Eduardo Szklarz
Erro – Negar a populações inteiras o direito de existir tendo como base diferenças étnicas, nacionais, raciais ou religiosas.
Quem – Estados modernos em conjunto com forças militares ou paramilitares.
Quando – Séculos 20 e 21.
Consequências – Mais de 12 milhões de mortos.
É quase impossível distinguir um tutsi de um hutu, os dois principais grupos étnicos de Ruanda. Eles são fisicamente iguais e falam a mesma língua, o kinyarwanda. Muitos casam entre si, o que os torna ainda mais parecidos. Ou seja: a distinção racial entre eles é uma bobagem – até porque o próprio conceito de raça, cientificamente falando, já foi superado. A diferença é econômica: os hutus são camponeses, enquanto os tutsis integram a elite proprietária de terras. No século 20, porém, a colonização belga ajudou a popularizar a noção de que hutus eram baixos e gordinhos; e os tutsis, altos e magros, como se fossem de raças distintas.
Essa diferenciação acabou sendo tão incorporada pela sociedade local que as duas etnias se engalfinharam em pelo menos 5 confrontos. Em apenas um deles, ocorrido em 1972, aproximadamente 100 mil hutus foram mortos por tutsis no Burundi (país onde eles também eram – e continuam – sendo maioria). A truculência descambou de vez em 1994, quando milícias hutus trucidaram 800 mil tutsis em apenas 100 dias – a matança mais rápida de que se tem notícia. Usando machados, pistolas, granadas e fuzis fornecidos pela França, os assassinos caçaram suas vítimas em todo lugar: ruas, casas, escolas e até hospitais.
“Os piores massacres ocorreram em igrejas, com a participação dos sacerdotes”, diz a pesquisadora canadense Jane Springer no livro Genocide (Genocídio, inédito no Brasil). “Em Musha, a 40 quilômetros da capital, Kigali, cerca de 1 200 tutsis foram mortos num só dia.” Alguns hutus abrigaram seus parentes e amigos do outro bando, mas centenas de milhares participaram da carnificina ou nada fizeram para contê-la.
Crime dos crimes
A Interahamwe, principal milícia da etnia hutu, tinha um objetivo bem claro: exterminar os tutsis. Faz lembrar o Holocausto nazista? Pois é: Adolf Hitler não foi o único a se engajar na tarefa de eliminar povos diferentes e produzir morte em escala industrial. Essa, por sinal, acabaria se tornando uma das características mais sombrias do século 20.
Na 1ª Guerra Mundial (1914-1918), quando 1,5 milhão de armênios foram mortos pelos turcos, ainda não havia nome para esse crime. A palavra “genocídio” só foi cunhada em 1944, quando o jurista judeu Raphael Lemkin juntou o termo grego genos (“origem”) ao latim cidium (“matar”). Lemkin ficou intrigado com o julgamento de Soghomon Tehlirian, um sobrevivente armênio que, em 1921, havia matado o ministro turco Mehmed Talaat – um dos principais instigadores do massacre de seu povo. “Por que é um crime para Tehlirian matar um homem, mas não é um crime para seu opressor matar mais de 1 milhão de homens?”, perguntou Lemkin.
Em 1948, uma convenção da recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU) finalmente incluiu o termo no direito internacional. O genocídio foi considerado “crime dos crimes”, o mais grave de toda a escala legal. Na definição da ONU, é a intenção de destruir, ao todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Portanto, a destruição não precisa ser total. Eliminar parte do grupo (como os moradores de uma determinada região) também configura genocídio. O fundamental é que haja intenção de eliminar esse grupo.
Politicídios
Por pressão do bloco soviético, a categoria “opositores políticos” não entrou na definição de genocídio da ONU. Assim, o assassinato de 20 milhões a mando de Josef Stálin entram em outra lista, a dos “politicídios”. Além disso, a maioria dos especialistas concorda que os genocídios são crimes típicos dos Estados modernos. Isso deixa de fora da classificação, por exemplo, o massacre dos índios na América durante a colonização espanhola.
Passo a passo
As 8 etapas que caracterizam todo massacre genocida
CLASSIFICAÇÃO
As pessoas são separadas entre “nós” e “eles”.
SIMBOLIZAÇÃO
Nomes ou símbolos – como a estrela amarela que era atribuída aos judeus – são usados para a classificação.
DESUMANIZAÇÃO
Integrantes do outro grupo são comparados a insetos, vermes ou doenças.
ORGANIZAÇÃO
Unidades especiais ou milícias são treinadas, e a matança é planejada.
POLARIZAÇÃO
Grupos são separados e casamentos mistos, proibidos.
PREPARAÇÃO
O grupo-alvo é confinado em guetos ou campos de concentração.
EXTERMÍNIO
A matança é levada a cabo com os meios disponíveis.
NEGAÇÃO
Os perpetradores tentam apagar provas, negam o genocídio e se mantêm no poder até serem derrubados à força.
Fonte: Genocide Watch
Mortes em escala
Os números dos principais genocídios praticados no século 20
IMPÉRIO OTOMANO
Quando: 1915.
Vítimas: 1,5 milhão de armênios.
Perpetradores: Partido dos Jovens Turcos.
Objetivo: garantir a “pan-turquização” do Império Otomano.
ALEMANHA E EUROPA OCUPADA
Quando: de 1941 a 1945.
Vitimas: 6 milhões de judeus, além de ciganos e outras minorias.
Perpetradores: nazistas e polícias colaboradoras.
Objetivo: livrar a Alemanha e a Europa de “raças inferiores”.
CAMBOJA
Quando: de 1975 a 1979.
Vitimas: 1,7 milhão de budistas, muçulmanos, vietnamitas e tailandeses.
Perpetrador: regime do Khmer Vermelho.
Objetivo: eliminar grupos “incompatíveis” com a revolução comunista.
BÓSNIA
Quando: 1995
Vitimas: mais de 8 mil muçulmanos bósnios na cidade de Srebrenica.
Perpetradores: sérvios.
Objetivo: purificar a “raça”.
RUANDA
Quando: 1994.
Vítimas: 800 mil tutsis.
Perpetradores: governo hutu e milícia Interhamwe.
Objetivo: exterminar a minoria tutsi.
SUDÃO
Quando: de 2011 até hoje.
Vítimas: 400 mil integrantes de várias tribos em Darfur.
Perpetradores: governo do Sudão e milícias Janjaweed.
Objetivo: eliminar as tribos não árabes.
Fontes: Gregory H. Stanton, Samantha Power, Jane Springer