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Saúde

Os males ocultos da poluição

Os ossos, a pele, o cérebro e até sua fertilidade são afetados por ela. Saiba até onde a poluição pode chegar dentro de você.

por Maria Clara Rossini Atualizado em 9 mar 2021, 08h50 - Publicado em 27 jan 2020 10h44

Texto: Maria Clara Rossini | Edição: Alexandre Versignassi | Design: Lucas Jatobá | Ilustração: Marcel Lisboa


Poluição é um detalhe. 99% dos gases que entram nos seus pulmões são uma mistura de nitrogênio com oxigênio, numa proporção de 78% para 21%. O outro 1% é basicamente argônio (0,93%), e aí vêm traços de CO2 e vapor d’água. Isso é o que a gente chama de “ar puro”. O perigo mora nos menos de 0,01% restantes.   

Ali entram pitadas de outros gases: dióxido de enxofre (SO2), monóxido de carbono (CO), dióxido de nitrogênio (NO2) – “temperos” que deveriam passar bem longe do seu corpo. Eles são responsáveis por agravar a asma, alergias, insuficiência respiratória, conjuntivites e, no caso do monóxido de carbono, até levar à asfixia.

E os gases nem são a pior parte da poluição nas cidades. Quem causa mais danos são as partículas sólidas suspensas no ar.

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Essa parte sólida da poluição tem nome e sobrenome: material particulado. Trata-se de uma selva de grãozinhos minúsculos, bem diferentes entre si. Tem de tudo ali: pedaço de motor de carro (na forma de poeira metálica), cimento (que voa das construções) e muita, mas muita fuligem – que deixa seu pulmão parecendo uma churrasqueira suja.

Nas cidades grandes, a maior parte desse material vem diretamente do escapamento dos carros. 63% do material particulado fino de São Paulo é de origem veicular, 18% vem das indústrias, e só os 19% restantes são liberados pelo ambiente naturalmente – na forma de pólen, por exemplo.

Esses compostos não são classificados pela sua origem, mas pelo tamanho. No jargão científico, vai do  PM10 até o PM2,5. A sigla é uma abreviação de “material particulado” em inglês, e o número seguinte equivale ao tamanho da partícula em milésimos de milímetro (os “micrômetros”). O PM10 designa os sólidos com diâmetro igual ou menor que 10 micrômetros, enquanto o PM2,5 é para partículas ainda menores que 2,5 micrômetros.

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Pense em um grão de areia bem fininho. Por minúsculo que seja, ele tem em média 100 micrômetros de diâmetro – dez vezes mais do que o maior tipo de material particulado. Por isso mal dá para senti-los enquanto você respira. Os mais perigosos para a saúde são até menores do que isso, podendo chegar a 0,01 micrômetro. Esses são, de longe, os mais abundantes no ar.

Não tem como escapar. A Organização Mundial da Saúde estima que nove a cada dez pessoas no mundo respiram ar altamente poluído. Ele já é responsável por 4,2 milhões de mortes anualmente – mais do que malária e os acidentes de trânsito juntos.

No imaginário popular, todos os problemas que a poluição causa estão ligados ao sistema respiratório. Diversas pesquisas feitas nos últimos anos, porém, mostram que o cenário é bem mais complexo. Os ossos, a pele e o cérebro sofrem com a presença da poluição. Ela até diminui a fertilidade e dificulta a vida de quem pretende ter filhos.

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Para além do pulmão

Quanto menor a partícula, mais fundo ela consegue penetrar no corpo. A via respiratória é a porta da frente para a entrada dos poluentes. Quando inalados, eles chegam até os alvéolos pulmonares, os responsáveis por enviar oxigênio para o sangue.

Lá nos alvéolos existe uma barreira formada por células “gigantes”, mil vezes maiores que o PM2,5. Esse obstáculo, então, é poroso o bastante para que partículas de 0,01 micrômetro cheguem ao sangue.   

Uma vez na corrente sanguínea, eles alcançam lugares inusitados do corpo. Estudos recentes relacionaram a presença de PM2,5 na atmosfera com casos de baixa densidade dos ossos, condição que aumenta o risco de osteoporose.

A hipótese é que as partículas afetem a produção do hormônio da paratireoide, responsável por regular a concentração de cálcio no sangue. Sem esse mineral, os ossos perdem massa e ficam mais suscetíveis a fraturas, principalmente em idosos.

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(Marcel Lisboa/Superinteressante)
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Para os mais jovens, há outros perigos. Já se sabe que os gases e o material particulado afetam a fertilidade tanto em homens quanto em mulheres. A quantidade e qualidade dos espermatozoides diminui, enquanto a ovulação fica desregulada. Mulheres grávidas que vivem em ambientes poluídos também geram filhas com uma reserva ovariana menor que a normal – e as consequências só aparecem quando elas entram em idade reprodutiva.

Casais que vivem em metrópoles poluídas levam mais tempo para engravidar do que aqueles que não estão expostos. “A chance de sucesso de um tratamento de fertilidade em uma cidade poluída é muito menor. Muitas mulheres procuram esse tipo de tratamento em São Paulo – e aqui é o pior lugar para se fazer isso”, diz a bióloga Mariana Matera Veras, chefe do Laboratório de Poluição Atmosférica da USP.

Mesmo que haja fecundação, não significa que a gravidez vá para a frente sem percalços. Altas concentrações de material particulado também estão relacionadas ao aumento de abortos espontâneos.

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Pois é. Assim que o espermatozoide fecunda o óvulo, ele deve grudar na parede do útero para se desenvolver. Acontece que a poluição também bagunça todo o ciclo menstrual e a preparação da parede uterina. Dependendo do grau de intoxicação, ela não consegue sustentar o feto. Um estudo feito com mais de mil mulheres na Mongólia examinou a relação entre abortos e a poluição sazonal em Ulaanbaatar, a capital do país. Não deu outra. O pico de aborto sempre acontecia nos meses frios – os mais poluídos, já que as temperaturas baixas dificultam a dispersão dos gases e das partículas.

44% dos paulistanos possuem algum problema de saúde decorrente da poluição atmosférica

O material particulado também pode entrar por outras vias, além do sistema respiratório. Da mesma forma que o material particulado consegue driblar as barreiras do pulmão, ele pode atravessar a pele. A principal consequência do acúmulo de poluentes na derme está, é claro, na aparência: rugas precoces, olheiras, manchas, acne.

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A queda de cabelo é um caso à parte. Um estudo de 2019 revelou o mecanismo de atuação do material particulado nas células do couro cabeludo. O PM10 afeta a produção de beta-catenina, uma proteína essencial para o crescimento de cabelo. Não menos pior: a exposição ao ar poluído ainda diminui a concentração de certas proteínas, responsáveis por manter
o cabelo bem preso na cabeça (a CK12, a ciclina D1 e a ciclina E).

Perder os cabelos, de qualquer forma, não é nada perto do que pode acontecer alguns centímetros abaixo do couro cabeludo: no cérebro.

Ainda se sabe pouco sobre como a poluição alcança e afeta a massa cinzenta. Uma pesquisa recente do Laboratório de Poluição Atmosférica, porém, traz uma pista.   

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Os cientistas observaram um acúmulo de poluentes no bulbo olfatório, a área do cérebro responsável por processar os cheiros. Conclusão: em vez de pegar carona pelo sangue, as partículas provavelmente usaram uma via expressa para chegar à massa cinzenta pelo epitélio olfatório. Ele fica no teto da cavidade nasal e tem acesso direto ao cérebro.

Ainda não há indícios de partículas de poluição em outras partes do cérebro, mas talvez ela chegue lá. A poluição já foi relacionada ao aumento de riscos de alzheimer, depressão e suicídio. A presença de partículas na hipófise, nosso principal controle hormonal, poderia explicar a relação entre a poluição e outras condições de saúde, como desregular o ciclo menstrual das mulheres.

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Microcosmo brasileiro

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(Marcel Lisboa/Superinteressante)

O Brasil está longe de ser um dos países mais poluídos do mundo. Esse posto fica com nações asiáticas abarrotadas de indústrias da área química e usinas termelétricas, como as áreas urbanas densamente populadas da China e Índia. Um estudo americano mostrou que uma breve viagem para esses locais já pode causar problemas respiratórios. Mas não é preciso ir tão longe assim. Se tem uma cidade brasileira que sabe bem o que é poluição, essa cidade é São Paulo.

Se você mora na maior metrópole do Brasil, você é fumante. Não tem como fugir. Pode ser em maior ou menor escala, mas é. Uma outra pesquisa feita pelo pessoal do Laboratório da USP avaliou o pulmão de mais de 400 cadáveres de moradores de São Paulo. As conclusões não foram animadoras. “Não dava para diferenciar quem era fumante e quem não era, de tanto material particulado que tinha lá”, disse Matera, que participou do estudo.

A quantidade de material particulado caiu pela metade em São Paulo desde 2006. mas a dose de exposição aumentou.

É como se todo paulistano fumasse pelo menos quatro cigarros por dia. Tanto os escapamentos como os cilindros de papel liberam monóxido de carbono e muito material particulado. O mecanismo dos dois é o mesmo: a combustão. A diferença é o que está sendo queimado – combustível ou tabaco. Para os pulmões, dá praticamente na mesma: vira tudo fuligem lá dentro.

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“Existe uma tatuagem de carvão no pulmão do paulistano. Você mede o tamanho dessa tatuagem e consegue saber o quanto a poluição equivale ao cigarro”, disse o médico Paulo Saldiva, que liderou a pesquisa.

O mais impressionante é que a poluição de São Paulo vem diminuindo – fruto da evasão das fábricas e das novas tecnologias veiculares, como catalisadores que filtram melhor os gases dos escapamentos. Entre 2006 e 2017, a quantidade de material particulado e monóxido de carbono caiu pela metade, enquanto o dióxido de enxofre hoje é apenas um terço do que era em 2006.

Mesmo assim, a dose de poluição por habitante aumentou. Sim. É que o tempo de deslocamento em grandes avenidas esfumaçadas hoje é maior, por conta do aumento no trânsito.

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Um paulistano típico passa em média três horas por dia indo e voltando do trabalho. Não é à toa. Desde 2006, a frota de veículos da metrópole quase duplicou – passou de 5 milhões para 8 milhões em 2018.

Ou seja: até quando a poluição diminui, ela aumenta. Por essas, enquanto não encontrarmos uma solução drástica para acabar com a fumaça, não há como discordar da ironia de Mariana Matera: “Se alguém perguntasse o que fazer para proteger a saúde, eu diria ‘pare de respirar’”.

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