Depois, faria a grande comédia da Guerra Fria, Dr. Fantástico (1964), e o clássico antimilitarista Nascido para Matar (1987), seu penúltimo filme.
Mas foi com este Glória Feita de Sangue, de qualquer forma, que o diretor mudou de status, ascendendo ao panteão dos deuses do cinema – uma condição que se confirmaria com 2001, Laranja Mecânica e O Iluminado.
O título original, Paths of Glory (caminhos da glória), é uma ironia com as decisões absurdas dos comandantes das Forças Armadas para se chegar à vitória – ou à morte em massa. Foi tirado de um poema do inglês Thomas Gray, um dos precursores do gênero gótico no século 18, Elegy Written in a County Churchyard (elegia escrita num cemitério de igreja do campo): “A ostentação da heráldica, a pompa do poder / E toda a beleza, e toda a riqueza que se deram / Aguardam a hora inevitável / Os caminhos da glória só levam à tumba”.
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Mas quem é que vai à cova por essa luta? É disso que o roteiro trata. Um comandante do Exército francês, atraído por uma possibilidade de promoção, ordena um ataque suicida a uma colina dominada pelos alemães. Conquistar aquele espaço é impossível por uma série de circunstâncias, e o próprio comandante calcula, friamente, que 60% de seus soldados vão morrer na investida – isso na melhor das hipóteses. A ordem então é dada ao coronel Dax (Kirk Douglas), que logo de cara percebe a insensatez daquele comando. Como recusá-lo seria um ato de insubordinação, o corajoso Dax faz o que pode para elevar a moral de seus homens – e partir para a carnificina.
O ataque, claro, é um fracasso retumbante. Numa das cenas mais emblemáticas do absurdo daquela missão, Dax tenta convencer alguns soldados a sair da trincheira – e enfrentar a tempestade de tiros e bombas – quando seu discurso é interrompido: um cadáver de soldado abatido tomba em cima do próprio coronel, levando-o ao chão.
A obviedade se impunha sobre a bravura. Era sair do buraco para tomar uma bala alemã na cabeça. Os que conseguiam avançar alguns metros na “terra de ninguém” (o termo que se deu na 1ª Guerra ao espaço entre trincheiras inimigas) saíam despedaçados por explosões. Nesse cenário infernal, quem pôde voltou à segurança do seu abrigo. Ou nem saiu de lá.
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Se a primeira parte do filme são os conchavos políticos que levam ao combate suicida, e a segunda, a matança da batalha, a terceira é o julgamento de três soldados pela suposta covardia de não ter avançado conta o inimigo. Um verdadeiro teatro em que os generais franceses arrumam bodes expiatórios para sua própria derrota moral – e a acusação exige pena de morte, por fuzilamento. Indignado com a cara de pau de seus superiores, o coronel Dax assume ele mesmo a defesa dos militares julgados. Mas lutar contra o sistema pode ser tão difícil quanto ganhar a guerra.
Repare, nessa sequência da Corte Marcial, na inventividade dos cenários que Stanley Kubrick mostraria em outras fases. O piso do espaço é todo em padrão xadrez, simbolizando que os acusados são meros peões naquele jogo de interesses – as peças sacrificadas no tabuleiro para que outras, mais nobres, cheguem longe.
Os generais maquiavélicos foram inspirados em dois militares de carne e osso da 1ª Guerra. Robert Nivelle, que ordenou um ataque malsucedido a posições alemãs, resultando em milhares de perdas de vidas, e Philippe Pétain (fruto colaboracionista do nazismo na França), que ordenou a execução dos soldados, quando alguns se amontaram ao descobrir que iriam para a mesma missão malfadada de Nivelle. As autoridades francesas ficaram tão ofendidas com esse retrato de seu Estado Maior que proibiram a exibição do filme de Kubrick no país por quase duas décadas.