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Buracos no tempo

Guerra nas Estrelas, De Volta para o Futuro, Lost. Ir para outras épocas é uma possibilidade tão fascinante que motiva livros, filmes e séries. Assim como os cineastas, os físicos quebram a cabeça imaginando como a viagem no tempo seria possível - e qual seria o resultado dela

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h24 - Publicado em 11 mar 2011, 22h00

Texto Reinaldo José Lopes

Conclusão número 1 do último século de pesquisas na área da física: o Universo é um lugar esquisito. Tão esquisito, aliás, que coisas que aparentemente não deveriam existir – como estrelas que implodem e abrem um rombo no tecido do espaço ou partículas que brotam do nada e logo depois desaparecem – na verdade são partes essenciais dele. Num Cosmos tão maluco, será que o próprio tempo não seria, digamos, maleável? Será que alguma coisa impede terminantemente as visitinhas ao futuro ou ao passado?

A resposta ainda é “não sabemos”. No entanto, ao menos do ponto de vista teórico, dá para acreditar que a viagem no tempo não é só um privilégio de um ou outro membro da ilha de Lost. Fazer uma jornada (só de ida) rumo ao futuro, por exemplo, depende apenas da criação de naves espaciais bem mais rápidas que as atuais. Voltar ao passado é bem mais difícil, e talvez impossível, mas ainda é cedo para dizer se a coisa continuará assim indefinidamente.

Para entender o porquê do que você leu acima, é preciso, primeiro, ser apresentado a alguns dos conceitos mais insanos e divertidos da física moderna. E a viagem começa, claro, com Albert Einstein.

O genial cientista alemão passou as primeiras décadas do século 20 formulando o que hoje conhecemos como Teoria da Relatividade, em duas versões complementares, chamadas de Relatividade Restrita (ou Especial) e Relatividade Geral. As conclusões principais da Teoria da Relatividade, todas confirmadas por experimentos na época de Einstein e nos dias de hoje, são ao mesmo tempo simples e de fazer cair o queixo.

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Primeiro, o físico mostrou que a luz é o grande policial rodoviário, ou guarda de trânsito, do Universo. Não dá para viajar mais rápido do que os 300 mil quilômetros por segundo correspondentes à velocidade da luz no vácuo. Ponto final – não adianta espernear. Quem tentar superar a rapidez com que a luz caminha acaba assumindo uma massa (ou peso, como dizemos na linguagem do dia a dia) gigantesca, que se aproxima do infinito conforme o limite de velocidade cósmico está perto de ser alcançado. É como se Hurley corresse cada vez mais rápido conforme fica cada vez mais gordo – impossível, claro.

Estica e puxa

A maior doideira vem agora, contudo: Einstein demonstrou ainda que todos os objetos do Universo estão se movendo à velocidade da luz. Hein? É isso mesmo, e por um motivo simples: no Cosmos revelado pela Teoria da Relatividade, todos nós nos movemos não apenas pelas 3 dimensões do espaço mas também por uma 4a dimensão, o tempo. Sem se mexer, você já está avançando a 300 mil km/s – no tempo. O pulo de gato nesse raciocínio é o seguinte: quando qualquer pessoa ou objeto se movimenta para valer, no espaço, o que ocorre é que parte dessa velocidade é “descontada” da dimensão temporal e “depositada” nas dimensões espaciais. O tempo se dilata para quem está se mexendo e se contrai para quem está parado.

Parece não fazer o menor sentido, mas é assim que a coisa funciona no mundo real. Não nos damos conta da diferença porque, aqui na Terra, as velocidades são tão baixas (quando comparadas com o padrão absoluto da velocidade da luz) que o efeito é sutil demais, e portanto imperceptível. Mas os aparelhos de GPS, por exemplo, dependem dessa consequência da Teoria da Relatividade para funcionar direito. Os satélites que comandam o sistema orbitam a Terra em velocidade suficiente para que haja uma diferença de fração de segundo entre o relógio deles e os da superfície do planeta. E o sistema de GPS usa esse “atraso” para calcular a localização do seu carro numa estrada.

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Tudo isso significa que os astronautas que passam longos períodos na Estação Espacial Internacional, por exemplo, já são viajantes do tempo. “O atual recorde mundial de viagem ao futuro é do cosmonauta russo Sergei Avdeyev, que orbitou a Terra por 748 dias e, portanto, foi catapultado 0,02 segundo rumo ao futuro”, brinca o físico americano Michio Kaku, da Universidade da Cidade de Nova York.

É verdade que navegar apenas fraçõezinhas de segundo rumo ao futuro não tem a menor graça. A coisa muda de figura, no entanto, quando o movimento do viajante espacial se aproxima da velocidade da luz. O físico americano Brian Greene fez as contas em seu livro O Tecido do Cosmos: numa nave capaz de viajar a 99,9999999996% do limite cósmico de velocidade, quem saísse da Terra, navegasse pelo espaço por um dia e usasse outro dia para voltar ao nosso planeta teria, na prática, viajado 1 000 anos no futuro. “Trata-se de um exemplo de como o tempo fica mais lento quando a velocidade aumenta”, afirma Greene. Viagens mais longas teriam consequências ainda mais radicais: se a nave demorasse 27 anos para ir e 27 anos para voltar (do ponto de vista do astronauta), o retorno aconteceria 10 milhões de anos no futuro.

É claro que, para tudo isso funcionar, seria preciso obter um combustível de espaçonave capaz de atingir essas velocidades mirabolantes. E descobrir como proteger o coitado do ser humano da aceleração ensandecida necessária para chegar perto da velocidade da luz. Mas há um problema ainda mais grave: a viagem para o futuro é só de ida, e pouca gente quer navegar, sem volta, até uma época em que todos os seus parentes e amigos bateram as botas. Será que não rola uma passagem de volta? E, se rolar, isso não significa que também é possível viajar para o passado?

Buracos de minhoca

Este é o momento para apresentar outro subproduto da Teoria da Relatividade, conhecido como buraco de minhoca (ou wormhole , como se diz em inglês). Os fisicos imaginaram os buracos de minhoca com base na ideia de que, no Universo revelado por Einstein, o espaço e o tempo são distorcidos e curvados por anomalias, como a velocidade (coisa que vimos acima) e a massa dos corpos. Segundo a Teoria da Relatividade, a Terra gira em torno do Sol porque está presa nesse “poço gravitacional” criado por nossa estrela no tecido do espaço. É como uma bola de boliche e outras de sinuca numa cama elástica: para onde a maior vai, as outras são naturalmente atraídas.

No entanto, quando estrelas de massa muito grande esgotam seu combustível e implodem, o resultado é um buraco negro – um objeto com tanta massa concentrada em tão pouco espaço que nem a luz consegue escapar dele. Ninguém sabe muito bem o que existe no coração de um buraco negro, mas a interpretação mais comum é que esse centro corresponde a um rasgo no próprio tecido do espaço-tempo. Não é bem um rasgo, mas um túnel, conduzindo quem passa por ele a outras regiões e épocas. Problema é que, na vida real, para atravessar esse minhocão cósmico, o camarada seria submetido a forças gravitacionais tão alucinantes que seus átomos virariam mingau.

Os buracos negros – que de fato existem, e podem até ser observados na Via Láctea – levaram os cientistas a especular que outros túneis no espaço-tempo, de natureza mais suave, poderiam existir. O principal exemplo são os buracos de minhoca. Embora jamais tenham sido detectados, pode ser que eles existam naturalmente em escalas muito menores que a microscópica, nas quais o espaço-tempo é ainda mais esquisito do que o habitual. Nesse universo menor do que o núcleo de um átomo, o espaço-tempo parece estar cheio de instabilidades, “bolhas” e “espumas” – e, entre elas, pequenos túneis.

É claro que nesse tipo de buraco de minhoca não passa nem um átomo isolado, quanto mais pessoas ou ursos polares. Para servir para alguma coisa, seria necessário alargá-lo – usando, talvez, energias da ordem de uma estrela inteira para arrombar o bichinho. E a coisa fica ainda mais complicada porque, uma vez aberto, o buraco tende a se estreitar novamente, esmigalhando o maluco que tentar passar por ele. A resposta para manter o buraco aberto? Efeito Casimir.

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Maior energia

O efeito Casimir consiste no fato de que, quando duas placas metálicas são colocadas muito próximas uma da outra, o espaço entre elas produz energia. Se um efeito Casimir realmente poderoso for produzido – fazendo com que as placas fiquem a uma distância realmente minúscula uma da outra, por exemplo – o vácuo produzirá uma quantidade de energia suficiente para manter um buraco de minhoca aberto. Se duas “câmaras de efeito Casimir” forem criadas ao mesmo tempo, com um buraco de minhoca ligando uma delas à outra, a viagem ao passado começa a sair do papel. Brian Greene explica. “Passo 1: crie um buraco de minhoca largo o suficiente para você passar. Passo 2: estabeleça uma diferença de tempo entre as bocas do buraco de minhoca – movendo uma em relação à outra, digamos. E pronto.” Quem entrar pela boca do buraco lá no futuro vem parar no presente, ou seja: viaja para o passado. Esse roteiro lembra as câmaras e estações da ilha de Lost. No vídeo sobre a Estação Orquídea, o Dr. Halliwax explica: “As propriedades únicas dessa ilha criaram um tipo de efeito Casimir, permitindo à Iniciativa Dharma conduzir experiências tanto no espaço quanto no tempo”. Pelo jeito, a ilha esconde um reservatório de energia gigantesco o suficiente para manter o efeito Casimir.

Um detalhe importante é que esse tipo de viagem ao passado tem uma limitação: não dá para voltar no tempo antes do momento em que o buraco de minhoca foi criado. Isso talvez resolva uma dúvida engraçadinha do célebre físico britânico Stephen Hawking: se a viagem ao passado é possível, por que não tem um monte de turistas do futuro pedindo para a gente posar para fotos? A resposta é simplesmente que as máquinas do tempo ainda não foram inventadas, embora sejam fisicamente possíveis.

Resta, no entanto, um último e chatíssimo paradoxo, também levantado por Hawking, que é inimigo ferrenho da viagem temporal ao passado. Imagine que você volta no tempo e mata seus avós antes de eles se casarem. Como diabos, então, você conseguiu nascer para viajar no tempo e matar seus avós? Partindo do princípio de que o Universo precisa, antes de mais nada, fazer sentido, Hawking propôs uma tal de Teoria de Proteção Cronológica – a ideia de que o Cosmos não deixa ninguém viajar do tempo, para não encorajar a bagunça.

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Hawking x Hawking

Outros físicos presumem que, na verdade, o livre arbítrio é uma ilusão: você pode até tentar matar seus avós, mas o Universo conspira para que não dê certo (o revólver fica sem balas, você aterrissa no lugar errado etc.). Lost tem vários exemplos práticos disso. Lembra-se que Michael tenta se matar 3 vezes, sem conseguir? E que Desmond bem que tenta salvar a vida de Charlie, sem sucesso? A proteção cronológica aparece até nas palavras de Eloise Hawking. Quando Desmond, na 3ª temporada, pergunta a ela por que não salvou um homem se sabia que ele seria atingido por um andaime, ela diz: “Não adiantaria. Se eu o avisasse sobre o andaime, amanhã ele seria atropelado por um táxi. Se eu avisasse sobre o táxi, ele quebraria o pescoço tomando banho. O Universo, infelizmente, tem um jeito de corrigir o curso”.

Outra teoria que evita a zorra total da causalidade é a dos Muitos Mundos, criada nos anos 50 pelo físico Hugh Everett III. Para ele, qualquer ida ao passado equivale, na verdade, à viagem a um Universo paralelo. Pode até ser que o pessoal da ilha, explodindo a bomba H na obra da Estação Cisne, tenha conseguido evitar a queda do Oceanic. Mas, como eles vieram de outro Universo, isso não afetaria a lógica cósmica. Haveria mundos paralelos: aquele em que o avião cai e outro em que o avião pousa numa boa em Los Angeles. Desse ponto de vista, alterar o passado não muda o futuro: cria um novo futuro. Qual dessas opções é a verdadeira? Talvez a resposta apareça em alguns séculos – ou no último episódio de Lost.


JORNADAS NA FICÇÃO CIENTÍFICA

Nosso herói é um matemático brilhante, empenhado em desvendar os segredos da viagem no tempo. Um belo dia, ele conhece uma mulher linda e misteriosa, e vai para a cama com ela. Conforme conhece mais a estranha, fica sabendo que ela passou por uma série de cirurgias plásticas. Uma delas, aliás, foi de mudança de sexo. “Ela”, na verdade, é um viajante vindo do futuro – uma versão futura do próprio matemático , o que significa que ele andou transando com si próprio. É de pirar qualquer um, certo? Pois essa é a trama do romance Janus Equation (“Equação Jano”), do escritor G. Spruill. Enquanto os cientistas debatem as possibilidades da viagem no tempo, a ficção já explorou boa parte dos efeitos malucos que ela teria sobre a nossa noção de causa e efeito.

Nesse último quesito, o exemplo mais famoso é A Máquina do Tempo, clássico do britânico H.G. Wells escrito no fim do século 19. Nessa história, o viajante vai parar milhares de anos no futuro, quando a raça humana dividi-se em duas espécies. São os feiosos e sombrios morlocks, que cuidam de máquinas subterrâneas, e os belos e burrinhos eloi, que servem de comida para os morlocks.

Já Jornada nas Estrelas IV – A Volta para Casa, dos anos 80, brinca com o paradoxo da criação espontânea de conhecimento. A tripulação da Enterprise visita o presente e ensina os terráqueos a produzir alumínio transparente, tecnologia crucial para o futuro. Mas, para que a tripulação conhecesse a técnica, seria necessário que alguém a inventasse no nosso presente. De onde diabos veio a ideia? Do nada. Coisas de quem zanza pela estrada temporal.

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