Clique e Assine SUPER por R$ 9,90/mês

O surgimento da aviação de baixo custo

Texto: André Mileski | Design: Andy Faria


Um dos maiores chavões do populismo no mundo todo é declarar que pobre passou a andar de avião depois de tal e qual evento. O conto cola porque, durante a maior parte da história da aviação, embarcar numa aeronave realmente foi uma experiência restrita a uma pequena parcela da população. Só para grã-finos mesmo. Na década de 1930, por exemplo, voos longos duravam dias e podiam chegar a custar US$ 20 mil (em valores atuais). Mas os tempos mudaram, e a força motriz não foi nenhuma ação de governo, mas a mais pura competição entre as empresas aéreas.

A coisa nasceu nos anos 1970, nos Estados Unidos, quando companhias perceberam um filão a ser explorado e foram criadas especificamente para se concentrar no hoje famoso conceito de “low cost, low fare” (baixo custo, tarifas baixas, em inglês). Depois de demonstrado como sustentável e lucrativo, ele passou a ser empregado em outras partes do mundo. No Brasil, chegou relativamente tarde, há cerca de 20 anos.

Hoje, é difícil imaginar o mercado sem essas companhias, que por sinal adotam estratégias similares entre si, como o controle de frotas homogêneas (que reduzem os custos com operação, treinamento e manutenção), o intenso uso das aeronaves (quanto mais tempo no céu, gerando receitas, melhor) e serviços bastante simples, como voos sem refeições e sem o direito de despachar mais de uma mala.

Países ricos, aviação de pobre

O modelo mostrou-se bem-sucedido pela primeira vez com a Southwest Airlines, empresa com sede em Dallas, no Texas, na década de 1970. Promovendo de início apenas três voos regionais para aeroportos secundários de cidades texanas, a companhia adotou a estratégia de ter uma operação simples, em classe única, que lhe permitisse oferecer os preços mais baixos do mercado. Ano a ano, a empresa foi crescendo, tornando-se uma das principais companhias dos EUA, por vezes rivalizando até com as aéreas tradicionais, como a American, a Delta e a United. Hoje, a Southwest é a maior transportadora de passageiros domésticos do país.

Com um histórico de 43 anos consecutivos de lucros – algo extremamente raro para companhias aéreas –, a Southwest é a maior operadora de aviões do modelo Boeing 737, com mais de 700 unidades, o que contribui para que seus custos operacionais sejam menores. Serve 97 destinos a cada dia em Estados americanos e em sete países das Américas do Norte e Central, transportando cerca de 12 milhões de passageiros por mês em 3.900 voos diários.

Continua após a publicidade

Uma característica de seu modelo de negócios é uma malha aérea que privilegia voos ponto a ponto, isto é, de voos da origem até o destino final sem escalas, evitando o uso do modelo tradicional de hubs, em que voos são concentrados em aeroportos principais, de onde partem outros voos para os destinos finais.

Com o sucesso nos EUA, o modelo passou a ser adotado em outras regiões, e hoje está presente em praticamente todos os cantos do globo. Na Europa, duas principais empresas se destacam. A irlandesa Ryanair, fundada nos anos 1980, e a inglesa Easyjet, uma década mais tarde. Os primeiros anos da Ryanair foram de perdas, e o sucesso veio apenas a partir dos anos 1990, com a contratação do executivo Michael O’Leary, que, inspirado no modelo da Southwest, passou a adotá-lo na Europa.

<strong>As companhias de baixo custo transformaram o avião numa lata de sardinha: fileiras duplas de três poltronas, com espaço mínimo entre elas.</strong>
As companhias de baixo custo transformaram o avião numa lata de sardinha: fileiras duplas de três poltronas, com espaço mínimo entre elas. (Jonatan Sarmento/Superinteressante)

Embora lucrativa, a empresa é frequentemente criticada por algumas de suas práticas, várias delas radicais, em termos de relacionamento com os consumidores e empregados, levando o conceito “low cost” ao extremo. Além de reduzir radicalmente o espaço a bordo, para aumentar o número de assentos, a Ryanair achatou salários de funcionários (resultado: aeromoças rudes, pilotos estressados) e cogitou até cobrar pelo uso do toalete. Planeja também no futuro ofertar voos em pé, caso a lei um dia permita essa modalidade.

O’Leary é conhecido por seus comentários polêmicos, às vezes recheados com palavrões. Sobre passageiros que se esqueceram de imprimir seus cartões de embarque, comentou: “Nós achamos que eles devem pagar 60 euros por serem tão estúpidos.” Noutra ocasião, discorrendo sobre o perfil de passageiros da Ryanair, disse: “Transportamos pessoas ricas em nossos voos? Sim, eu voei em um esta manhã e sou muito rico.”

Continua após a publicidade

“Low cost” no Brasil

A estreia das aéreas de baixo custo no Brasil se deu em 2001, quando a Gol começou a operar, inicialmente com uma frota de apenas seis aviões. Sua agressiva estratégia de preços, aliada à possibilidade de parcelamento de passagens (um diferencial do mercado local) proporcionou um crescimento exponencial nos primeiros anos – em cinco anos desde o início das operações, a Gol já tinha uma participação de mais de um terço do mercado brasileiro. Seguindo as práticas de seus congêneres no exterior, o serviço de bordo era simples: classe única de assentos e snacks, como barrinhas de cereal ou saquinhos de amendoim.

Já consolidada, a Gol foi posta à prova pela realidade cíclica da aviação comercial brasileira, tendo feito aquisições (em 2007, comprou a Varig e em 2011, a Webjet, outra “low cost” nacional) e se realinhado, com preços, estratégia e serviços, a concorrentes tradicionais, como a TAM. Ainda assim, se posiciona como de baixo custo. “A Gol continua a ser ‘low cost’, não vamos mudar nossa política tarifária”, afirmou Paulo Kakinoff, presidente da companhia, em julho de 2015.

Em dezembro de 2008, a Azul, uma nova empresa com princípios de baixo custo, começava suas operações no Brasil. Fundada pelo brasileiro-americano David Neeleman, que também criou nos EUA a “low cost” Jet Blue, a Azul inovou em algumas ofertas para o mercado local, como assentos com mais espaço e TV ao vivo a bordo. Sua estratégia e alcance foram fortalecidos em 2012, quando se fundiu com a regional Trip Linhas Aéreas.

A Azul transportou mais de 22 milhões de pessoas em 2015, e hoje atende mais de cem destinos no País e no exterior, considerada a maior malha aérea do Brasil. Com forte aposta na aviação regional e usando aeronaves de menor porte, como turboélices ATR 72, adequadas para rotas destinadas a cidades de médio porte, a empresa tem destinos antes não atendidos por outras companhias. É o caso, por exemplo, de várias cidades nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do País, que passaram por forte expansão econômica ou contavam com potencial turístico que justificaram a criação de rotas. E aí seus moradores finalmente começaram a andar de avião.

Publicidade

Tags Relacionadas

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Oferta dia dos Pais

Receba a Revista impressa em casa todo mês pelo mesmo valor da assinatura digital. E ainda tenha acesso digital completo aos sites e apps de todas as marcas Abril.

OFERTA
DIA DOS PAIS

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 9,90/mês

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 9,90/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.