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Governo não é trio elétrico

¿O povo sabe que está indo para lá um tropicalista¿, disse o novo ministro.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h26 - Publicado em 31 jan 2003, 22h00

Jardel Sebba

A força da popularidade é ilusória. Parece conceder poderes infinitos aos que dela desfrutam. O pior engano dessa natureza se dá na hora de transformar pessoas públicas em gestores de políticas públicas. É falsa a impressão de que um centroavante goleador pode ser útil à organização do esporte no país, ou de que um cantor e compositor popular é capaz de conceber políticas públicas para a cultura nacional como quem escreve versos – como se viu na indicação de Gilberto Gil para o Ministério da Cultura.

“O povo sabe que está indo para lá um tropicalista”, disse o novo ministro. Não resta dúvida: uma investigação do passado político de Gilberto Gil prova que, como homem público, ele sempre foi de fato um grande tropicalista. Como secretário da Cultura e vereador em Salvador, no fim dos anos 80, Gil se notabilizou pela ausência – literalmente, já que o compositor faltou a 63% das sessões plenárias ao longo dos seus quatro anos de mandato naquela Câmara Municipal. Nos anos seguintes, o poeta foi eleitor de FHC quando este ganhou as eleições, e de Lula quando este ganhou as eleições. Ele deve levar a sério sua afirmação de que seu emprego público é “mais um palco”.

Se esse histórico de enganos não fosse o bastante para descredenciá-lo ao posto, poderíamos nos ater somente à descabida (e deselegante) afirmação de que seria incapaz de viver por quatro anos com o salário de “apenas” 8 500 reais. Tão afeito a ilustrações rebuscadas e citações complexas, o ministro foi incapaz de demonstrar compreensão sobre um fato simples: o de que os profissionais gabaritados participam de um governo a fim de poder direcionar as políticas públicas e contribuir para o bem-estar geral. Faltou a compreensão de que qualquer um dos cotados para um primeiro escalão tem respaldo no mercado para ganhar muitas vezes mais do que pode pagar o Estado, mas opta pelo emprego público pela possibilidade de colaborar com o país, pelo senso cívico. Pelo menos assim deveria ser. Mas, como já dizia o poeta, nos barracos da cidade ninguém mais tem ilusão.

No primeiro mês de governo, Gil não foi capaz de explicar uma mísera intenção de sua gestão. Não deixou claro qual será a política de incentivo fiscal às empresas, o que será aproveitado do programa cultural do PT, quais as principais mudanças estruturais no ministério, quais os programas prioritários; enfim, que rumo pretende dar às políticas culturais no país. Ou mesmo se pretende dar algum. Mistério sempre há de pintar por aí. Expressar-se de maneira clara, é notório, nunca foi um ponto forte da biografia do ministro. Enquanto isso dizia respeito à sua veia poética, era um problema dele. Quando ele não deixa claro como administrará o dinheiro público, o problema é nosso. O “liquidificador de idéias” e o “do-in antropológico” rendem belas manchetes, e só isso.

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O problema é que a formação tropicalista e a carnavalização do discurso do ministro, divinas e maravilhosas, são predicados inconsistentes diante dos muitos problemas do setor. Diante da falta de uma política séria de formação de platéia para diversas expressões artísticas. Diante das ainda confusas e restritivas leis de incentivo fiscal às empresas que investem em cultura (e das quais o ministro muito se beneficiou até hoje). Diante da falta de uma política séria de incentivo a novos criadores e a todos aqueles que (ainda) pretendem viver da produção cultural. Diante da crise mundial da indústria fonográfica, vítima da própria política gananciosa e imediatista dos últimos anos (será que o contratado de uma gravadora multinacional ampliará o complexo debate sobre a pirataria ou se limitará a defender a posição da indústria fonográfica?). Diante das ameaças do paternalismo esbanjador e do regionalismo acrítico que ainda pontuam a visão cultural de alguns setores da esquerda.

Quando o presidente da República atropela a equipe que coordenou ao longo de muitos anos (e campanhas) seu projeto de política cultural para nomear como ministro um verborrágico artista popular que diz muito e muitas coisas, mas em nenhum momento a que veio, deixa claro o papel da pasta em seu governo: simbólico. Vazio, ou cheio de ar. Após oito anos na semi-estagnação da administração de Francisco Weffort, a cultura precisa de menos guariroba e mais trabalho. Quanto menos confete e serpentina, melhor.

Os artigos publicados nesta seção não traduzem necessariamente a opinião da Super.

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