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Bem-vindo à Matrix

Olhe à sua volta. Perceba os detalhes da sua cadeira, do lugar em que você está, da textura das suas roupas, do barulho ao fundo e das cores nesta página.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 6 out 2017, 17h18 - Publicado em 30 abr 2003, 22h00

Teologia, inteligência artificial, filosofia, ciência futurista. E mais: efeitos especiais inéditos, legiões de fãs extasiados e uma mistura intoxicante de cinema e videogame. Mergulhe na alma de um dos filmes mais bem-sucedidos da história e saiba por que os cientistas acham que ele é muito mais do que uma obra de ficção

Olhe à sua volta. Perceba os detalhes da sua cadeira, do lugar em que você está, da textura das suas roupas, do barulho ao fundo. Parecem reais? Eles não poderiam ser, por exemplo, uma simulação feita por um enorme sistema de inteligência artificial? Você pode achar que não, porque eles sempre estiveram ali e –ao contrário dos computadores, cadeiras nunca travaram de uma hora para outra. Mas pense novamente. Existem muitas pessoas, muito inteligentes, que acham que isso pode ser verdade. Para elas, o mundo talvez não seja como imaginamos. Há até quem acredite que temos 25% de chances de viver mesmo em uma simulação de computador. Ou seja, talvez a trilogia iniciada em 1999 com o filme Matrix não seja tão despropositada quanto parece.

O debate vem em boa hora. Estréia no dia 23 deste mês o filme Matrix Reloaded, a esperada continuação do filme que descreve um futuro em que as máquinas mantêm a humanidade presa a uma enorme simulação da nossa realidade, a Matrix.

O terceiro filme, Matrix Revolutions, chega seis meses depois, em novembro. A estratégia dos produtores é a mesma dos robôs que criaram a simulação – preencher todos os sentidos das pessoas até que elas não consigam mais sair do mundo que eles inventaram. Junto com Reloaded, chega às lojas o videogame Enter the Matrix, que é também uma continuação da história. Pela primeira vez o jogo e o filme foram feitos juntos, como se fossem uma coisa só. Os atores, diretores, produtores, coreógrafos e cenários do videogame são os mesmos de Matrix Reloaded – em um dia eles filmavam as cenas do cinema e no seguinte, as do jogo. O resultado é que quem se aventurar no joystick não só verá uma hora a mais de história como entenderá melhor algumas das passagens do filme. Rosana Sun, uma das produtoras do jogo, explicou ao jornal americano USA Today como será essa interação. Em Reloaded, por exemplo, há uma cena em que os personagens discutem um plano para colocar bomba em um prédio de segurança.

O videogame traz a continuação da conversa e coloca o jogador para comandar os personagens durante a missão. Para distrair a espera entre os dois filmes, será lançado, em 3 de junho, Animatrix, um vídeo e DVD com nove animações em estilo japonês, os animes, inspiradas nos filmes. Quatro delas estão disponíveis de graça na internet, no endereço https://www.theanimatrix.com.br.

A idéia é repetir o sucesso do primeiro filme, que ganhou quatro Oscars, arrecadou 460 milhões de dólares no mundo todo e foi o primeiro DVD a vender mais de 1 milhão de cópias. Mais do que isso, as seqüências de ação em câmera lenta, as lutas coreografadas, as roupas e os temas cyberpunk serviram de inspiração para dezenas de filmes, videogames e propagandas que surgiram depois. Poucas coisas em Hollywood foram tão plagiadas quanto o efeito tempo de bala – o impressionante truque em que a câmara gira 360 graus ao redor de uma cena. “Matrix conseguiu misturar estilo e substância de uma maneira que outros filmes não foram capazes”, afirma o filósofo Christopher Grau, da Universidade da Flórida, organizador de uma seção do site oficial do filme chamada “A Filosofia de Matrix”. Espera um pouco… filosofia? “É, o filme levanta um número surpreendente de questões filosóficas. Elas dão peso e substância ao que, de outro modo, seria apenas um filme cheio de estilo”, diz Grau.

Para as poucas almas que não viram Matrix, ele conta a história do hacker Thomas (Keanu Reeves), também chamado de Neo, que encontra um cara cheio de truques chamado Morpheus (Laurence Fishburne). Ele toma uma pílula vermelha e descobre então que todo o nosso mundo é uma realidade simulada por computadores, um enorme mundo virtual chamado Matrix. A verdadeira realidade é um futuro em que as máquinas tomaram conta do mundo e mantêm os humanos em pequenas cápsulas, onde sua energia é usada para abastecer um gigantesco sistema de inteligência artificial enquanto a mente deles é mantida em uma espécie de sonho que chamamos de realidade. Morpheus é o líder de um grupo de rebeldes que quer nos libertar das máquinas e acredita que Neo é o esperado salvador da humanidade, algo como um novo messias. Depois de muito treinamento, golpes de kung-fu, roupas sombrias e armas pesadíssimas, Neo consegue transcender a realidade de Matrix, desafiar as leis da física e ganhar poderes sobre-humanos.

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O enredo não traz só questões filosóficas. O filme é uma salada de vários tipos de arte , feita pelos enigmáticos irmãos Larry e Andy Wachowski, responsáveis pelo roteiro e direção do filme. Entre as poucas informações que circulam a respeito deles está a de que devoram todo tipo de livro, de tratados filosóficos a histórias em quadrinhos. Talvez por isso, o filme tem ligações com muitas tecnologias e previsões feitas hoje pelos cientistas, além de citações a várias obras literárias. Os pequenos detalhes escondidos nas cenas do filme foram um dos principais fatores que levaram o DVD a bater recordes – os fãs assistiam dezenas de vezes para perceber, por exemplo, que os objetos são predominantemente verdes no mundo da simulação e azuis na realidade. No entanto, a área de onde os diretores mais tiraram citações, nomes e referências foi o campo das religiões.

Acorde, neo

“Os humanos eram ignorantes do que não podiam ver. Havia muitas ilusões, como se eles estivessem mergulhados no sono e se encontrassem em pesadelos. Eles estavam fugindo, perseguindo outros, envolvidos em ataques, caindo de lugares altos ou voando mesmo sem ter asas. Quando acordam, eles não vêem nada. Ao deixar a ignorância de lado, não estimam suas obras como coisas sólidas, mas as deixam para trás como um sonho.” Essas palavras poderiam muito bem ser ditas por Morpheus em um de seus discursos a Neo, mas na verdade são trechos do Evangelho da Verdade, um manuscrito do século 4 encontrado em 1945 em um jarro enterrado no Egito. Ele faz parte de um conjunto de manuscritos chamado Nag Hammadi, que descreve a crença dos gnósticos, um grupo de cristãos que viveu entre os séculos 2 e 5 e possuía suas próprias escrituras, crenças e rituais. “É a corrente cristã que mais se assemelha à Matrix.

Eles acreditavam que nós iríamos acordar do mundo material e perceber que essa não era a realidade verdadeira”, afirma a professora de história da religião Frances Flannery Dailey, do Hendrix College, nos Estados Unidos.

Não são poucas as referências que o filme faz ao cristianismo. Neo é tido como um messias e ressuscita no final do filme. Ele é amigo de Apoc (apocalipse) e Trinity (“trindade” em inglês). A última cidade humana, Zion, é uma referência a Sião, a antiga terra dos judeus, e a nave de Morpheus, Nabucodonosor, tem o nome do rei babilônico que aparece na Bíblia com um sonho enigmático que precisa ser decifrado.

Nenhuma religião, no entanto, tem tantas semelhanças com o filme quanto o budismo. O principal ponto em comum é a idéia de samsara ou maya, segundo a qual as nossas vidas são uma grande ilusão montada pelos nossos próprios desejos. É como se todo o mundo fosse, como diz Morpheus, “uma projeção mental da sua personalidade”. As pessoas estariam presas em um ciclo: elas tratam o que sentem como se fosse real e a ignorância de que aquilo é só uma ilusão as mantém presas a esse mundo. Em uma das cenas do filme, Neo encontra uma criança com trajes de monge budista que entorta uma colher com a mente. O segredo, diz ela, é saber que a colher não existe. Uma vez superada a ilusão, atinge-se o nirvana, um estado que as palavras não podem descrever, em que a noção de indivíduo se perde.

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Um dos maiores reforços desse ciclo de ignorância é o fato de estarmos cercados de pessoas que também tratam as ilusões como se fossem reais. “Essa idéia foi bem retratada no filme como uma rede de computadores que liga as percepções dos indivíduos, permitindo que um reforce no outro a ilusão de um mundo que não existe”, diz a historiadora Rachel Wagner, da Universidade de Iowa, que, assim como Frances, é autora de um texto comparando o filme às religiões.

O caminho para a transcendência é a busca pessoal pela iluminação, tanto para os budistas quanto para Morpheus, que afirma que “ninguém pode explicar o que é a Matrix. Você precisa ver por você mesmo”. Já Buda disse a seus seguidores: “Vocês próprios devem fazer o esforço; os que despertaram são apenas professores”, e a mesma explicação poderia vir de Morpheus: “Estou tentando libertar sua mente, Neo. Mas eu só posso lhe mostrar a porta. Você é quem tem que atravessá-la”. Pegou o espírito da coisa?

As coincidências são muitas, mas a essa altura você pode estar se perguntando se afinal os autores do filme realmente pensaram nisso tudo. Em uma de suas poucas declarações, os irmãos Wachowski disseram ser fascinados pelo budismo e querer colocar elementos da doutrina no filme. Boa parte das referências ao cristianismo também deve ser proposital devido ao grande número de termos bíblicos que aparece na obra. Eles talvez só não tenham tido a intenção de fazer uma alusão direta ao cristianismo gnóstico. Para os pesquisadores, isso é até mais interessante. “Não há certeza sobre a origem do gnosticismo. Algumas pessoas sugerem que ele surgiu da interação entre o judaísmo e religiões como budismo e hinduísmo. Se os autores do filme misturaram conceitos judaico-cristãos com temas orientais e o gnosticismo surgiu como um resultado não-previsto, isso é muito intrigante”, afirma Frances. Para aumentar a coincidência, o nome de Neo na vida real é Thomas, que também é o autor do principal evangelho gnóstico.

A discordância entre o filme e todas essas religiões é que, em Matrix, a salvação envolve muito quebra-pau. Enquanto as crenças pregam a paz e a não-violência, a exigência de Neo para salvar Morpheus são “armas, muitas armas”. A pancadaria não vai mudar nas continuações. O clímax de Reloaded é uma longa perseguição em uma rodovia que deverá inspirar a maioria das cenas de ação dos próximos anos. Nada menos do que lutas de kung-fu no teto de um caminhão em movimento, corridas de moto na contramão, agentes pulando de um automóvel para outro e batidas suficientes para lotar dezenas de ferros-velhos. A cena foi a primeira a ser filmada. Para fazê-la, era preciso achar uma estrada que pudesse ser ocupada durante mais de dois meses e que, ainda por cima, tivesse um certo aspecto apocalíptico. Compreensivelmente, os diretores não encontraram um lugar adequado. A solução foi desembolsar 2,4 milhões de dólares para construir uma rodovia de 3,2 quilômetros com todos os detalhes em uma base naval na Califórnia, Estados Unidos. Bancar uma brincadeira dessas só foi possível devido aos mais de 300 milhões que eles tinham para fazer os dois filmes, uma quantia enorme até para os padrões de Hollywood.

A realidade é um sonho

Não são só as religiões que aparecem retratadas no filme. Quem passear pelos fóruns de fãs na internet verá pessoas comparando-o às mais diversas (e às vezes contraditórias) correntes da filosofia, psicologia e sociologia. “É uma evidência de que o filme funciona como um mito moderno – assim como as grandes histórias do passado, ele pode ser interpretado de muitas formas”, diz Christopher Grau. Algumas pessoas forçam um pouco a barra nas análises, mas existem algumas teorias que se encaixam tão bem ao filme que, se o autor estivesse vivo, poderia quase processar os diretores por plágio.

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O principal deles é o filósofo grego Platão. Um diálogo escrito por ele há quase 2 400 anos narra o mito da caverna, uma história semelhante à de Matrix em uma versão, evidentemente, muito mais low-tech. Imagine uma prisão subterrânea em que as pessoas ficam amarradas ao mesmo lugar desde a infância e onde tudo o que conseguem ver são sombras das pessoas e objetos que estão fora. O cárcere é tão eficiente que eles nem percebem que estão presos e pensam que o mundo é mesmo aquele monte de sombras. Caso saíssem, estariam praticamente indefesos – as pernas não funcionariam, os olhos não conseguiriam enxergar e até a mente se recusaria a aceitar o novo mundo. Seria tão chocante que muitos prefeririam voltar para a caverna e esquecer tudo aquilo. Alguns, no entanto, conseguiriam se adaptar, perceber o horror da situação inicial e ter um conhecimento superior e mais verdadeiro sobre o mundo.

Nós humanos seríamos iguais a esses prisioneiros, amarrados a um mundo de aparências que não refletem a verdadeira realidade. A saída, segundo Platão, está na filosofia, na educação e na iluminação. Elas são o caminho para o mundo das formas ou das idéias (os gregos usavam a mesma palavra para as duas coisas), o lugar onde está a essência das coisas, a realidade verdadeira. Soou familiar? Os conselhos de Morpheus também valem para Platão: para chegar lá é preciso um doloroso processo de autoconhecimento que, uma vez conseguido, torna a pessoa sábia, justa e capaz de discernir a realidade da ilusão com a mesma facilidade com que Neo se desvia das balas. Com essa linha de pensamento, Platão se tornou um dos pais da ciência moderna. “O filme lida com temas comuns a quase toda a história da filosofia.

Ele não especifica uma teoria ou uma concepção filosófica, apenas brinca com a diferença entre o inteligível e o que a gente vê”, afirma o filósofo Verlaine Freitas, da Universidade Federal de Ouro Preto, que pesquisou as implicações teóricas do filme.

Assim como Morpheus pergunta a Neo se ele já teve um sonho tão real a ponto de se questionar se era sonho ou realidade, René Descartes, pensador francês do século 18, escreveu: “Quando penso sobre meus sonhos claramente, vejo que nunca existem sinais certos pelos quais estar acordado pode se distinguir de estar dormindo. O resultado é que fico tonto e esse sentimento só reforça a idéia de que eu posso estar sonhando”. Ele imaginou a possibilidade de um terrível demônio estar constantemente lhe dando a ilusão de que todas as suas certezas são corretas, quando na verdade elas não fariam qualquer sentido. Mesmo em coisas simples como calcular 2 mais 2, o demônio forneceria sempre os mesmos resultados errados, o que daria a impressão de que eles estão sempre certos. Descartes conclui que, como não podemos provar se esse demônio existe ou não, nenhuma de suas opiniões era segura.

Ele e diversos filósofos que vieram depois propuseram saídas para essa cilada filosófica, mas as soluções estão longe de serem aceitas por todos. A questão de se esse demônio existe ou não continua de pé até hoje e é quase igual a outra questão: como garantir que não vivemos na Matrix? Por enquanto, a resposta é, simplesmente, que não há resposta.

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Para fundir ainda mais a cabeça dos fãs, os produtores de Matrix estão se esforçando para dificultar a distinção entre sonho e realidade. Os efeitos especiais do filme receberam um belo upgrade: uma técnica chamada cinematografia virtual, capaz de fazer o truque de tempo de bala parecer um vídeo de festa infantil. A invenção simplesmente elimina a diferença entre o que foi filmado no mundo real e o que é obra do computador. O modo convencional de simular objetos com computação gráfica é montá-los de dentro para fora: primeiro fazer o esqueleto, depois cobri-lo com texturas e daí aplicar a iluminação. Essas imagens, vistas por seres humanos como nós, capazes de fazer e reconhecer mais de 10 mil expressões faciais, parecem no máximo um videogame melhorado. A equipe de Reloaded e Revolutions usou uma abordagem diferente, de fora para dentro. Ela filmou os atores utilizando, ao mesmo tempo, cinco câmeras de definição gigantesca, capazes de captar até os poros e defeitos da pele.

Depois jogou todo esse material em um software que acompanhou os movimentos de cada irregularidade do rosto e montou a cena, em três dimensões, no computador. Os diretores puderam então filmar do ângulo e com o movimento que quisessem. O resultado é impressionante: em uma cena de Reloaded, Neo luta contra 100 cópias de seu maior adversário, o agente Smith, todas geradas por computador, enquanto o enquadramento faz movimentos em arco que destruiriam qualquer câmera de verdade.

O deserto do real

As próprias tecnologias usadas para fazer o filme, com uma estranha ironia, podem dar origem aos primeiros protótipos do que seria a Matrix. Um exemplo é o plano da agência de pesquisa militar do governo americano, a Darpa, que pretende utilizar os mesmos efeitos especiais para criar simulações de campos de batalha mais envolventes. Outras tecnologias que aparecem no filme – computadores inteligentes e a capacidade de carregar informações diretamente ao cérebro – podem ser feitas em algumas décadas, ao menos segundo os pesquisadores mais otimistas. “Esses avanços são viáveis e têm uma boa possibilidade de se tornarem reais ainda durante o nosso tempo de vida”, afirma Ray Kurzweil, um dos mais renomados estudiosos de inteligência artificial. Para ele, o motivo é que as tecnologias de diversas áreas têm evoluído em uma escala exponencial, ou seja, elas não só estão se tornando mais rápidas e sofisticadas como a velocidade com que evoluem também está aumentando.

Haverá um ponto em que se tornarão tão avançadas que conseguiremos analisar o cérebro humano em seus mínimos detalhes e reconstruí-lo artificialmente. Isso nos permitirá fazer máquinas com algumas características humanas e até misturar neurônios a circuitos eletrônicos para que os dois possam trocar informações.

Existem outros cientistas um tanto mais céticos a esse respeito. Há muita dúvida sobre se é possível reproduzir artificialmente o que o ser humano tem de mais desenvolvido, traços como a consciência, as emoções e o humor. “Certamente um cérebro feito com tecidos biológicos pode ser consciente – somos um exemplo dessa possibilidade. Se utilizarmos outros materiais teremos propriedades diferentes, mas é pouco provável que seja algo que reconheceremos como uma consciência humana”, afirma o psicobiólogo Victor S. Johnston, da Universidade do Novo México, nos Estados Unidos. Essa é outra questão que está longe de ser respondida, mas o interessante é que, para Johnston e muitos outros psicobiólogos, a nossa consciência é uma espécie de realidade virtual. “Ela evoluiu para impor uma interpretação específica das energias e matérias que estão à nossa volta”, diz Johnston. Nada no Universo é, por exemplo, vermelho ou verde em si mesmo.

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O que existem são ondas eletromagnéticas de determinadas freqüências que são captadas pelos nossos olhos e interpretadas de modo a facilitar a identificação. Assim, objetos que emitem determinadas ondas são chamados de vermelhos e outros, com ondas quase nada menores, são chamados de verdes, apenas para facilitar a identificação. Ao longo do tempo, a evolução permitiu adaptarmos nossas emoções ao que é benéfico para nós. Assim, as substâncias emitidas por comidas podres são fedorentas e com isso as evitamos mesmo sem conhecer as bactérias que as contaminam. Da mesma forma, a perda de um companheiro é triste, o açúcar (que fornece energia) é gostoso e o sexo (que perpetua a espécie) é prazeroso. “Não existem cores, cheiros, gostos ou emoções sem um cérebro consciente. O mundo da nossa consciência é uma grande ilusão”, afirma Johnston.

Matrix está em toda parte

Construir uma consciência artificial teria implicações muito maiores do que uma série de agentes Smith circulando por aí. Talvez isso seja a própria prova de que a nossa realidade seja de fato uma simulação por computador. Quem garante é o filósofo Nick Bostrom, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, que trabalhou com a possibilidade de um dia criarmos programas de computador que tenham consciência. Em um artigo publicado no mês passado na revista britânica Philosophical Quarterly, ele calcula que existam apenas três possibilidades para o futuro da humanidade. A primeira é que nós seremos extintos antes de construir esses programas, por azar ou porque eles são simplesmente impossíveis de serem feitos. A segunda é que, mesmo que nós possamos fazê-los, não haverá interesse da humanidade em inventá-los, talvez por problemas éticos. A terceira, mais perturbadora, é que nós um dia inventaremos essas consciências simuladas e universos virtuais inteiros para que elas tenham onde viver.

Nesses casos, as chances de alguém ter feito isso antes são muito grandes, e nós talvez fôssemos uma dessas simulações. “Seríamos como na Matrix, com a única diferença de não termos um corpo em outra realidade. O cérebro também seria simulado”, diz Bostrom. Tudo bem, sempre resta a esperança de que nós fôssemos o grupo que criou todas as consciências virtuais, o que ele chama de “história original”, mas isso seria muito improvável. Para Bostrom, existiriam tantas simulações que precisaríamos de muita sorte para estarmos justamente no único Universo que é real. “As platéias para quem eu apresentei essa teoria ficaram intrigadas, mas por enquanto ninguém achou uma falha no meu argumento”, diz Bostrom. A questão agora é descobrir qual das três propostas é a mais provável – o palpite dele é que seja a segunda, e que as chances de que habitemos um mundo virtual estejam em torno de 25%.

Mesmo que o nosso mundo seja apenas uma realidade simulada, é possível que nossa vida não mude tanto. Afinal, já somos bombardeados tanto por notícias de lugares distantes, detalhes da vida de celebridades, programas de televisão, anúncios, filmes e tantas fotos e imagens que os nossos próprios assuntos ocupam um pedaço cada vez menor do nosso tempo. Essa é uma das teorias do único filósofo citado em Matrix, o francês Jean Baudrillard, autor do livro Simulacros e Simulação, onde Neo esconde os disquetes no início do filme. O curioso é que Baudrillard estaria mais para Cypher – o rebelde que trai o grupo para voltar para a ilusão da Matrix – do que para Morpheus. “Baudrillard prefere trabalhar com a ironia e com os paradoxos a procurar um mundo mais verdadeiro”, diz Juremir Machado da Silva, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, tradutor de muitas das obras do autor.

O próprio universo de Matrix, com suas cenas, efeitos e histórias envolventes, é capaz de nos transportar para um outro mundo que não vivemos e fazer com que nós fiquemos alegres, ansiosos e emocionados com acontecimentos que não fazem parte da nossa vida. Se os autores quiserem continuar nessa linha, é possível que, depois de tantas lutas e reviravoltas, Morpheus, Neo e os demais rebeldes percebam que a realidade que tanto lutaram para libertar não é muito mais real do que a que viviam na Matrix.

Tudo é um computador

O Universo pode ser o mais poderoso simulador existente

Qualquer coisa pode ser um processador. Jogue uma moeda para o alto e você terá um tipo de informação – cara ou coroa – que poderá ser traduzida de infinitas formas: ganhar ou não ganhar, sim ou não, zero ou um, existir ou não existir. Cada opção é igual ao tipo mínimo de informação utilizada pelos computadores – os bits – e, ao modificá-la, podemos dizer que a moeda está processando dados.

Agora imagine o movimento de cada átomo que existe no Universo. Ele também se desloca no espaço, oscila entre um número de estados possíveis e, dessa forma, funciona como um processador. Tudo o que existe no Universo segue essa lógica. Você e a revista à sua frente, só por existirem, por evoluírem com o tempo, estão processando informação. O universo é, na verdade, um enorme computador.

O físico John Archibald Wheeler, criador do termo buraco negro, pesquisou idéias como essas ao longo dos anos 80 e concluiu que, em um nível ainda mais básico do que quarks, múons e as menores partículas que conhecemos, a matéria era composta de bits. “Cada partícula, cada campo de força e até mesmo o espaço-tempo derivam suas funções, seu sentido e sua existência de escolhas binárias, de bits. O que chamamos de realidade surge em última análise de questões como sim/não”, afirmou Wheeler em uma palestra feita em 1989. É como se, em um determinado nível, a matéria se tornasse tão pequena que tudo o que sobra é a informação.

“A teoria descreve fenômenos tão básicos que talvez nem seja possível um dia testá-la, mas existem pesquisas muito sérias sendo feitas nessa área”, afirma o físico Paulo Teotônio Sobrinho, da Universidade de São Paulo.

A teoria deu origem à ciência da física digital, que possui uma maneira bem peculiar de descrever os fenômenos. Quando, por exemplo, um átomo de oxigênio se junta a dois de hidrogênio para formar água, é como se cada um usasse as questões do tipo sim/não para avaliar todos os possíveis ângulos entre eles até optar pelo mais adequado. No final, a impressão é que os átomos fizeram uma simulação dos processos físicos. Se tudo for mesmo feito de bits, o Universo poderá ser uma enorme simulação, muitas vezes mais potente que a Matrix. É preciso um enorme poder computacional para rodar todos esses processos, o que inspira os cientistas a construir computadores quânticos capazes de aproveitar grande parte dessa potência.

Uma questão que surge então é que tipo de programa o Universo estaria rodando. É possível que o software de todas as coisas seja simples, com talvez não mais de quatro instruções repetidas muitas vezes. Quem afirma é Stephen Wolfram, um físico que completou seu doutorado aos 20 anos, criou aos 27 o bem-sucedido software Mathematica e se tornou milionário. Dedicou então os 15 últimos anos para desenvolver sua teoria, divulgada no ano passado.

A idéia é simples: faça uma linha de quadrados e pinte um deles de preto. Desenhe outra igual embaixo e, na hora de colorir, invente regras simples, como deixar pretos somente os espaços que tiverem uma outra célula escura na diagonal superior. Repita a operação milhares de vezes. Dependendo do caso, é possível construir imagens de enorme complexidade com apenas três ou quatro regras. A figura que aparece aqui, no fundo deste texto, utiliza apenas sete instruções para formar padrões que surgem e interagem de forma bastante complexa.

O Universo poderia funcionar da mesma forma, com regras simples elaboradas no início dos tempos, repetidas até gerar todas as coisas que conhecemos. Assim como a figura aqui atrás, seríamos apenas padrões interagindo com complexidade. Apesar de ter causado um grande alvoroço, grande parte da comunidade científica não está convencida de que a regra de Wolfram seja universal. Portanto, uma Matrix que simulasse todo o nosso Universo com certeza precisaria de um enorme processador. Resta saber se necessitaria de um software sofisticado.

 

 

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