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Guerra dos sexos

Parece coisa do passado, mas pode sera revolução do futuro. Afinal: meninos e meninas devem estudar juntos ou separados?

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h27 - Publicado em 31 jul 2003, 22h00

Ana Paula Franzoia e Márcia Melo

Meninos e meninas devem ou não estudar juntos? Desde que as mulheres decidiram sair de casa e ocupar seu lugar no mundo, a partir da década de 60, muitos paradigmas ruíram. Um deles foi na área da educação. Firmado há séculos, o conceito de que eles e elas não deveriam freqüentar a mesma escola se dissolveu na luta pela igualdade dos sexos. Em poucos anos, ambos começaram a dividir bancos na rede pública e em instituições privadas. O ensino misto consolidou-se no rastro da evolução social. Hoje, colégios só masculinos ou femininos são a exceção. No Brasil, restam somente 131 num universo de cerca 214 mil escolas de educação básica, do ensino infantil ao médio.

Esse quadro, porém, começa a dar sinais de que precisa de ajustes. Não em relação às meninas, elas se adaptaram muito bem. O problema são os meninos, que nos últimos anos vêm apresentando baixo desempenho escolar, do ensino fundamental ao superior. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), o percentual de alunos só ultrapassa o de alunas até a quarta série do ensino fundamental: eles respondem por 52%. Da quinta à oitava série, a curva começa a se inverter, caindo para 44% no ensino superior. O cenário é semelhante em países como Estados Unidos, Canadá, França, Inglaterra e Austrália. Aqui e lá fora, especialistas em educação, pedagogos, psicólogos e governos vêm tentando encontrar as razões de um fenômeno, os “meninos-teflon”, aqueles que não “aderem” ao sistema, como vêm sendo chamados pelos canadenses.

Um dos aspectos mais polêmicos que estão sendo levantados são os fatores biológicos. Segundo os cientistas, o desenvolvimento neurológico deles e delas não é igual. Cada metade do cérebro responde por determinadas habilidades. O hemisfério direito, pelas emoções e pelo sentido espacial. O esquerdo, pela linguagem e o raciocínio analítico. As meninas fazem mais ligações entre os dois hemisférios, e os meninos mais conexões do lado direito. Com isso, elas tendem a atingir mais rapidamente uma maturidade no processamento e na análise das informações. Eles, por sua vez, mostram-se em média mais aptos para tomar atitudes e resolver problemas objetivos. A polêmica começa quando se discute a extensão da influência desses fatores no desempenho escolar.

“Certinhas x machos”

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Nos Estados Unidos, várias pesquisas mostram que meninos têm mais distúrbios emocionais e sociais que meninas. Uma delas é a do psicoterapeuta Michael Gurian, autor do best-seller The Wonder of Boys. Gurian revela que há quatro garotos com distúrbio emocional para cada garota com o mesmo tipo de problema e dois meninos com dificuldades de aprendizagem para cada uma. Quando se trata de notas, a deles é mais baixa que a delas. E, em termos de baixa concentração, a proporção é de seis para uma.

Para alguns especialistas, como a neurobióloga francesa Catherine Vidal, o “sexo” do cérebro não chega a ter um efeito tão perceptível e não seria responsável pela desvantagem escolar observada nos meninos. Para outros, essas peculiaridades neurológicas têm grande peso e levam a duas propostas. Simplesmente separar os gêneros, bandeira do biólogo e psicólogo americano Leonard Sax, fundador da Associação Nacional para o Progresso da Educação Pública Não-Mista nos Estados Unidos. Ou, a mais inusitada, adiar por um ano a entrada dos garotos nas escolas, teoria defendida pelo terapeuta inglês Steve Biddulph, autor do best-seller Criando Meninos (veja quadro).

Mesmo os mais ferrenhos defensores da “abordagem neurológica” reconhecem também a importância de fatores socioambientais. E aí se abre mais um front na discussão. Uma hipótese: as meninas levariam vantagem por ter mais facilidade em responder ao que a escola valoriza: memorização de conteúdo, organização, bom comportamento em sala de aula. A cultura escolar estaria, portanto, calcada em padrões muito mais afinados com a sociabilidade feminina, tal como ela é estabelecida culturalmente. Como, em geral, elas são mais quietas e eles mais agitados, os conflitos de gênero poderiam descambar para a radicalização de estereótipos. Elas assumem o papel de “certinhas” e eles de “machos”. E, na opinião dos machos, estudar é coisa de menina.

A falta de professores também é apresentada como outra agravante – nas primeiras séries do ensino fundamental, em especial, o magistério é majoritariamente composto de mulheres. Em geral, criados pelas mães e, depois, educados por professoras, os meninos estariam carentes de exemplos e estímulos masculinos. Os professores entenderiam melhor as características e as dificuldades deles.

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Como cada um desses fatores influencia os demais, transformando-se num emaranhado de difícil solução, começam a surgir, aqui e lá, defensores da volta do ensino não-misto. Nos Estados Unidos, cresce o número das chamadas same sex schools entre as instituições privadas. O governo Bush revogou a obrigatoriedade do ensino misto nas escolas públicas, declarado oficial desde 1972, e destinou cerca de 3 milhões de dólares para um programa experimental de unidades não-mistas. Uma decisão controversa: grupos de direitos civis e femininos se opõem à medida, que consideram segregacionista.

A idéia do retorno ao antigo modelo encontra resistência em outros países. No Canadá, o Ministério da Educação estuda a possibilidade da separação por sexo apenas em determinadas matérias, aquelas a que os meninos seriam menos afeitos. A população não gostou. Para os franceses, voltar ao sistema não-misto colide com o conceito de igualdade, consagrado desde 1789. Especialistas em educação, publicações da área, pedagogos e o governo debatem o que está errado no ensino misto e o que deve ser feito para “salvar” os meninos. Os ingleses também têm estudado o assunto e, como primeira medida, lançaram uma campanha publicitária em busca de jovens professores para diminuir a predominância feminina no magistério. Na Austrália, há forte investimentos em métodos pedagógicos alternativos.

No Brasil, o conceito de educação mista não está em xeque. O que há é a preocupação em corrigir as distorções que ele pode, eventualmente, ter criado. No sistema público, o baixo rendimento dos meninos vem sendo esquadrinhado em estudos sobre relações de gênero. Para Marília Pinto de Carvalho, professora da Faculdade de Educação da USP, os aspectos biológicos, socioculturais e psicológicos dos alunos sem dúvida são importantes. “Mas também devem ser observadas as avaliações e as expectativas, conscientes ou inconscientes, do professor em relação aos gêneros”, diz.

Entre diretores e orientadores de colégios privados predomina o princípio de que meninos e meninas devem conviver. Fundado em 1948, o Colégio Santa Maria, de São Paulo, abriu suas portas para os meninos em 1975. “A educação tem de ser em comum”, diz a orientadora pedagógica e educacional Suely Gonçalves Gomes. “A formação de valores nasce da riqueza das diferenças.” Mas a escola, de 2.200 alunos, está atenta às eventuais distorções de comportamento e de rendimento que a convivência entre gêneros pode ocasionar. “É preciso se preocupar mais com os meninos e achar formas de lidar com suas diferenças biológicas, sobretudo a explosão hormonal”, afirma Suely. Quanto ao conceito de que a escola é mais próxima do modelo feminino, sua opinião é de que cabe aos professores encontrar maneiras estratégicas de mobilizar meninos e meninas na sala de aula. “A adaptação da prática pedagógica é papel da escola.”

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Mesmo os colégios tradicionalmente partidários da separação de gêneros têm arriscado experiências mistas. A Escola Doméstica, de Natal (RN), desde 1914 se dedica somente a meninas. Além das matérias curriculares, as 800 alunas aprendem culinária, puericultura, costura e etiqueta social. E, antes que se pense que seu objetivo é formar excelentes donas-de-casa, é bom esclarecer que elas exibem todos os anos bons índices de aprovação nos vestibulares, tanto na área de humanas quanto na de exatas. No quarteirão ocupado por sua sede, a escola abriu em 1987 o Colégio Henrique Castriciano, de regime misto. De lá para cá, no recreio e nas atividades esportivas, todos se encontram. No ano passado, a direção resolveu unir o terceiro ano do ensino médio das duas unidades. “Passada a agitação natural dos primeiros dias, não senti nenhuma diferença”, diz Marianna Menezes, 18 anos. “Tanto no caso de meninas como dos meninos, uns amadurecem mais que outros.”

Em São Paulo, o Colégio Lourenço Castanho, embora sempre tenha sido misto, começou a perceber há quatro anos a necessidade de lançar mão de recursos extras para melhorar problemas de relacionamento. A intolerância meninos x meninas estava num grau tão elevado que começava a prejudicar o andamento das aulas e a aprendizagem. A então pedagoga da escola, Luana De Luccia, fez uma experiência com uma turma de quarta série. Em reuniões semanais, sob sua supervisão, garotos e garotas passaram a falar de suas dificuldades em relação a si próprios e ao sexo oposto. “Com o tempo, todos entenderam que poderiam aprender uns com os outros, as divergências foram diminuindo e o aproveitamento melhorou”, diz Luana. Uma das soluções para incentivar a cooperação entre os dois sexos são jogos de vôlei, com equipes mistas.

Mais que bons exemplos de convivência entre gêneros, muitas escolas criadas para filhos de estrangeiros comprovam que é possível integrar culturas totalmente opostas. Na Escola Graduada, de São Paulo, convivem diariamente 1.100 crianças e adolescentes de 35 nacionalidades. As rusgas políticas de seus países de origem não repercutem nos resultados e na rotina escolar. Amizades se formam entre árabes, israelenses, cubanos, americanos, japoneses. Para lidar com tantas culturas, as classes são pequenas, com 20 alunos no máximo. “A tarefa do educador não é só ensinar”, diz Paige Geiger, uma das diretoras. “Temos de estudar e pesquisar, porque a escola é viva, está sempre em transformação.” O colégio também se preocupa em manter um estreito relacionamento com as famílias. Os pais chegam a participar de atividades cotidianas, como ler para as crianças.

A utopia do homogêneo

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Entre neurônios e estereótipos, estatísticas e opiniões, a conclusão é que há muito o que fazer. Os partidários da separação poderão descobrir, mais à frente, que mesmo entre iguais, surgem novas diferenças. A homogeneidade é uma utopia. “Quem propõe a separação por sexo tem como proposta de ensino uma classe homogênea e, por mais que se tente, não há turmas homogêneas, a não ser que tenham um só aluno”, afirma Cristina Kupfer, professora do Instituto de Psicologia da USP. Os defensores do sistema misto, por sua vez, têm diante de si uma série de questões delicadas e que demandam tempo para equacionar. Em ambos os casos, a pergunta que se faz é se o papel da escola é apenas transmitir conteúdo e avaliar desempenhos ou, mais do que isso, formar indivíduos. Juntos ou separados, meninos e meninas continuarão atraídos e incomodados pelas próprias diferenças, indispensáveis a seu crescimento.

Como lidar com quem corre pela casa imitando o ronco de um motor

O manual de auto-ajuda do inglês Steve Biddulph transformou-se num best-seller. Criando Meninos (Editora Fundamento) já vendeu mais 30 mil exemplares só no Brasil. Terapeuta familiar, o autor aborda sob vários ângulos o que chama de crise de identidade dos meninos. Em sua opinião, ela resulta da aposta que se fez nos últimos 30 anos de que as diferenças entre os sexos desapareceriam se meninos e meninas fossem criados da mesma maneira. Com isso, aspectos biológicos importantes passaram a ser ignorados.

O fato é que existem diferenças e são significativas. Enquanto elas contam historinhas para suas bonecas, eles correm pela casa imitando o ronco de motores. E, como eles têm dificuldade em expressar seus sentimentos em palavras, quando se sentem diminuídos, tendem a adotar atitudes agressivas.

Para Biddulph, em vez de forçar comportamentos contrários aos gêneros, deve-se estimular em ambos as habilidades em que não têm tanto domínio. “Precisamos redirecionar a capacidade e a energia masculinas. Isso significa adicionar sentimento e habilidades de linguagem ao raciocínio e à capacidade de agir”, diz o escritor.

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Entre as medidas práticas que o autor sugere estão:

• Ler para eles e conversar mais durante a infância, para melhorar sua comunicação verbal e analítica.

• Orientá-los por meio de argumentos, para que aprendam a usar a força intelectual, e não a física.

• Ajudá-los a se organizar em casa e na escola, já que eles têm dificuldades com tarefas minuciosas.

• Ensiná-los com atividades dinâmicas, para aproveitar sua necessidade de movimento.

• Adiar em um ano a entrada dos meninos na escola, pois, em geral, eles têm desenvolvimento mais lento da coordenação motora fina e das habilidades cognitivas. Nesse ponto, o autor faz ressalvas. Nem todos os meninos são iguais, há meninos mais maduros. O importante é não forçá-los a fazer o que ainda não conseguem, pois isso gera insegurança.

Quanto à necessidade de modelos masculinos na criação dos meninos, o terapeuta bate firme: como meninos serão homens se não têm em quem se espelhar? Eles precisam de um convívio mais estreito com o mesmo sexo (pai, professor, tio, amigo da família) tanto para aprender valores e limites como para trocar experiências e dividir angústias.

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