Em 1600, um dos inquisidores católicos que condenaram o italiano Giordano Bruno à fogueira anotou as blasfêmias que o frade cometeu na cadeia, enquanto esperava a execução. Certa noite, Bruno levou um colega prisioneiro à janela e apontou uma estrela. “Disse que aquela estrela era um mundo, e que todas as estrelas eram mundos.”
O clérigo – um dos gênios do século 16, com Galileu e Kepler – foi um dos primeiros humanos a se dar conta de que o Universo é infinito e não tem centro: ele afirmouque cada estrela é um Sol, e que cada Sol é cercado por seus próprios planetas – talvez habitáveis. Como presumir a existência de mais de uma Terra é presumir a existência de mais de um Cristo, a Igreja considerava isso fake news, passível de pena de morte.
Se estivesse vivo hoje, Bruno ficaria fascinado em saber que não só suas previsões se confirmaram como o Universo é ainda maior do que ele propôs. De fato, cada pontinho de luz no céu é um sistema solar. E conjuntos de milhões (ou até bilhões) de sistemas solares formam estruturas ainda maiores, as galáxias.
Galáxias são realmente grandes. A nossa Via Láctea é um disco com 100 mil anos-luz de diâmetro que aglomera cerca de 250 bilhões de estrelas – uma para cada dólar que possuem os três homens mais ricos do mundo, somados. Se a Terra fosse do tamanho de uma bactéria, a Via Láctea seria do diâmetro da Terra.
A Via Láctea é só uma de 200 bilhões de galáxias do Universo observável. Ou seja: há no mínimo tantas galáxias no Universo quanto há estrelas em uma única galáxia. Assim, é de se esperar que, do mesmo jeito que as estrelas se organizam em galáxias, as galáxias se organizem em estruturas ainda maiores. Essas estruturas existem, e são chamadas aglomerados. Também há os superaglomerados, que são concentrações de aglomerados. Muitos astrônomos dedicam a carreira a mapeá-los.
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Sabe-se há décadas que a Via Láctea está na vizinhança do aglomerado de Virgem (que tem esse nome por se localizar atrás da constelação homônima no céu). O que não se sabia é que Virgem, com 201 milhões de anos-luz de diâmetro, era só a ponta de algo maior: um superaglomerado chamado Laniakea, que significa “céu imensurável” em havaiano.
Com 520 milhões de anos-luz de extensão e cerca de 150 mil galáxias, Laniakea só foi mapeada em 2014 pela equipe de Brent Tully, da Universidade do Havaí. Eles analisaram a posição no céu, a velocidade e a direção em que estão se movendo 8 mil galáxias da nossa vizinhança (uma pequena amostra do total). O critério foi o seguinte: todas as galáxias que se movem em uma dada direção, atraídas pelo mesmo poço gravitacional, pertencem a Laniakea. As que estão indo em outro sentido pertencem ao superaglomerado vizinho, de Perseu-Peixes.
As galáxias de Laniakea fluem como rios na paisagem gravitacional. Todas deságuam no Grande Atrator.
Para entender o porquê disso, uma analogia usada pelo próprio Tully é a das bacias hidrográficas aqui da Terra. Todos os rios de uma determinada região fluem de um local mais alto para um mais baixo, onde se fundem a rios sucessivamente maiores, até formar um único grande rio. Por exemplo: na Amazônia, o Rio Branco encontra o Rio Negro, que então encontra o Rio Solimões, que então encontra o Rio Madeira etc. Por fim, todos deságuam na mesma foz, sob o nome de Rio Amazonas.