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Ciência

Laniakea: o superaglomerado de galáxias em que nós vivemos

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por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 17 ago 2020, 19h01 - Publicado em
21 nov 2019
18h58

Laniakea

A Via Láctea tem 100 mil anos-luz de diâmetro e bilhões de estrelas como o Sol. Mas ela é só um fiapo de algo maior: Laniakea, um conjunto de 150 mil galáxias. Vamos conhecê-lo.

Texto: Bruno Vaiano | Design: Juliana Caro | Ilustrações: Estevan Silveira | Edição: Alexandre Versignassi 

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Em 1600, um dos inquisidores católicos que condenaram o italiano Giordano Bruno à fogueira anotou as blasfêmias que o frade cometeu na cadeia, enquanto esperava a execução. Certa noite, Bruno levou um colega prisioneiro à janela e apontou uma estrela. “Disse que aquela estrela era um mundo, e que todas as estrelas eram mundos.”

O clérigo – um dos gênios do século 16, com Galileu e Kepler – foi um dos primeiros humanos a se dar conta de que o Universo é infinito e não tem centro: ele afirmouque cada estrela é um Sol, e que cada Sol é cercado por seus próprios planetas – talvez habitáveis. Como presumir a existência de mais de uma Terra é presumir a existência de mais de um Cristo, a Igreja considerava isso fake news, passível de pena de morte.

Se estivesse vivo hoje, Bruno ficaria fascinado em saber que não só suas previsões se confirmaram como o Universo é ainda maior do que ele propôs. De fato, cada pontinho de luz no céu é um sistema solar. E conjuntos de milhões (ou até bilhões) de sistemas solares formam estruturas ainda maiores, as galáxias.

Galáxias são realmente grandes. A nossa Via Láctea é um disco com 100 mil anos-luz de diâmetro que aglomera cerca de 250 bilhões de estrelas – uma para cada dólar que possuem os três homens mais ricos do mundo, somados. Se a Terra fosse do tamanho de uma bactéria, a Via Láctea seria do diâmetro da Terra.

A Via Láctea é só uma de 200 bilhões de galáxias do Universo observável. Ou seja: há no mínimo tantas galáxias no Universo quanto há estrelas em uma única galáxia. Assim, é de se esperar que, do mesmo jeito que as estrelas se organizam em galáxias, as galáxias se organizem em estruturas ainda maiores. Essas estruturas existem, e são chamadas aglomerados. Também há os superaglomerados, que são concentrações de aglomerados. Muitos astrônomos dedicam a carreira a mapeá-los.

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Sabe-se há décadas que a Via Láctea está na vizinhança do aglomerado de Virgem (que tem esse nome por se localizar atrás da constelação homônima no céu). O que não se sabia é que Virgem, com 201 milhões de anos-luz de diâmetro, era só a ponta de algo maior: um superaglomerado chamado Laniakea, que significa “céu imensurável” em havaiano.

Com 520 milhões de anos-luz de extensão e cerca de 150 mil galáxias, Laniakea só foi mapeada em 2014 pela equipe de Brent Tully, da Universidade do Havaí. Eles analisaram a posição no céu, a velocidade e a direção em que estão se movendo 8 mil galáxias da nossa vizinhança (uma pequena amostra do total). O critério foi o seguinte: todas as galáxias que se movem em uma dada direção, atraídas pelo mesmo poço gravitacional, pertencem a Laniakea. As que estão indo em outro sentido pertencem ao superaglomerado vizinho, de Perseu-Peixes.

As galáxias de Laniakea fluem como rios na paisagem gravitacional. Todas deságuam no Grande Atrator.

Para entender o porquê disso, uma analogia usada pelo próprio Tully é a das bacias hidrográficas aqui da Terra. Todos os rios de uma determinada região fluem de um local mais alto para um mais baixo, onde se fundem a rios sucessivamente maiores, até formar um único grande rio. Por exemplo: na Amazônia, o Rio Branco encontra o Rio Negro, que então encontra o Rio Solimões, que então encontra o Rio Madeira etc. Por fim, todos deságuam na mesma foz, sob o nome de Rio Amazonas.

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O Grande Atrator

Dois superaglomerados: o nosso, Laniakea, e o vizinho, de Perseu-Peixes. As galáxias de cada um são atraídas para pontos diferentes.
Dois superaglomerados: o nosso, Laniakea, e o vizinho, de Perseu-Peixes. As galáxias de cada um são atraídas para pontos diferentes. (Estevan Silveira/Superinteressante)

O Grande Atrator

O Rio Amazonas de Laniakea – o local de gravidade intensa para onde todas as galáxias do superaglomerado estão confluindo – se chama Grande Atrator. Se você desenhar Laniakea representando as galáxias não só como pontinhos, mas fazendo também fios que mostram o caminho que cada uma percorrerá conforme for atraída pelas outras galáxias, o resultado é a ilustração que está na abertura desta matéria: um emaranhado de fios que converge em um miolo mais denso.

O Grande Atrator, de acordo com os cálculos, fica em uma região do céu parcialmente escondida atrás do disco da Via Láctea – o que torna difícil observá-lo. Esse ponto cego é chamado de zone of avoidance em inglês (algo como “zona de evasão”). Mas não imagine o Grande Atrator como uma coisa, propriamente. Ele é o resultado da dança gravitacional das galáxias. O local para onde elas convergem.

Recentemente, uma equipe liderada pela astrônoma sul-africana Renée Kraan-Korteweg usou ondas eletromagnéticas mais compridas do que as que compõem a luz visível (as ondas de rádio) para espiar atrás da nossa galáxia. A emissão de rádio gerada por essas galáxias distantes, afinal, não sofre tanta interferência quanto a luz visível no caminho até nossos telescópios.

O Universo é uma rede de aglomerados trançados, entremeada por vazios.

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Além do Grande Atrator em si, eles descobriram que lá se escondia um monstro: o superaglomerado de Vela, com 300 milhões de anos-luz de extensão. Próximo a ele, há outro superaglomerado: o de Shapley, cuja massa é estimada em 50000000000000000 vezes a do Sol (ou 50 milhões de bilhões, um número com 16 zeros). Como a massa do Sol, em quilogramas, é um número com 30 zeros, conclui-se que a massa de todas as galáxias que compõem Shapley, somadas, é um número de quilogramas com 46 zeros.

Se por um lado grandes massas se escondem por aí, por outro, os locais vazios também são influentes. Um estudo recente do grupo de Tully indica que uma região do céu desprovida de galáxias contribui para o movimento da Via Láctea, com velocidade de cerca de 631 quilômetros por segundo. A ausência de atração desta região atua como uma repulsão.

Segundo Tully e companhia, o movimento da Via Láctea e suas vizinhas é explicado pela repulsão gerada por esta região vazia do Universo em combinação com a atração de regiões extremamente densas – como o superaglomerado de Shapley.

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Assim como fazemos parte do superaglomerado Laniakea, estamos cercados por outras gigantes estruturas como o superaglomerado de Vela, formando o que é conhecido como estrutura em larga escala do Universo. O resultado é algo como a ilustração aqui embaixo: uma rede de paredões de galáxias – os astrônomos os batizaram de walls, mesmo –, entremeada por vazios fantasmagóricos.

O Universo, de longe, não é tão diferente de uma cidade: ruas de luz ligam imensas praças – onde se concentram centenas de milhares de galáxias.
O Universo, de longe, não é tão diferente de uma cidade: ruas de luz ligam imensas praças – onde se concentram centenas de milhares de galáxias. (Estevan Silveira/Superinteressante)

Quando finalmente tivermos mapeado todos os superaglomerados que nos rodeiam – e estimado a massa de cada um deles – a conta finalmente vai fechar: seremos capazes de explicar plenamente por que a Via Láctea e suas vizinhas, como Andrômeda, se movem na direção em que se movem, com a velocidade com que se movem. As incógnitas são simplesmente um sinal de que há fontes de gravidade ainda desconhecidas esperando para serem descobertas.A metáfora resume: nós estamos cada vez mais próximos de saber onde deságua nosso rio gravitacional.

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Metamorfoses

Metamorfoses

No interior dos aglomerados, as galáxias, puxadas para lá e para cá pela gravidade, vão sofrendo modificações. Paulo Lopes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estuda quais, exatamente, são essas modificações.

Galáxias espirais, como a Via Láctea, em geral ficam isoladas ou na periferia dos aglomerados, em regiões mais espaçosas. Essas galáxias têm muito gás, que é matéria-prima para fabricar estrelas novas constantemente. Por outro lado, as galáxias elípticas, arredondadas, tendem a ocupar o miolo mais denso dos aglomerados, e têm menos gás. Suas estrelas são todas idosas; a natalidade é baixa.

Paulo e seus colegas deduzem isso a partir da cor das estrelas na galáxia. Estrelas muito grandes são azuladas e morrem rápido: queimam seu combustível em “apenas” alguns milhões de anos. Já estrelas avermelhadas são menores, mais frias e vivem muito mais tempo – bilhões de anos. Assim, se uma galáxia é azulada, ela tem estrelas jovens, explosões épicas e gás de sobra. Se ela é avermelhada, por outro lado, é uma galáxia pacata, de idosos.

A questão é saber porque esses dois tipos de galáxias se distribuem assim nos aglomerados: azuis nas beiradas, vermelhas no meio. Parte da resposta é que as azuis se tornam vermelhas. “À medida que as galáxias entram nas regiões densas do aglomerado, elas podem perder o gás graças a mecanismos como a pressão de arraste“, diz Paulo. “Sem o gás, elas não têm mais como formar novas gerações de estrelas.” Pressão de arraste é quando gás da galáxia é levado embora pelo atrito com o gás circundante (uma espécie de vento em escala cósmica).

Quanto à mudança de forma de espiral para elíptica, uma hipótese é que as elípticas sejam produto do choque e fusão de duas espirais – o que bagunça a forma de ambas. Isso é mais provável em regiões de densidade média, como pequenos grupos ou a periferia de aglomerados. (Via Láctea e Andrômeda irão colidir em cerca de 4,5 bilhões de anos, dando origem a uma grande galáxia elíptica.) Só depois essas elípticas migram para as regiões mais densas e perdem o gás.

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Cabo de guerra

Cabo de guerra

Aglomerados de galáxias – como o de Virgem – são estruturas razoavelmente coesas e bem descritas. Já os superaglomerados – como Laniakea – são tão grandes que não se pode dizer que estejam completamente formados; nem que jamais estarão. Há o risco de que simplesmente se desmanchem.

Se eles fossem menores, com o tempo a gravidade seria capaz de estabilizá-los. Mas eles são tão imensos que ela não é a única força em ação. A expansão do Universo – do próprio tecido da realidade – luta para esticar essas estruturas monumentais até rasgá-las em pequenos pedaços.

São duas forças em disputa. Como dois pizzaiolos: um quer compactar a massa até ela formar uma bolinha, o outro quer abrir o disco com o rolo até ele ficar fino e se romper. É difícil prever quem ganha. As maiores estruturas do Universo existem em uma escala que desafia nossos cálculos e nossa imaginação. O céu é um lugar cada vez maior – cresce tão rápido que os mundos de Giordano Bruno precisam lutar para se manter juntos.

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