Leonardo Fuhrmann e Eduardo Lima
Erro – Concessão de empréstimos hipotecários de forma irresponsável, para credores que não tinham capacidade de pagar, e criação de instrumentos financeiros suspeitos para securitizar os títulos podres.
Quem – O governo americano, seguido pelas principais economias do mundo.
Quando – A partir da década de 1980.
Consequências – A maior crise financeira global desde a quebra da Bolsa de Nova York em 1929.
Colocar a raposa para tomar conta do galinheiro. Foi mais ou menos esse o grande erro cometido pelos países desenvolvidos, mas principalmente pelos EUA, e que acabou mergulhando o mundo na crise financeira de 2008 – a pior desde a quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929. A desregulamentação dos sistemas financeiros – iniciada lá atrás, em meados da década de 1970 – deu asas à imaginação do mercado. Para aumentar seus lucros em tempos de juros baixos, bancos de investimento criaram instrumentos de aplicação financeira perigosos, escorados em dívidas de altíssimo risco que uma instituição repassava para a outra. Num dado momento, a corrente se partiu. E as consequências estão sendo sentidas até hoje.
Bolha imobiliária
A origem do problema pode ser localizada nos ataques de 11 de setembro de 2011. Logo depois dos atentados, os EUA jogaram os juros lá para baixo, com a intenção de reativar – ou, pelo menos, não deixar esfriar – sua economia. Vieram medidas de incentivo ao consumo e a concessão de crédito foi facilitada para quase todo mundo. No mercado imobiliário americano, porém, a situação passou do limite. Comprar a casa própria ficou fácil demais, com bancos e financiadoras emprestando dinheiro a rodo.
Mercado subprime
Para compensar os juros baixos, que traziam pouco retorno, muitas instituições financeiras aumentaram sua rentabilidade abrindo os cofres de maneira irresponsável – para clientes já endividados ou com empregos instáveis, que aceitavam pagar juros maiores. Era o mercado chamado subprime – um tremendo eufemismo, algo como “abaixo de excelente”. O passo seguinte foi reduzir o risco de inadimplência representado por esses clientes, repassando as dívidas que eles assumiam para outras instituições nos EUA e no exterior. Mundo afora, bancos começaram a oferecer investimentos ancorados no vencimento das mensalidades daqueles imóveis. Só que, em 2007, as prestações começaram a subir, depois que o governo americano decidiu elevar os juros para conter a inflação. Os devedores mais fracos – a turminha do subprime – foram os primeiros a deixar de pagar. E teve início um desastroso efeito dominó (leia mais no quadro ao lado).
Quem havia emprestado para os maus pagadores não recebeu nem pagou seus investidores. Resultado: os títulos negociados começaram a despencar sem qualquer garantia e, de repente, não havia dinheiro para mais ninguém no mercado financeiro. Grandes instituições bancárias tornaram-se insolventes e acabaram quebrando – entre eles, o tradicional Lehman Brothers, 4º maior banco de investimentos americano.
Crise sistêmica
“Até então, as principais instituições financeiras do mundo acreditavam que eram grandes demais para quebrar”, diz Rogério Sobreira, professor de regulamentação bancária da Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ). “A decisão tomada pelo governo americano de não socorrer o Lehman Brothers, encarada como uma lição aos banqueiros, tornou-se o epicentro da crise mundial”.
Mas o risco de uma crise sistêmica obrigou vários países, inclusive os EUA, a aprovar medidas para salvar outras tantas instituições. O governo americano teve de destinar cerca de US$ 285 bilhões para a “estatização” de empresas como a seguradora AIG e as agências hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac – que, juntas, eram responsáveis por metade dos US$ 12 trilhões em hipotecas no país. Em outubro de 2008, Alemanha, França, Áustria, Países Baixos e Itália anunciaram pacotes que somavam US$ 1,58 trilhão destinados a socorrer seus sistemas financeiros. O produto interno bruto (PIB) da Zona do Euro teve queda de 1,5% no 4º trimestre de 2008 – a maior contração na história do bloco. E os reflexos disso estão aí até agora: desemprego elevado e países se afogando em dívidas.
Turbulências futuras
A desregulamentação dos sistemas financeiros iniciada nos anos 70 foi estimulada pela ideia de que qualquer medida regulatória limitava a possibilidade de negócios. Desregulamentando, seria obtida maior eficiência na captação de recursos. “Foi quando começou a ser formada a onda ideológica neoliberal ou fundamentalista de mercado”, escreve o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira em artigo para a Revista de Economia Política. “Para ela, os mercados são sempre eficientes ou, pelo menos, mais eficientes do que qualquer intervenção corretiva do Estado, e, portanto, podem perfeitamente ser autorregulados”.
Agora, observa-se um movimento internacional na direção de regulamentar os sistemas financeiros e evitar novas crises como a iniciada em 2008. Mas nem todo mundo acredita que, assim, a economia global estará a salvo de fortes turbulências no futuro. “A indústria financeira sempre encontra maneiras de ficar à frente dos reguladores”, escreve o americano Kenneth S. Rogoff, professor da Universidade Harvard e ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), num artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo. “Seja qual for a lei que eles inventem hoje, ela será completamente ineficaz e irrelevante se não for atualizada daqui a 15 anos.”
Efeito dominó
Uma cronologia do tsunami que sacudiu a economia global
MARÇO DE 2007
No dia 13, a bolsa de Nova York cai 2% em função do temor de inadimplência do setor subprime. É o início da crise.
AGOSTO DE 2007
O BNP Paribas, maior banco francês, anuncia o congelamento de resgates de 3 de seus fundos, lastreados em hipotecas de alto risco.
SETEMBRO DE 2007
As ações do banco Northern Rock, 5º maior provedor de hipotecas residenciais do Reino Unido, despencam 32%.
MARÇO DE 2008
A seguradora americana AIG informa perdas de US$ 5,3 bilhões no último trimestre de 2007 – o pior resultado em seus 88 anos de história.
ABRIL DE 2008
O banco suíço UBS AG dobra o cálculo de perdas causadas pelos problemas no setor subprime para um total de US$ 37 bilhões.
JULHO DE 2008
Após sofrer uma onda de saques da ordem de US$ 1 bilhão, o banco americano IndyMac quebra.
AGOSTO DE 2008
O PIB da União Europeia cai pela primeira vez na história e o Tesouro americano anuncia o resgate das agências hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac.
SETEMBRO DE 2008
A quebra do banco americano Lehman Brothers – a maior queda das bolsas de valores mundiais desde o 11 de Setembro.
Fonte: O Estado de S. Paulo.