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A Cidade da Montanha Magnética, construída por Stálin em uma anomalia geológica

Essa siderúrgica gigantesca, construída no sopé de um morro composto basicamente de minério de ferro, veio acompanhada do projeto urbanístico mais distópico do século 20.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
12 jul 2024, 18h00

Na extremidade sul da cordilheira dos Montes Urais, a 130 km da fronteira russa com o Cazaquistão, há uma montanha composta 60% por minério de ferro. A concentração de metal é tão grande por lá que essa anomalia geólogica desorienta as bússolas próximas – bem como os pássaros que se guiam pelo campo magnético da Terra. 

Em russo, o nome da dita-cuja é Gora Magnitnaya. Monte Magnético, em tradução literal. E a cidade localizada no sopé desse morro, por completa falta de inspiração, acabou batizada de Magnitigorsk algo como Cidade do Monte Magnético. Ela nasceu como vilarejo em 1743, atrelada a uma instalação militar do Império Russo construída pela Imperatriz Isabel da dinastia Romanov. 

Em 1752, dois empreendedores russos sacaram que o lugar era uma mina de ouro (ou melhor, de ferro, rs) e tentaram realizar os maiores devaneios da Vale por lá. Mas a coisa só deslanchou de vez depois da Revolução Russa.

Por volta de 1930, Stálin percebeu que o desenvolvimento dos EUA dependia de cidades como Pittsburgh e Gary, que giravam em torno de usinas siderúrgicas (essa indústria era tão pivotal que até hoje existe um time de futebol americano chamado Pittsburgh Steelers: os Siderúrgicos de Pittsburgh).

O tirano soviético queria fazer uma versão russa dessas cidades a tal ponto que chegou a contratar uma firma de consultoria americana, a Arthur G. McKee, para ajudá-lo a montar uma siderúrgica à imagem e semelhança da que havia em Gary. Lembre-se: na época, os dois países ainda não nutriam uma inimizade tão grande como a que viria depois da 2ª Guerra.

O lugar perfeito para essa empreitada, claro, era Magnitigorsk, cheia de ferro e vazia de gente. Ainda bem que popular o local não era problema.

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Por um lado, a União Soviética estava repleta de camponeses e operários famintos, resultado da estatização desastrada e violenta da agricultura.

Por outro, os anos 1930 foram um tempo projetos urbanísticos utópicos, e havia uma legião de ideólogos modernistas que sonhavam em projetar cidades do zero, seguindo devaneios teóricos que nada tinham a ver com a dinâmica natural de crescimento do tecido urbano.

Stálin abriu uma espécie de concurso, e recebeu vários planos utópicos. Por exemplo: uma equipe liderada pelo arquiteto Ivan Leonidov propôs uma cidade em forma de linha em que ficariam enfileiradas tanto as habitações e serviços básicos como a agricultura e a pecuária, de modo a eliminar a distinção campo-cidade: tudo seria produzido e comido in loco.

Uma ideia comum na época é que esse tipo de cidade linear fosse construída em paralelo às linhas de produção das fábricas. Cada operário viveria o mais próximo possível de sua estação de trabalho, de modo a minimizar o número e a duração dos deslocamentos no dia a dia.

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No final das contas, a cidade planejada não foi tão planejada assim. O arquiteto alemão Ernst May, trazido da Alemanha para bolar a versão final da cidade, mal teve voz: suas plantas ignoradas em diversos aspectos, e os trabalhadores começaram a subir prédios antes mesmo dele terminar o projeto.

Detalhe de um modelo de alumínio da siderúrgica Magnitogorsk no pavilhão da URSS na feira mundial de 1939, em Nova York.
(Sotavento / Getty Images/Reprodução)

A Magnitigorsk soviética foi erguida em questão de meses por prisioneiros dos gulags – os campos de trabalhos forçados em que Stálin encarcerou cerca de 18 milhões de opositores do regime (no mínimo 1,6 morreram de fome, frio ou exaustão).

Especificamente na cidade magnética, 10 mil pessoas pereceram nos primeiros cinco anos de obras. Nem todos eram inimigos políticos do regime: havia também família camponesas despejadas pelo Estado que não tinha opção além de aceitar o trabalho degradante no local. 

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Todos os dias, carrinhos passavam para recolher os corpos dos mortos nas barracas de acampamento em que as famílias dormiam; as vítimas mais comuns eram idosos e bebês. Para incentivar os trabalhadores, organizavam-se gincanas de construção civil.

No final das contas, o ferro de Magnitigorsk foi usado para fabricar metade dos tanques e um terço dos projéteis usados pela URSS na 2ª Guerra. Até hoje, 30 mil dos 400 mil habitantes trabalham na usina; praticamente todas as famílias da cidade têm ou tiveram um funcionário na MMK (como se chama a siderúrgica hoje).

Embora seus habitantes atuais se orgulhem de seu passado e presente na siderurgia (o time de hóquei no gelo local tem um nome em russo equivalente aos Steelers de Pittsburgh) eles pagam um preço alto: apenas uma em cada vinte crianças da cidade nasce sem nenhum problema de saúde.

Magnitigorsk é a terceira cidade mais poluída da Rússia contemporânea, e umas das que têm maior incidências de câncer. Nos anos 1950, hortas de repolho eram inviáveis por causa da terra contaminada.

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Enquanto isso, os prédiões de alvenaria dos esparsos quarteirões planejados por Ernst May se tornaram um problema, porque foram organizados com a circulação de ar em mente (como tudo era no século 20, após a descoberta dos primeiros patógenos e à aplicação de princípios higienistas à arquitetura). O vento e o frio cortantes da estepe russa fustigam os moradores até hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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