SpaceX
Era outubro de 2001 quando Musk entrou em um malcuidado prédio no centro de Moscou. Ele não estava sozinho. Chegou acompanhado de Jim Cantrell (um engenheiro que havia sido preso e acusado de espionagem pelo governo russo, após o lançamento de um satélite ter dado errado) e Mike Griffin (hoje membro da Secretaria da Defesa dos EUA, naquela época apenas autor de um livro sobre engenharia espacial do qual Musk era fã). À espera deles estava um grupo de russos envolvidos com o mercado bélico. Elon queria comprar um míssil balístico intercontinental, daqueles que costumam levar ogivas nucleares na ponta.
Não que ele quisesse começar uma guerra, claro. Seu plano era transformar a arma em veículo: ele usaria o míssil como foguete – para lançar ratos em direção a Marte. O objetivo era reacender as discussões sobre missões tripuladas ao planeta vermelho. A Nasa tinha riscado o tópico de suas reuniões desde 1976, quando a sonda Viking descartou a possibilidade de vida em território marciano. Musk, então um milionário entediado de 30 anos, viu no desinteresse da agência uma chance de reviver seus sonhos infantis envolvendo naves – muitos dos quais acalentados naquela biblioteca, onde lera o Guia do Mochileiro das Galáxias, a obra-prima do humor espacial.
A negociação com os russos não foi das melhores. Eles pediram US$ 8 milhões pela arma. Musk ofereceu metade. Pouco o bastante para os vendedores não só negarem, como caçoarem do sul-africano. Elon levou para o lado pessoal. Saiu da reunião em disparada, direto para o aeroporto. Ainda dentro do avião, Musk anunciou para seus companheiros de viagem: os russos que se danassem. Ele faria a própria nave. E não ia mandar ratos. Ia mandar gente. Nascia ali o embrião da SpaceX.
Rocket Airlines
Como a SpaceX planeja usar foguetes para substituir as viagens intercontinentais de avião.
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1. MAR ADENTRO
As decolagens, de acordo com os planos da Tesla, vão acontecer em plataformas flutuantes, próximas de cidades litorâneas – Nova York, Xangai, Sydney, Rio…
2. SUBIU, SEPAROU
Entrar em órbita exige potência de foguete (claro). O BFR tem 31 motores para isso – mas, assim que deixa a atmosfera terrestre, eles não são mais necessários. A parte traseira, então, é desacoplada.
3. VOLTA AQUI
A cauda do foguete volta para a base, onde será reabastecida para seus próximos voos. Musk promete que um mesmo foguete decolará várias vezes em um mesmo dia.
4. SEM TURBULÊNCIA
A velocidade necessária para entrar em órbita fica por volta de 27 mil km (quase 30 vezes mais rápido que um avião). Uma vez fora da atmosfera, ele vai no embalo, já que não há resistência do ar lá em cima.
5. TERRA À VISTA
Desse jeito, dá para chegar a qualquer parte do planeta em menos de 60 minutos. Após o desembarque, a nave será encaixada em outro foguete por um guindaste acoplado a esta torre aqui – que também serve para o desembarque.
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Tudo o que puder dar errado, dará errado
Elon começou, então, a procurar nomes que o ajudariam a sair da Terra. Tom Mueller foi um deles. O engenheiro espacial trabalhava com o desenvolvimento de satélites e peças para foguetes da Nasa desde 1980, e se tornaria o engenheiro-chefe da SpaceX. Junto dele vieram Tim Buzza e Chris Thompson, alguns dos nomes mais importantes da Boeing – fornecedora-chave da agência espacial americana. Outra aquisição importante foi Steve Johnson, que largou seu emprego no Laboratório de Propulsão da Nasa para cuidar de parte da engenharia mecânica da SpaceX.
Só tem um detalhe. Tudo o que puder dar errado na indústria de foguetes dará errado. Com a SpaceX não foi diferente. A empresa passou quatro anos explodindo motores até finalizar seu primeiro foguete funcional, em 2005: o Falcon 1 (uma homenagem à Millennium Falcon, de Star Wars). Ágil como Han Solo, decidiu, então, que faria o lançamento em novembro do mesmo ano, quando o modelo estava reagindo bem aos testes feitos em ambientes controlados. Só que fora dos laboratórios as coisas não foram tão bem assim. No dia marcado para decolar, tudo deu errado. Horas antes do lançamento, o tanque começou a apresentar problemas: uma válvula defeituosa o fazia despejar todo o combustível. Musk, então, remarcou a data para dali seis meses. Nessa segunda tentativa, o Falcon saiu do chão. Uhu! Mas passou só 25 segundos no ar. Um dos motores pegou fogo, e o foguete caiu como uma pedra sobre a plataforma de lançamento. Um ano depois, em 2006, tentou novamente. O foguete ficou sete minutos no ar. Explodiu.
Então veio 2008. Enquanto a Tesla lançava o Roadster, a SpaceX só tinha colecionado frustrações. Em 28 de setembro daquele ano, lançou sua última cartada. A empreitada espacial já tinha lhe custado US$ 100 milhões – ele não teria mais nem um dólar para investir na empresa. Se o Falcon 1 não voasse naquele dia, não voaria nunca mais.
Os engenheiros se prepararam. E o foguete subiu. Durante seis minutos o motor principal (apelidado de Merlin) arremessou a nave para os céus. Terminado esse período, o foguete desacoplou sua traseira, e seu segundo motor começou a funcionar dando um novo empurrão. Foi um pequeno voo para um foguete, mas um grande salto para o capitalismo. O Falcon 1 tornava-se o primeiro foguete 100% privado a entrar em órbita.
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A partir daí as coisas decolaram. Com Musk provando que podia chegar ao espaço, ele conseguiu fechar acordos comerciais. Ainda em 2008, assinou um contrato com a Nasa: US$ 1,6 bilhão para realizar 12 entregas de suprimentos à Estação Espacial Internacional. Depois vieram contratos para lançar satélites privados (o Facebook foi um dos clientes). A conta começava a fechar.
Para fazer as entregas, porém, Musk precisava de mais potência. O Falcon 1 não era capaz de levar mais do que 180 kg para o espaço – o suficiente para transportar apenas pequenos satélites. Para realizar serviços maiores, inclusive as entregas para a Nasa (que pesavam meia tonelada), ele precisaria de mais força. Surgia aí um novo foguete, o Falcon 9 – o número se refere à quantidade de motores Merlin que a nave possui. Com o empuxo extra, a capacidade de carga subiu para 10,5 toneladas. Em 2012, a SpaceX usou a nave para fazer história. Finalmente tinha chegado a hora de cumprir os tais contratos da Nasa. A Falcon 9 levou suprimentos para a Estação Espacial, tornando-se a primeira empresa privada a chegar lá.
Só que o plano era ainda mais ambicioso: Musk queria reutilizar seus foguetes. Até então, depois que as espaçonaves faziam suas entregas, elas eram descartadas. Flutuavam ao relento no espaço ou caíam de volta no mar e se transformavam em lixo. Elon queria que seus foguetes fossem os primeiros a voltar para a Terra, o que possibilitaria uma economia de dezenas de milhões de dólares por voo, por baixo.
“Nossa ideia é tornar a humanidade uma espécie multiplanetária”, diz Elon
Conseguiu pela primeira vez em abril de 2014. Mas não mostrou consistência. Dali até 2015, destruiu mais oito foguetes em pousos que deram errado – eventos que Musk chama de “desmontagem rápida não agendada” (rs). Então as coisas entraram nos eixos. Os pousos começaram a dar certo e, em 2017, veio outro marco histórico: a SpaceX conseguiu relançar um foguete usado, algo que, sim, jamais havia acontecido na história deste planeta. E fez isso em uma missão comercial, levando um satélite de uma empresa de telecomunicações.
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O fato é que, das 53 missões entregando suprimentos ou satélites tanto para a Nasa quanto para empresas privadas, Musk conseguiu completar 51. Consagrou a SpaceX como uma empresa que presta serviços confiáveis.
Por essas, a SpaceX se tornou um constrangimento para a indústria espacial vigente. Musk discutiu publicamente com Michael Gass, CEO da poderosa United Launch Alliance (ULA), uma joint venture da Boeing e da Lockheed Martin feita para prestar serviços à Nasa. Elon deixou claro que o governo dos EUA estava gastando dinheiro com gente menos competente que ele. Os lançamentos que a ULA cobrava US$ 380 milhões para realizar, a SpaceX faria por US$ 90 milhões. “Só com o dinheiro economizado, daria para o governo pagar o satélite que estávamos transportando”, disse.
Musk, de qualquer forma, não quer fazer só esse tipo de entrega. Imagina ir além. A SpaceX, lembre-se, tem uma missão clara: levar gente até Marte e, antes, à Lua. Mas, para isso, precisaria de ainda mais potência. Os engenheiros, então, criaram o foguete mais poderoso da Terra: o Falcon Heavy. O modelo consiste em uma obra megalomaníaca. Três Falcons 9 colocados em uma mesma estrutura com outros propulsores próprios. O resultado é uma máquina capaz de levar ao espaço até 64 toneladas. Só os foguetes da velha corrida espacial tinham força comparável – e eles colocaram 12 pessoas na Lua, entre outros feitos.
Musk demonstrou o poder do brinquedo em fevereiro deste ano. Você viu: colocou um Tesla Roadster 2008 dentro da nave, com um boneco vestido de astronauta no volante. Quando a nave entrou na rota para a órbita de Marte, desacoplou a parte frontal e deixou o carro, ali, sobre uma plataforma, flutuando Sistema Solar afora. Foi uma mensagem: ele não está brincando sobre sair do planeta, e encontrou uma forma mais barata de fazer isso.
A reutilização de foguetes, vale ressaltar, está longe de ser perfeita. Falhas ainda acontecem, como vimos, e ninguém sabe quantas vezes um mesmo foguete pode ser utilizado. A SpaceX já fez cinco lançamentos usando foguetes reaproveitados, mas só usou exatamente a mesma nave três vezes. Ainda assim, não há dúvida: a funcionalidade veio para ficar. Tanto que a concorrência está seguindo seus passos. A Agência Espacial Europeia já está desenvolvendo seu reutilizável, o Ariane 6, que deve voar até 2020. Outro rival de peso é Jeff Bezos, fundador da Amazon. Ele também tem uma empresa espacial, a Blue Origin, e já investiu US$ 2,5 bilhões no desenvolvimento de um foguete reutilizável.
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Ao infinito e além
A SpaceX pretende chegar a Marte. Parte do dinheiro para a empreitada viria do turismo espacial e de um novo sistema de internet via satélite.
1. INTERNET GLOBAL
A SpaceX deve lançar 4.425 satélites para proporcionar conexões de até 1 Gbps. O número de satélites garantiria um sistema tão ágil quanto o Wi-Fi – em qualquer ponto do Terra.
2. VEM PRA LUA
Antes de ir para Marte, Musk quer levar turistas à Lua. Em 2017, declarou que as viagens começariam neste ano, mas voltou atrás: precisa aperfeiçoar seu foguete lunar, o famoso “Big Fucking Rocket”.
3. LIFE ON MARS
O sonho de Elon é enviar os primeiros humanos a Marte em 2024. Ele estima que, até lá, o valor investido na missão terá atingido US$ 10 bilhões. Barato: o programa Apollo custou trilhões em dinheiro de hoje. Agora, é ver se ele entrega.
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Marte é logo ali
Juntando tudo, o que temos é uma nova corrida espacial, fundada e liderada por Elon. E tudo indica que ele não deve perder a primeira posição tão cedo. Logo após o lançamento do Falcon Heavy, avisou: a partir daquele momento seus esforços já estariam centrados no próximo foguete da companhia, o BFR. O significado da sigla pode variar. Big Falcon Rocket ou Big Fucking Rocket – ninguém sabe qual veio primeiro, o sério ou o proibidão. Seja como for, trata-se de um monstro mesmo, com capacidade para levar 150 toneladas de carga. É com o BFR, de qualquer forma, que a SpaceX quer criar um negócio insólito: os voos internacionais de foguete. O conceito remonta às origens da própria SpaceX. O BFR vai funcionar como um míssil balístico intercontinental, exatamente como aquele que Elon tentou comprar na Rússia. Esses projéteis conseguem chegar a qualquer parte do mundo em minutos – uma viagem entre o Brasil e a Ausrália seria tão rápida quanto uma ponte-aérea Rio-SP.
Ninguém nunca pensou em utilizá-los para viagens porque esses mísseis não pousavam – só estatelavam-se sobre seus alvos. Esse problema acabou, já que os foguetes de Elon pousam. Como o BFR aguenta um bom peso, poderia transportar centenas de passageiros entre dois cantos do mundo em menos de uma hora, a uma velocidade de até 27 mil km/h. Elon prometeu que o custo de uma passagem seria equivalente ao de uma viagem de classe executiva (uns US$ 7 mil, ida e volta). Difícil de acreditar. Mesmo com eventuais otimizações, o lançamento de um BFR não deve sair por muito menos de US$ 100 milhões. Digamos que ele leve 500 passageiros. Só para cobrir os custos, a passagem teria de custar US$ 200 mil. A ver.
Outro projeto da SpaceX, bem mais pé no chão, é o Starlink. A proposta ali é oferecer internet em todos os cantos da Terra a partir de uma constelação de 4.425 satélites. Os primeiros, de teste, já subiram em fevereiro, a bordo de um Falcon 9. Até 2024, segundo a empresa, estará tudo pronto e funcionando.
E tem Marte. Elon acredita que, com o BFR, a SpaceX vai chegar logo ao planeta vermelho – com robôs em 2022 e humanos em 2024, já para criar uma base ali. Até 2060, Musk quer colocar um milhão de pessoas em território marciano. “Nossa ideia é tornar a humanidade uma espécie multiplanetária”, disse certa vez. “O futuro da humanidade vai sofrer uma bifurcação: ou nos tornaremos uma civilização espacial, ou ficaremos presos aqui até algum evento de extinção.”
Sim, talvez Elon seja mais delirante do que deveria. Talvez uma parte de sua mente nunca tenha saído daquela biblioteca em Pretória. Mas são os sonhos daquele menino que estão moldando o futuro da Terra – e de Marte.