A ilusão da vida
Boécio viveu em um período de transição. Nasceu em 480, em Roma. Em 493, a cidade é conquistada pelos godos.
Antônio Madalena
Escrita no século 6, A Consolação da Filosofia é uma das obras mais fulgurantes da história do pensamento ocidental. Passados 15 séculos, o texto não perdeu nada do seu vigor, beleza e atualidade, pois se trata de um dos emblemas mais cristalinos da vitória do espírito sobre a barbárie. Boécio redigiu-a na prisão, enquanto, entre uma seção e outra de tortura, aguardava sua execução. Na cela ele vê surgir uma mulher imponente, da qual emana uma força extraordinária. É a Filosofia.
Boécio viveu em um período de transição. Nasceu em 480, em Roma. Em 493, a cidade é conquistada pelos godos. De família nobre, torna-se cônsul no governo de Teodorico, que precisa da aristocracia local para administrar e manter relações com Bizâncio, onde o Império Romano ainda se mantém. Mas, em 524, Boécio é envolvido numa suposta conspiração. Da noite para o dia, transforma-se de um dos homens mais importantes do governo a prisioneiro, provando a infelicidade.
Se Boécio perde as riquezas e o poder, a reflexão o faz ver o caráter ilusório desses bens. Boécio sofre porque esqueceu quem é – o que representa ser homem. Conduzido à percepção da felicidade, ele interroga a Filosofia sobre os sofrimentos que tantos padecem sob o jugo de tiranos. Harmonizando o Bem e a ordem cósmica com a liberdade do homem, a Filosofia lhe mostra que a única recompensa do bem consiste em sua própria ação. Pois aqueles que a ele renunciam simultaneamente renunciam a ser.