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Air France 447: uma das maiores tragédias da aviação

Um Airbus A-330 decolou do Rio rumo a Paris em 2009, mas caiu no Atlântico e deixou 228 mortos. Entenda o desastre.

Por Redação Super
Atualizado em 21 fev 2020, 07h35 - Publicado em 19 jul 2015, 12h37

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A noite caía sobre o Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim, no Rio de Janeiro, quando o voo 447 da Air France zarpou rumo a Paris. A bordo, havia nove comissários, três pilotos e 216 passageiros. Quatro horas após a decolagem, contudo, todos estavam sepultados na escuridão abissal do Oceano Atlântico – e durante os dois anos seguintes, muitos passageiros ficariam em seus assentos, presos aos cintos de segurança, a 3 mil metros de profundidade.

O comandante do voo era Marc Dubois, 58 anos, veterano com mais de 11 mil horas de voo. Sentado à sua direita, o copiloto Pierre-Cédric Bonin, 32 anos. Era menos experiente que o companheiro: até aquele dia, voara cerca de 3 mil horas.

Naquela viagem, contudo, caberia a Bonin a responsabilidade de operar a aeronave. O veterano mantinha o posto de capitão do voo, mas trabalharia como piloto assistente – um revezamento rotineiro entre tripulantes, estipulado pela própria companhia. Embora sem pilotar o avião, era Dubois quem tomava as decisões.

Quatro minutos após a decolagem, foi acionado o sistema de piloto automático – que deveria ser mantido até pouco antes do pouso, no Aeroporto Internacional Charles de Gaulle. Das 3 mil horas de voo de Bonin, a maior parte ocorrera com o piloto automático acionado. Ao contrário de Dubois, ele tinha pouca experiência em comandar uma aeronave com as próprias mãos.

No início, a noite estava clara e tranquila. Lá adiante, contudo, sobre as águas do Atlântico, o tempo estava revolto: imagens de satélite mostravam uma linha de temporais com relâmpagos e trovões. Esse tipo de instabilidade é comum no espaço conhecido como Zona de Convergência Intertropical – uma espécie de anel de intempéries que envolve o planeta à altura da linha do Equador, onde se entrechocam os ventos originários dos Hemisférios Sul e Norte. E era exatamente por ali que o avião da Air France deveria passar.

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As primeiras horas de viagem transcorreram com poucas palavras. Dubois e Bonin não se conheciam. Com fones de ouvido, o piloto veterano escutava uma ópera. Em determinado momento, num gesto de camaradagem, ofereceu o pequeno aparelho de som ao copiloto. Bonin escutou os movimentos finais da melodia e comentou: “Só nos falta um uísque!” Mas, quando Bonin olhou a previsão do tempo, seu bom humor começou a se desvanecer.

“Se os radares avisam que haverá esse tipo de formação meteorológica, o melhor é adotar um desvio”, opina o comandante Marcelo Ceriotti, diretor jurídico do Sindicato Nacional dos Aeronautas. “O desvio é uma decisão que envolve vários fatores, como tráfego aéreo e combustível. E essa análise tem de ser feita na hora, sem muito tempo para pensar.” Naquela noite, o capitão Dubois decidiu manter o curso.

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Quanto mais se aproximava a zona das intempéries, mais nervoso Bonin ia ficando. Diversas vezes, sugeriu que aumentassem a altitude da aeronave. Voando acima das nuvens, dizia ele, poderiam escapar do anel de tempestades.

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O experiente Dubois, contudo, parecia não estar preocupado. Segundo ele, bastava fazer um zigue-zague entre as nuvens, evitando as zonas mais turbulentas. Além disso, o avião já estava próximo da altura máxima recomendada. Por volta das 23 horas, Bonin avistou uma mancha negra no céu, a cerca de 300 quilômetros. “Tem um troço bem na nossa frente”, alertou. “Vamos esperar um pouco e ver se passa”, foi a resposta do comandante.

Nesse momento, com a tempestade escurecendo o céu logo à frente, Dubois resolveu tirar um cochilo – intervalos de descanso são procedimento padrão em longas viagens. O capitão chamou o segundo copiloto, David Robert, de 37 anos, que estava dormindo no pequeno quarto reservado aos pilotos, à saída do cockpit. Enquanto Dubois deitava-se em um dos beliches, Robert assumiu seu lugar na cabine de comando.

Nisso, o avião entrou em uma turbulência. Nesse momento, os avisos para apertar os cintos se acenderam no compartimento de passageiros. O avião começou a balançar – mas nada fora do normal em uma travessia do Atlântico. Dois minutos depois, a turbulência piorou. Os comissários foram instruídos a permanecerem sentados – sinal inconfundível de tempo feio para viajantes experientes. Mas não há indícios de nervosismo entre os passageiros. Quem estava nervoso era Bonin, o copiloto.

Após soltar uns palavrões em francês, Bonin sugeriu mais uma vez que aumentassem a altitude. “Você pode simplesmente fazer um desvio para a esquerda”, respondeu Robert – na falta do comandante, era ele o piloto sênior, com cerca de 6 mil horas de experiência de voo. Bonin obedeceu. Por azar, o desvio os levou a uma zona ainda mais instável. Sem que os pilotos percebessem, cristais de gelo começaram a se acumular nos tubos de pitot – sistemas de medição localizados nas asas, que fornecem indicações de velocidade aos pilotos.

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Com os medidores congelados, os mostradores de velocidade no painel pararam de funcionar. Isso fez com que o piloto automático se desconectasse. Agora, seria preciso pilotar o avião manualmente. Bonin puxou com toda a força a alavanca que comanda o ângulo do avião – que, no Airbus, parece um joystick. Ao fazer isso, empinou o nariz do Airbus , que subiu alguns metros e começou a estolar – ou seja, passou a voar em um ângulo de viés, impedindo que o ar fluísse por cima das asas. Por isso, começou a perder velocidade – e, pior ainda, a sustentação.

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Até hoje, não se sabe por que Bonin fez aquilo. Talvez por jamais ter pilotado um avião em uma turbulência, talvez por sua obsessão em aumentar a altitude para fugir do temporal. Nesse ponto, o nervosismo dominou também David Robert. Em vez de assumir o controle do avião, o segundo copiloto limitou-se a apertar freneticamente a campainha do quarto ao lado, tentando despertar Dubois. O capitão levou um minuto e 17 segundos para acordar. Tempo demais.

Para alguns especialistas, a ausência do comandante na cabine, naquele momento crucial, pode ter sido o fator decisivo. “Nesse ponto, a legislação brasileira é mais inteligente que a francesa. Em nossos aviões, sempre tem de haver um comandante na cabine. Por isso, as tripulações têm sempre ao menos dois comandantes. Enquanto um descansa, o outro fica no cockpit”, diz Ceriotti. “No entanto, nos aviões franceses, há apenas um comandante, e ele pode deixar a cabine nas mãos dos copilotos. Em casos de adversidades, é preciso sempre haver alguém com muita experiência de voo ara lidar com a situação.”

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Quando o capitão entrou no cockpit, a velocidade da aeronave era de apenas 198 quilômetros por hora – mas a perda de altitude era de 3 mil e 4oo metros por minuto. Nesse momento, alguns passageiros podem ter notado que o avião voava de forma estranha; as pessoas sentadas nas fileiras da frente provavelmente ouviram os alarmes que soavam dentro do cockpit. Contudo, até o momento final, não há registros de pânico na cabine dos passageiros. Turbulências, enfim, são comuns naquela zona. Talvez esse fosse apenas mais um temporal. A maior parte das pessoas não deve ter notado que estavam caindo.

Ao entrar na cabine, Dubois certamente percebeu que o avião perdia altitude. Durante 23 segundos, o veterano ficou em silêncio – outro detalhe sem explicação. Momentos antes do impacto contra as águas, Robert e Bonin exclamaram em uníssono: “Merda, estamos mortos!” Desde o início da crise, haviam se passado quatro minutos. Foi o suficiente para que o avião se espatifasse no Atlântico. Os ocupantes do voo morreram todos no impacto. Cinquenta corpos vieram à tona nas horas seguintes, mas a maioria dos destroços só foi encontrada dois anos depois, a 4 mil metros de profundidade. Mais fundo que o Titanic.

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Turbinas, trem de pouso e fuselagem achados a 4 mil metros de profundidade. (Relatório oficial da BEA/Montagem sobre reprodução)
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