Uma água-viva programada para viver eternamente. A lesma que faz fotossíntese. Os micróbios que sobrevivem isolados, dentro de rochas, sem nenhum alimento. As bactérias que flutuam na estratosfera, a espécie que foi modificada para absorver CO2 do ar – e os fungos ocultos no reator nuclear de Chernobyl.
Texto Bruno Garattoni e Paulo César Teixeira
Ilustração Zansky
Design Carlos Eduardo Hara
As águas-vivas são, junto com as esponjas-do-mar, os animais mais antigos do planeta Terra: surgiram 600 a 700 milhões de anos atrás, muito antes dos primeiros insetos (470 milhões), peixes (400 milhões) ou dinossauros (230 milhões). Seu ciclo de vida é o seguinte: o bicho nasce de um ovo, na forma de larva, vira pólipo e depois medusa (os pólipos ficam grudados em alguma superfície, enquanto as medusas se deslocam na água) e morre. Mas para a Turritopsis dohrnii, uma espécie encontrada principalmente no Mar Mediterrâneo, esse roteiro tem um desfecho inesperado. Ela também nasce como larva, se agarra a superfícies como rochas ou cascos de navios naufragados, e forma uma colônia de pólipos, dos quais brotam medusas já em fase adulta – prontas para a liberação de gametas que, depois de fecundados, cumprirão a tarefa de perpetuar a espécie.
Até aí, tudo normal. O extraordinário vem depois que a T. dohrnii libera os gametas: ela volta a ser pólipo, tornando-se novamente jovem. Ela é capaz de reverter o próprio envelhecimento. E, biologicamente, viver para sempre.
Essa proeza foi descoberta em 1996, por um grupo de pesquisadores da Universidade de Salento, na Itália (1), liderados pelo cientista Stefano Piraino. Existem outras espécies capazes de retroceder seu ciclo de vida, mas isso sempre acontece antes que o indivíduo atinja a fase de reprodução sexual. A T. dohrnii difere nesse ponto crítico. Mas, se essa criatura é tecnicamente imortal, os oceanos deveriam estar lotados dela – só que isso não ocorre. “A própria natureza não deixa que aconteça”, explica o biólogo Sérgio Stampar, da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Invariavelmente, chega o momento em que a águaviva cruza com algum de seus predadores naturais, que acaba por devorá-la. Ela também pode morrer ao desenvolver doenças, que a impedem de tomar o caminho de volta à juventude.
A ciência vem se esforçando para descobrir os segredos da água-viva. Em dezembro de 2019, Piraino publicou o primeiro sequenciamento do genoma da T. dohrnii. Mas ainda estamos longe de descobrir quais genes dão a ela o poder de voltar no tempo. Só quando esse processo for plenamente compreendido será possível, talvez, usar esse conhecimento em benefício de seres humanos. Mas, antes que alguém se entusiasme a ponto de acreditar na descoberta de um elixir da vida eterna, o professor da Unesp explica que a ideia não é essa: “O que se busca é a regeneração de órgãos e tecidos, algo que parece bem plausível”, diz Stampar.