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Eu presenciei uma explosão nuclear

Em 28 de junho de 1958, os EUA detonaram uma bomba de 8,9 megatons no Oceano Pacífico. O engenheiro nuclear Rod Buntzen estava lá – e conta como foi.

Por Rod Buntzen (tradução e infográficos Bruno Garattoni)
Atualizado em 26 jan 2023, 07h56 - Publicado em 15 jun 2022, 12h10
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Nos primeiros dias de sua guerra contra a Ucrânia, o presidente Vladimir Putin disse ao mundo que havia colocado as forças nucleares do seu país num estado mais alto de prontidão. Desde então, analistas, generais e políticos têm especulado sobre o que aconteceria se a Rússia usasse uma arma nuclear. O que a OTAN faria? Os Estados Unidos deveriam responder com suas próprias armas nucleares? Essas especulações soam vazias para mim. Palavras inconvincentes, sem sentimento.

Em 1958, quando eu era um jovem cientista na Marinha dos EUA, testemunhei a detonação de uma bomba termonuclear de 8,9 megatons colocada em uma balsa no Atol Eniwetok, nas Ilhas Marshall [arquipélago no meio do Oceano Pacífico, a 5.400 km da Austrália]. Eu assisti da praia de Perry Island, onde minha equipe instalou instrumentos para medir a radioatividade na atmosfera.

Até hoje, sessenta e quatro anos depois, o que eu vi continua entalhado na minha mente. E é por isso que fico tão alarmado ao ouvir o possível uso de armas nucleares ser discutido de uma forma tão corriqueira agora, em 2022.

Embora o horror das bombas atômicas esteja eternizado nas imagens de Hiroshima e Nagasaki, hoje em dia o público tem pouca compreensão dos riscos envolvidos na Guerra Fria, e do que podemos esperar se a guerra na Ucrânia sair do controle – seja intencionalmente ou por acidente.

O teste que eu presenciei tinha o nome-código Oak [“carvalho”, em inglês], e fazia parte de uma série maior chamada Hardtack I [“bolacha dura 1”], que incluiu 35 detonações nucleares ao longo de vários meses de 1958. Havia uma crescente preocupação mundial com as explosões na atmosfera, e os militares queriam testar o máximo possível de armas antes que esse tipo de detonação fosse proibido [isso só aconteceria cinco anos depois, em maio de 1963, quando os EUA, a URSS e o Reino Unido assinaram um tratado banindo os testes nucleares na atmosfera e no mar].

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A bomba de hidrogênio usada no teste Oak foi detonada às 7h30 da manhã. Uma segunda bomba explodiu ao meio-dia no Atol de Bikini, que ficava próximo.

Imagem com título, linha-fina e um círculo escrito
(Arte/Superinteressante)

Numa detonação nuclear, os efeitos térmicos e de choque são os mais imediatos, e são inimagináveis. O processo de fissão-fusão que acontece numa explosão termonuclear [veja quadro acima] acontece em um milionésimo de segundo.

Enquanto eu assistia, a 20 milhas [32 km] de distância, todos os materiais na bomba, na balsa, na água da lagoa e no ar em volta haviam sido vaporizados, e aquecidos a uma temperatura de dezenas de milhões de graus.

Conforme os raios X e os nêutrons da bomba se espalharam para fora, eles deixaram as partículas mais pesadas para trás, criando uma onda de radiação que foi absorvida pelo ar. Os processos de irradiação, absorção, rerradiação e expansão continuaram, esfriando a massa da bomba depois de alguns milissegundos.

A onda externa de alta pressão também esfriou, e foi perdendo sua opacidade conforme avançava na minha direção. A bola de fogo interna voltou a aparecer. Esse ponto do processo é chamado de “separação”, e ocorre em média três segundos após a detonação – quando a bola de fogo já estava com quase 3 km de diâmetro. 

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Vista aérea de explosão do teste nuclear Hardtack Poplar, realizado em julho de 1958.
Vista aérea de explosão do teste nuclear Hardtack Poplar, realizado em julho de 1958. (Domínio público/Wikimedia Commons)

Nesse momento, a bola de fogo começou a subir, engolindo mais e mais atmosfera, e puxando a água da lagoa e os corais do fundo por uma enorme coluna central. A bola eventualmente alcançou 5,3 km de diâmetro.

O tempo parecia ter parado. Eu havia perdido a contagem dos segundos.

O calor estava se tornando insuportável. Meus tornozelos, descobertos, estavam começando a doer. O capacete de papel alumínio que eu tinha feito para me proteger não estava mais dando conta. Achei que meu cabelo, na parte de trás da cabeça, poderia pegar fogo.

O brilho criado pela bomba desafia qualquer descrição. Fiquei preocupado que meus óculos especiais, com lentes de alta densidade, poderiam não ser suficientes. Mantive os olhos quase fechados e me virei, até que consegui ver o contorno da bola de fogo. 

Virei mais uma vez e fiquei de costas para a bola. Abri os olhos, protegidos dentro dos óculos, e vi as sombras das árvores e de objetos próximos. Começou a entrar mais luz pelos óculos, e o calor nas minhas costas se tornou mais intenso. Eu fiquei me contorcendo, para tentar distribuir o calor pelo corpo.

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Uns 30 ou 40 segundos após a detonação, eu tirei os óculos e observei a nuvem marrom e o vermelho-violeta da bola de fogo.

Conforme a nuvem começava a assumir o formato de cogumelo, eu esperei a onda de choque chegar. Eu conseguia ver, à distância, uma longa linha vertical se aproximando. Abri a boca e mexi a mandíbula, instintivamente, para igualar a pressão do ar nos tímpanos. Fechei os olhos e coloquei as mãos sobre as orelhas.

Pou!

Ela me acertou como um tapa sobre o corpo inteiro, e me jogou para trás. Abri os olhos e vi outra sombra se aproximando, de uma direção ligeiramente diferente. Nos segundos seguintes, eu senti vários impactos menores, criados pela reflexão da onda de choque sobre as ilhas da região.

A bola de fogo continuava crescendo e subindo, numa velocidade superior a 320 km/h. Aquela massa fervente, a 30 km de distância de mim, se transformou numa mistura de vapores brancos e cinza, e subiu até alcançar uns 30 km de altitude.

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Ao mesmo tempo, a água da lagoa recuava, como uma cortina sendo puxada, e o fundo do mar começava a aparecer lentamente. As redes antitubarão, que haviam sido instaladas para proteger banhistas, estavam caídas no fundo.

Finalmente, a água parou de recuar e pareceu formar uma parede, como nas pinturas [da cena bíblica] em que Moisés separa o mar. Essa parede ficou estática, até que caiu. A água recuou uma segunda vez e então oscilou repetidamente, formando ondas cada vez menores que duraram o dia inteiro.

A humanidade realizou mais de 500 testes nucleares na atmosfera antes de passar a fazê-los sob o solo – onde detonamos mais 1.500 bombas. Testes para checar o design das armas. Testes para medir o impacto da radiação sobre pessoas. Testes para fazer afirmações políticas.

Imagem com título, linha-fina e um círculo escrito
Clique para abrir o infográfico. (Arte/Superinteressante)

Quando eu estava na Marinha, trabalhava com cenários envolvendo enfrentamentos nucleares que poderiam ter matado dezenas de milhões de pessoas – o que era conhecido, durante a Guerra Fria, como “destruição mútua assegurada” [MAD, na sigla em inglês].

Mas o fim da Guerra Fria não foi o fim dessas armas assustadoras.

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Poucos meses atrás, em janeiro de 2022, Rússia, China, França, Grã-Bretanha e os Estados Unidos divulgaram um documento conjunto. Ele afirma que uma guerra nuclear não tem vencedores, e jamais deve ser feita.

“Nós enfatizamos nosso desejo de trabalhar com todos os países para criar um ambiente de segurança mais propício ao desarmamento, com o objetivo final de um mundo sem armas nucleares e com segurança absoluta para todos”, diz o texto.

Se armas nucleares forem usadas na Ucrânia, a maior preocupação é que o conflito poderia sair do controle rapidamente. Numa guerra direta contra a Rússia, centenas de detonações como a que eu presenciei poderiam cobrir os nossos países.

Tendo assistido a uma explosão termonuclear, eu espero que nenhum ser humano, nunca, tenha de testemunhar outra. 

***

foto do físico Rod Buntzen
(Reprodução/Arquivo pessoal)

Rod Buntzen é autor do livro “The Armageddon Experience: A Nuclear Weapons Test Memoir” (“A experiência do Armagedon: memórias de um teste nuclear”, não lançado no Brasil). Este texto foi originalmente publicado no jornal The New York Times.

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