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Coração de dragão

Muitas vezes quando tudo está nebuloso entre velhos inimigos, a melhor maneira de dissipar a névoa é conversar. Richard Nixon teve a ousadia de se aproximar da China comunista mesmo após 20 anos de um comportamento beligerante entre os dois países. Juntou as malas e desceu em Pequim para conhecer a muralha de perto.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h24 - Publicado em 19 fev 2011, 22h00

Texto Ricardo Rojo

Quando o presidente Richard Milhouse Nixon e a esposa, Pat, desceram os 32 degraus do Spirit of ’76, o avião especial da Presidência dos EUA, na segunda-feira, 21 de fevereiro de 1972, e caminharam pela pista do aeroporto de Pequim, na capital chinesa, não seria grande exagero dizer que o mundo, ou uma boa parte de sua população, prendeu a respiração. Eram 10h30 da manhã, fazia calor, mas a primeira-dama americana vestia um casaco de lã. Não havia sequer troca de informações meteorológicas confiáveis entre os departamen tos diplomáticos. O primeiro-ministro chinês, Chu En-lai se aproximou. As boas-vindas foram cordiais e austeras. Como os chineses.

Dali, saíram numa pomposa cerimônia de revista às tropas. Era uma cena para a história: afinal um presidente americano estava diante da força que não só apoiara mas patrocinara seus inimigos na Coreia, nos anos 50, e no Vietnã, ferida que permanecia aberta. E sangrava. Na verdade, o fôlego dos políticos já andava soluçando desde meados do ano anterior, quando o presidente americano anunciara sua decisão de visitar Pequim. “Como tenho explicado em diversas ocasiões, nos últimos anos, não poderá haver uma paz estável e duradoura sem a participação da República Popular da China. Por esse motivo, tomei várias iniciativas para abrir as portas à melhoria das relações entre nossos países”, discursou, em 15 de julho, em cerimônia transmitida (e orquestrada) simultaneamente nos EUA e na China. Seguindo esse objetivo, Nixon enviou o secretário de Estado, Henry Kissinger (olha aí o orquestrador), a Pequim, durante sua viagem internacional. O motivo para tanta tensão é claro: os riscos de Moscou interpretar a aproximação dos americanos com os chineses como um ato hostil eram enormes.

Diplomacia do momento

Nixon era cauteloso. E dúbio. Já sabia, como mostram hoje os documentos e comunicados entre seu gabinete e o próprio Kissinger, que iria a Moscou, mas conteve a informação, alimentando as especulações de que forjava uma aliança contra os soviéticos. Imaginava também que a viagem, em si, não significaria o início de uma nova era: “Não temos a ilusão de que 20 anos de inimizade serão eliminados com uma semana de conversações”, escreveu. Estava enganado.

“Até então, nenhum presidente americano havia viajado à China, e a dupla Nixon-Kissinger sabia bem que a sua decisão seria aplaudida, mas também criticada”, afirma o jornalista inglês Martin Walker, autor de The Cold War: Making the Modern World (“A Guerra Fria: Fazendo o Mundo Moderno”, inédito por aqui). “Eu não creio que tenha havido, em qualquer momento, a possibilidade ou a intenção de fazer essa viagem sem a escala em Moscou, mas, por algum tempo, enquanto a diplomacia americana não confirmou ou divulgou o fato, o mundo todo suou frio.” Às vésperas do Natal, Nixon ainda alimentava as especulações na Europa, e sobretudo em Moscou, sobre os objetivos da política externa dos EUA: “Nossa tentativa de estabelecer um novo relacionamento com a China não será feita à custa dos nossos amigos. Nossa política não se dirige contra nenhuma nação. Queremos manter relações amistosas com todos os países. Qualquer país pode ser nosso amigo, sem se tornar inimigo de outro”.

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Foi um ano difícil, aquele 1971. Richard Nixon passava um perrengue desgraçado no quintal interno. As pesquisas de opinião pública apontavam que, se eleição fosse naquele ano, ele perderia a reeleição até para os desconhecidos democratas Edmund Muskie ou George McGovern. Invadir o Iraque, naquela época, ainda não era uma opção, mas obter um êxito na política externa sempre foi um bom cabo eleitoral num país que se autoproclama guardião do mundo livre. A visita à China e os tratados de paz com os russos mostrariam que ele estava certo. Richard Nixon foi reeleito, relaxou e, no plano nacional, o 37º presidente dos EUA pisou no too much: excessivamente ambicioso, envolveu-se num escândalo de espionagem contra seus adversários políticos (conhecido como Watergate). Denunciado pelo Washington Post foi desmascarado e obrigado a deixar o cargo, assinando a renúncia.

Em 1987, o ex-presidente, já há muito tempo apeado do cargo, recebeu sua primeira grande homenagem em solo americano. O reconhecimento não veio, no entanto, de um político, de um estadista ou de seu partido: Nixon in China, com música do compositor americano John Adams e libreto de Alice Goodman, virou ópera (a cena 1, do primeiro ato, está no YouTube (tiny.cc/7kFix) e estreou no Houston Grand Opera Centre, em 22 de outubro daquele ano, com produção de Peter Sellars e coreografias de Mark Morris. Sucesso de público e crítica.

A ópera de Nixon

O espetáculo composto de 3 atos se desenrola em torno de 6 personagens principais: Nixon e a esposa, Pat, Chian Ching e Mao Tsé-tung e dois conselheiros dos dois líderes, Henry Kissinger e Chu En-lai. Os primeiros movimentos mostram a ansiedade de Nixon ao chegar à China, enquanto a primeira-dama americana faz um passeio pela China rural, incluindo uma fazenda de porcos. Em seguida, entra em cena a propaganda comunista, com passos ortodoxos e mecânicos, sobre os quais Pat tenta interceder. O último ato é magistral ao apresentar uma crônica sobre a noite na China harmonizando o Ocidente em seu futuro.

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