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Índio quer terra

A advogada de direitos indígenas Ana Valéria Araújo conta como podemos preservar as centenas de populações nativas do país

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h26 - Publicado em 30 abr 2003, 22h00

Tania Menai

Ana Valéria Araújo

• Tem 39 anos e mora em Nova York, nos Estados Unidos

• Adora caminhadas

• Adora cinema infantil

• Passa a maior parte do tempo livre brincando com as filhas de 9 e 5 anos

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Abrasiliense Ana Valéria Araújo adora programas de índio. Principalmente os promovidos pelo escritório nova-iorquino da Rainforest Foundation (Fundação Floresta Tropical, em inglês), que ela mesma dirige. Criada em 1989 pelo cantor britânico Sting, a organização – que também tem escritórios na Inglaterra e na Noruega – faz ações e parcerias com instituições brasileiras para melhorar a vida da população nativa do país.

Ana Valéria começou a trabalhar com direito indígena em 1988, pouco depois de completar um mestrado em direitos humanos na Universidade Americana em Washington, Estados Unidos. Ela foi chamada para defender os índios ianomâmis – que lutavam então contra garimpeiros que haviam invadido suas terras – e apresentar o caso na Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Daí em diante, passou a se dedicar à luta pelas populações nativas brasileiras. Mudou-se para Brasília e, em 1994, ajudou a fundar o Instituto Socioambiental, uma organização de defesa do ambiente, dos direitos humanos e dos povos. Participou de algumas das disputas mais acirradas envolvendo terras indígenas. Nessa época, percorria trilhas em matas fechadas e atravessava rios em pequenas embarcações para defender as tribos da ação de posseiros, fazendeiros e garimpeiros.

Em 1999, foi chamada para integrar o conselho de diretores da Rainforest Foundation e, há um ano, assumiu a direção do escritório da fundação em Nova York, onde conversou com a Super.

Quais são os problemas mais graves que atingem as comunidades indígenas no Brasil?

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A realidade brasileira é muito diversificada. Há 217 povos espalhados pelo país, a maioria na Amazônia e no Centro-Oeste. A realidade dos índios da região Norte é bastante distinta daqueles que estão no Nordeste, Sudeste e Sul, a começar pelo contato com as populações que estão em volta. Na Amazônia, os índios ainda brigam por largas extensões de terra e tendem a viver dentro de seus moldes tradicionais. Nas outras regiões, os índios vivem em terras pequenas, estranguladas no meio de grandes cidades. No Mato Grosso do Sul, por exemplo, onde vivem os guaranis, existem áreas minúsculas com quatro ou cinco aldeias superpovoadas. Não há espaço suficiente para todos nem condições para plantio, por serem áreas degradadas por fazendeiros. Os índios são forçados a buscar recursos em cidades, o que muitas vezes os coloca em situação de marginais, expostos à prostituição, ao alcoolismo e às drogas.

O que a comunidade indígena ganhou com a criação da Rainforest Foundation?

A fundação foi criada no início dos anos 90, quando a realidade era bem diferente do que é hoje. Até 1988, quando foi a aprovada a Constituição, a grande pauta na agenda era a demarcação das terras dos índios. O governo alegava, entre outras coisas, a falta de dinheiro para delimitar os territórios. Na época, nem os ianomâmis, nem os caiapós tinham suas terras estabelecidas. A criação da fundação se deu para levantar o dinheiro para essas ações. Ela surgiu da amizade entre Sting e o índio Raoni, um caiapó que viajou o mundo em busca de ajuda. A maior parte desse problema foi resolvido. Agora temos de garantir que não haja invasão das terras dos índios. A Rainforest Foundation foi a primeira organização independente a ajudar o Brasil nesse sentido. Ela também passou a incentivar e financiar projetos indígenas em áreas como educação e saúde. A grande pauta atual é garantir os direitos e monitorar as políticas públicas. Trabalhamos em parceria com várias organizações indígenas e não-indígenas no Brasil, de acordo com a demanda dos povos.

O Brasil está preparado para integrar os índios à sociedade?

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Devemos lidar com essa idéia com bastante cuidado. Até 1988, o Brasil via os índios como seres humanos menos desenvolvidos, que precisavam ser protegidos enquanto recebiam educação. A Constituição de 1988 reconheceu que os índios não são seres primitivos, mas povos culturalmente diferentes entre si e da sociedade brasileira. Essa diversidade é uma riqueza que deve ser preservada pelo Estado brasileiro por ser um patrimônio nacional. A Constituição deu a eles o direito de serem índios eternamente, mesmo que exerçam outras atividades ou usem calça jeans e relógio. O Brasil pode dizer hoje que é um dos poucos países que falam mais de 180 línguas diferentes. Vamos exterminar todas essas culturas se tirarmos o índio de sua tradição para que aprenda a nossa. O ideal é que, em vez de integrá-los, nós conseguíssemos interagir com eles.

Na prática, o que esse reconhecimento à cultura indígena trouxe aos povos?

O direito a um território próprio, independentemente do grau de assimilação ou interação com a sociedade nacional, o que permite a reprodução dos povos. Há quem pense que exista muita terra para pouco índio, mas para preservar povos e culturas temos de dar, no mínimo, terras. Se confinarmos um povo a uma aldeia ou a uma roça, ele não terá como crescer economicamente e manter suas tradições e línguas. No Alto Rio Negro, no norte do estado do Amazonas, há cerca de 10 mil índios falando seis ou sete línguas diferentes, além de um idioma comum, o nhengatu, trazido pelos colonos jesuítas. Recentemente, um vereador conseguiu aprovar uma lei que dita que naquela região existem outras línguas oficiais além do português. É um ótimo exemplo de reconhecimento e incentivo à perpetuação dessas culturas.

É importante criar cadeiras de direito indígena nas universidades brasileiras?

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É fundamental. Cada aldeia tem suas leis. No Brasil, apenas alguns cursos de mestrado ligados a direitos humanos ou minorias, como o da PUC de Curitiba, oferecem cadeiras de direito indígena. Hoje, temos oito índios advogando no Brasil. Todos eles entraram em faculdades particulares. Os cursos foram fruto de seus próprios esforços, já que enfrentam muita pobreza e a falta de uma boa base escolar. Este foi o caso da Joênia, da etnia wapixana, a primeira mulher índigena advogada no Brasil. Ela lida sozinha com questões de terras, inimigos e assassinatos em Roraima, um estado hostil aos índios.

Quais países dão bons exemplos na questão indígena?

Os índios canadenses são bastante profissionalizados e têm um grande nível de interação com a sociedade. O mesmo digo da Nova Zelândia e dos Estados Unidos, onde os nativos se beneficiaram da política de cotas nas universidades. É importante que os índios conheçam bem as sociedades que estão à sua volta para que se integrem e até se defendam.

É possível mantê-los intactos?

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Não é possível nem desejável. Cada cultura evolui de acordo com a interação com os povos próximos a ela. Temos populações com os mais diferentes graus de contato. O que devemos cuidar é que o contato não aconteça de forma abrupta. Se conseguirmos respeitar o ritmo dos povos indígenas, todos saem ganhando. Tanto eles como nós.

“O Brasil pode dizer hoje que é um dos poucos países que falam mais de 180 línguas diferentes”

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