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Espetáculo de horror

O Gran Circo Norte-Americano comportava tantas pessoas quanto o Cirque du Soleil hoje em dia. O incêndio que o destruiu deu um impulso à cirurgia plástica no país

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h16 - Publicado em 2 fev 2013, 22h00

Álvaro Oppermann

Incêndio
Brasil – 1961 – 503 mortos – 300 feridos

“Fogo!”, gritou a trapezista Nena. Antonietta Stevanovich (seu verdadeiro nome) foi a primeira a dar o alerta dentro do circo. Junto com os colegas Vicente Sanches e Santiago Grotto, ela apresentava o quadro final de acrobacia, clímax do espetáculo da tarde quente de domingo em Niterói, no estado do Rio de Janeiro. Foi quando um clarão pode ser notado na parte inferior da lona, à esquerda da entrada. O fogo se alastrou rapidamente e, nos 10 minutos seguintes, as 3 mil pessoas que lotavam o Gran Circo Norte-Americano viveram um inferno. Foi o maior incêndio da História do Brasil.

Montado num grande terreno na avenida Feliciano Sodré, no centro da cidade, o circo, de propriedade do empresário Danilo Stevanovich (irmão da trapezista Nena), era um dos maiores da América Latina. Contava com 60 artistas, das mais diversas nacionalidades, e 150 animais, que morreriam, quase todos, carbonizados ou sufocados pela fumaça. Foi o primeiro circo de picadeiro a fazer turnê pelo país. Era uma atração obrigatória para qualquer família. A lona verde e laranja, que pesava 6 toneladas, chamava a atenção de qualquer criança.

Mas, em 17 de dezembro de 1961, às 15h45, o teto virou uma abóboda flamejante. O mastro principal vergou e caiu, fazendo desabar a lona em chamas sobre a multidão. O pânico se instalou. A elefante Sema saiu em disparada e atropelou crianças (em compensação, quando conseguiu arrebentar uma parte da lona na fuga, salvou dezenas de vidas). “Foi o maior incêndio de circo de todos os tempos”, diz o historiador Paulo Knauss, autor de A Cidade como Sentimento: o Incêndio do Gran Circo Norte-Americano em Niterói, 1961.

Os cadáveres, carbonizados, foram levados ao estádio de futebol Caio Martins. Enfileirados no gramado, cobertos com lençois brancos doados pelo povo, esperavam reconhecimento de amigos e familiares. O governador do Rio, Celso Peçanha, convocou todos os marceneiros e carpinteiros da cidade para ajudar na fabricação de caixões. Na segunda-feira, o presidente João Goulart e o primeiro-ministro Tancredo Neves visitaram os queimados no hospital da cidade. Diante de uma menina envolta em gaze, Jango se virou para a parede e levou as mãos aos olhos, repetindo: “Não é possível, meu Deus”.

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A tragédia causou comoção internacional. O papa João 23 mandou rezar uma missa em homenagem às vítimas. Doações chegaram do Chile, da Argentina e do Uruguai e médicos de outros países apareceram para ajudar. O hospital Bathesta, em Washington, enviou 33 mil cm cúbicos de pele seca, para que os médicos pudessem fazer enxertos. Com o material recebido e o contato com cirurgiões plásticos estrangeiros, foi possível salvar o garoto Pablo, de 11 anos. Retirado das lonas com 80% do corpo queimado, ele se desvencilhou das enfermeiras e voltou para o meio do fogo. Minutos depois, reapareceu com um amigo no colo. O caso de heroísmo impressionou o jovem médico Ivo Pitanguy, que participou do resgate e viu o trabalho com os feridos estimular o desenvolvimento da cirurgia plástica no Brasil. Professor da PUC-RJ, Pitanguy ia para um plantão na Santa Casa da Misericórdia quando ouviu, pelo rádio, o anúncio do incêndio. Desviou o carro e seguiu para o Iate Clube do Rio. A bordo de sua lancha particular, atravessou a baía de Guanabara (não existia ainda a Ponte Rio-Niterói).

A notícia também impactou um empresário de cargas de São Paulo. José Datrino acordou 6 dias depois do incidente, ouvindo “vozes astrais”, e foi morar no terreno onde o circo pegou fogo. Deixou a barba e o cabelo crescer e, de bata branca, virou o Profeta Gentileza, figura carismática da capital carioca até morrer, em 1996.

Condenados

“Só mesmo um crime pode justificar o incêndio”, repetia Danilo Stevanovich. Gaúcho de Cacequi, membro de uma família de 7 irmãos, ele já tinha tido 2 circos destruídos pelo fogo, o Búfalo-Bill e o Shangri-lá, em 1951 e 52. Mas continuou no ramo até a morte, em 2001.

As suspeitas da polícia recaíram sobre Adilson Marcelino Alves, 21 anos, vulgo Dequinha. Descrito como “epiléptico com baixo nível mental”, vivia de biscates. Trabalhou na construção do Gran Circo, mas brigou com o capataz e foi demitido. O rapaz foi detido no morro da Boa Vista, em Niterói, onde morava com a mãe, enquanto comprava sabão para lavar roupa na bica comunitária. Dequinha confessou o crime. Teria recebido a ajuda de dois amigos, Walter Rosa dos Santos, o Bigode, e José dos Santos, conhecido como Pardal. A condenação ficou cercada por suspeitas. Doracy Campos, o palhaço Treme-Treme, passou anos sustentando que tinha havido desleixo na fiação elétrica.

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Niterói ficou traumatizada. Apenas em 1975 um circo voltaria à cidade, o Hagenback. Este tinha lona importada, à prova de fogo.

Cercados pelo fogo
Outros incêndios que chocaram a América Latina

Edifício Joelma

Dos 25 andares do prédio, localizado no centro de São Paulo, 18 deles foram destruídos pelo fogo no dia 1º de fevereiro de 1974, após um curto-circuito em um ar-condicionado no Banco Crefisul. Das pessoas encurraladas pelo incêndio, 188 morreram ao longo de mais de 3 horas de agonia. O desespero das vítimas foi transmitido ao vivo, por rádio e televisão – que registrou o momento em que algumas delas se jogaram pelas janelas.

Igreja da Companhia de Jesus

O incêndio mais mortífero da História aconteceu em 8 de dezembro de 1863, em Santiago do Chile. A igreja da Companhia de Jesus estava lotada quando uma lamparina a gás do altar principal pegou fogo. Entre 2 mil e 3 mil pessoas morreram queimadas e soterradas.

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Para saber mais
O Mais Triste Espetáculo da Terra, Mauro Ventura, Companhia das Letras, 2011

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