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Brasil na 2ª Guerra Mundial: a conquista de Monte Castello

Uma breve história da também breve – mas corajosa – participação brasileira no maior conflito da história.

Por Ricardo Bonalume Neto
Atualizado em 31 ago 2018, 18h49 - Publicado em 31 jan 1995, 22h00

Em 21 de fevereiro de 1945, os pracinhas da FEB, Força Expedicionária Brasileira, chegavam ao cume do Monte Castello, na Itália, e impunham uma difícil derrota aos alemães, no fim da 2ª Guerra Mundial.

Monte Castello não foi a maior batalha da FEB nos seus 239 dias de luta. Mas ganhou um significado simbólico, como um batismo de fogo das tropas. Os brasileiros não tinham experiência de combate e haviam sido preparados de última hora. Avançando montanha acima, às vezes a 20ºC abaixo de zero, contra um inimigo bem armado, eles fracassaram quatro vezes, ao longo de três meses. Na quinta tentativa, a vitória tornou-se uma questão de honra.

Logo depois que os alemães invadiram a Polônia, em 1º de setembro de 1939, e iniciaram a mais devastadora guerra da história humana, começou um complicado balé diplomático entre as nações em conflito: a aliança franco-britânica, de um lado, e o “eixo”, formado pela Alemanha, Itália e Japão, do outro. Cada lado procurava conquistar os governos e os povos dos países neutros – se não para tê-los como aliados, pelo menos para não atrapalharem.

O Brasil manteve-se fora da guerra durante boa parte do conflito. Sob o governo autoritário de Getúlio Vargas, havia no país muitos simpatizantes dos alemães e seus aliados italianos e japoneses. Mas também havia um forte lobby pró-americano. E os Estados Unidos eram simpáticos à causa franco-britânica.

Antes mesmo de entrar na guerra, em 1941, os americanos passaram a reformar os aeroportos do Nordeste brasileiro, pois queriam usá-los para levar suprimentos aos britânicos na África. Navios da Marinha americana faziam visitas freqüentes a portos do Nordeste, como Natal, Recife e Salvador.

A chapa esquentou

Em dezembro de 1941, a dança diplomática ficou mais agitada. Os japoneses atacaram a base americana de Pearl Harbor, no Havaí, e levaram a maior potência das Américas para a guerra. Os brasileiros ficaram em posição delicada. Ainda não estavam em guerra, mas já começavam a abrigar forças militares de um país que tinha entrado nela. Logo depois do ataque japonês a Pearl Harbor, o porto de Natal passou a ser a base de hidroaviões americanos PBY-5 Catalina, de patrulha anti-submarina. Enfim, em 28 de janeiro de 1942, o Brasil rompeu relações diplomáticas com a Alemanha e a Itália.

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Daí para a frente, o país passou a viver uma guerra não declarada. Em fevereiro, o navio mercante brasileiro Cabedelo simplesmente desapareceu perto da costa dos Estados Unidos, no Atlântico Norte. Sumiram as 54 pessoas que estavam a bordo. Dois dias depois, foi a vez do Buarque ser afundado, também no Atlântico Norte. Em maio, o submarino italiano Barbarigo danificou o Comandante Lyra, em águas do Nordeste. O contra-ataque foi feito por um bombardeiro B-25, da Força Aérea Brasileira (FAB), cuja tripulação incluía instrutores americanos.

Em julho de 1942, o Brasil já tinha perdido 13 navios. A gota d’água veio em agosto: o ataque do submarino alemão U-507, que, em poucos dias, afundou cinco barcos. O naufrágio do Baependy deixou 270 mortos, incluindo soldados do exército. O Araraquara teve 131 mortos, o Annibal Benévolo, 150, o Itagiba, 376 e o Arará, 20.

(Jornal O Globo/Wikimedia Commons)

Não pense em crise, atire

Antes de mandar tropas à Itália, foi preciso armá-las. Declarar guerra sem estar equipado era loucura. A FAB estava apenas começando a se modernizar, com aviões de fabricação americana. A Marinha tinha uma série de velharias, pouco aptas a combater submarinos.

Eis como definiu a situação o tenente Demócrito Cavalcanti de Arruda (que, na Itália, seria ferido no ataque à cidade de Montese) em depoimento à SUPER: “Aviação inexistente. Algumas dezenas de aparelhos estrangeiros, antiquados, sem campos de pouso, sem oficinas de conserto e pessoal de serviço. O Exército era outra salada mista: canhões de campanha franceses, sobras de guerras anteriores, metralhadoras francesas e dinamarquesas. Artilharia de costa norte-americana, artilharia antiaérea alemã”.

Assim, a Força Expedicionária Brasileira, FEB, teve que ser reconstruída do zero, com material americano. Arruda foi um dos que participaram do livro Depoimento de Oficiais da Reserva sobre a FEB, uma obra polêmica publicada no imediato pós-guerra, comentando os acertos e os desatinos da força expedicionária.

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Foi só em 2 de julho de 1944 que 5.081 brasileiros — a primeira leva de um total que chegaria a 25.334 homens — embarcaram no navio de transporte de tropas americano, o General W. A. Mann. Cruzaram o Oceano Atlântico com muito medo de submarinos, mas chegaram em Nápoles a salvo, em 16 de julho de 1944. Eram a primeira e única força sul-americana da história a intervir em assuntos europeus.

(Domínio Público/Wikimedia Commons)

Tapa-buraco, com muito orgulho

A chegada dos brasileiros coincidiu com uma mudança profunda no curso da guerra. Até poucos meses antes, prevalecia uma estratégia defendida, entre outros, pelo primeiro-ministro britânico Winston Churchill. Ele acreditava que a Alemanha deveria ser atacada pelo sul, por tropas que “subissem” a Itália. Mas Churchill não levou em conta as dificuldades do terreno: no caso, a cadeia de montanhas dos Apeninos, que corta uma parte território italiano.

Encastelados sobre os Apeninos, onde formaram a chamada Linha Gótica, os alemães bloquearam o avanço contra suas fronteiras. Em vista disso, os aliados realocaram suas forças, concentrando os ataques à Alemanha a partir da França. Para lá, deslocou-se parte das tropas que até então lutavam na Itália. E os brasileiros foram designados para cobrir esse desfalque.

Para vencer tropas encasteladas em montanhas, o inimigo tem de ter superioridade numérica. E os dois lados tinham uma razoável paridade, nos Apeninos. As ofensivas anglo-americanas, mesmo com o reforço brasileiro e de tropas de outros países, pouco conseguiam.

Encarregada de tomar o Monte Castello, a FEB participou de quatro ofensivas malsucedidas. O primeiro e o segundo ataques ocorreram em 24 e 25 de novembro de 1944, sob a responsabilidade de um grupo tático americano, a Task Force 45, apoiado por um batalhão da FEB. Conseguiu-se, ao menos, conquistar uma elevação importante, o Monte Belvedere.

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O terceiro ataque, em 29 de novembro, foi feito somente pela FEB, com um batalhão de cada um dos seus três regimentos. Infelizmente, os alemães da 232ª Divisão de Infantaria haviam expulsado os americanos do Belvedere na véspera. Assim, os brasileiros que tentavam subir o monte tinham de aturar o fogo não só pela frente, mas também pelo flanco esquerdo.

Não deu certo, do mesmo modo que o quarto ataque, em 12 de dezembro, que durou apenas cinco horas. Chuva, lama e frio conspiraram contra o sucesso. Com o céu encoberto, a aviação não podia ajudar. A lama fazia os soldados escorregarem nas encostas e atrapalhava os tanques americanos que lhes davam apoio. Nessa investida, houve 145 mortos e feridos.

Daí em diante, os brasileiros passaram a ter aulas de esqui e ganharam capotes brancos para se camuflar na neve. Era decisivo tomar a ala norte dos Apeninos como trampolim de futuras ofensivas. Eles tinham de ser conquistados a um só tempo, e assim foi feito.

(Durval Jr./Wikimedia Commons)

Agora vai

O Monte Castello foi tomado em 21 de fevereiro de 1945, graças a um ataque simultâneo às várias elevações vizinhas. Para a nova tentativa, os aliados dispunham de um trunfo: os americanos da 10ª Divisão de Montanha, uma tropa de elite especialíssima, formada apenas por homens acostumados à vida em regiões altas. A 10ª atacou lado a lado com os brasileiros. O plano para o ataque fora criado pelo oficial de operações da FEB, o tenente-coronel Humberto de Alencar Castelo Branco (sim, o mesmo que daria o golpe militar em 1964).

Tudo começou às 5h30 da manhã. 12 horas e meia depois, os primeiros soldados brasileiros atingiam o topo do monte. Ao contrário dos avanços temerários de antes, dessa vez a tropa soube progredir cuidadosamente, buscando cobertura a cada passo, para evitar ataques frontais e atingir o inimigo de lado. As armas mais pesadas da infantaria agiram juntas, para impedir uma represália alemã ao avanço dos aliados. Às 18 horas, um pelotão brasileiro chegou à crista do Monte Castello. Houve 103 baixas brasileiras nesse dia, entre os quais 12 mortos. Mas o objetivo, apesar de tudo, foi conquistado.

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O próximo capítulo

Com a chegada da primavera na Itália, começou uma nova estação de campanha. Ultrapassados os Apeninos, os exércitos aliados puseram-se em marcha. E em 14 de abril de 1945, a FEB iniciou a maior batalha brasileira na 2ª Guerra: a tomada de Montese. A FEB teve mais de 400 baixas, mortos e feridos. Libertada por brasileiros, a cidade batizou uma de suas praças como Piazza Brasile.

“A impressão era que os alemães não agüentariam. Mas eles estavam feito doidos”, diz José Orlandino da Costa, do 6º Regimento de Infantaria (RI), ferido nessa batalha. O bombardeio de Montese foi um dos mais pesados de toda a campanha brasileira. Mas, uma vez rompida a defesa, os alemães começaram a retirada. Cidades importantes, como Bolonha, Parma, Asti e Turim, caíram em mãos aliadas. Em Fornovo di Taro, a FEB fez milhares de prisioneiros.

Um soldado do 6º RI, Pedro dos Santos, lembra a disciplinada rendição alemã. “Foi bonito. Eles faziam uma saudação e deixavam as armas ao lado da estrada”. Muitas cidades eram libertadas por guerrilheiros anti-fascistas antes que as tropas aliadas chegassem. As operações da FEB estavam no fim. Em maio de 1945, o último mês da guerra no território europeu, os brasileiros alcançaram Susa, fronteira França-Itália. No dia 8 desse mesmo mês, os exércitos alemães renderam-se incondicionalmente em toda a Europa.

(Domínio Público/Wikimedia Commons)

O fim

Somente entre os dias 3 e 20 de junho de 1945, um mês depois da rendição alemã, a FEB começou a se deslocar para o sul da Itália, onde embarcaria de volta ao Brasil. O primeiro grupo desembarcou no Rio de Janeiro em 18 de julho. O último deixou Nápoles apenas no dia 19 de setembro. Aqui, os pracinhas passaram primeiro pela fase de festas, com desfiles públicos de comemoração pela vitória. Todos receberam uniformes novos.

O maior impacto da volta dos pracinhas foi político, pois o presidente da República, Getúlio Vargas, temia que os expedicionários tramassem contra o governo. O receio tinha fundamento, pois os pracinhas tinham ido à Europa combater as ditaduras do alemão Adolf Hitler e do italiano Benito Mussolini. Podiam, muito bem, opor-se à ditadura que Vargas comandava no Brasil. Ele havia assumido o poder em 1930 e, depois de um golpe, em 1937, criou um regime autoritário, o chamado Estado Novo.

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O governo tentou evitar problemas espalhando os expedicionários pelo país assim que desembarcavam. Mas não resolveu. A volta da FEB realmente contribuiu para aumentar a força das correntes democratizantes na sociedade e dentro do Exército. E, ironicamente, até os militares que garantiam a vigência do Estado Novo — especialmente os generais Pedro Auréllio de Góis Monteiro e Eurico Gaspar Dutra — participaram do movimento dos chefes das Forças Armadas, que acabou depondo o ditador em 29 de outubro de 1945.

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