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Inimigo íntimo

O medo do comunismo colocou oficialmente americanos contra americanos. Liderado pelo senador Joseph MacCarthy, o Comitê de Atividades Antiamericanas alcançou o ápice da caça às bruxas ao acusar e levar a julgamento servidores públicos, artistas, cientistas e qualquer cidadão que tivesse manifestado qualquer simpatia por ideias socialistas.

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Atualizado em 31 out 2016, 18h24 - Publicado em 20 fev 2011, 01h00

Texto Sérgio Miranda

O Congresso dos EUA tornou ilegal a manifestação de ideias de oposição ao governo em 29 de junho de 1940. A lei conhecida como Alien Registration Act obrigava todos os estrangeiros residentes nos EUA a apresentar uma declaração completa do seu histórico profissional e um registro das suas convicções políticas. Com intenção de prejudicar o Partido Comunista americano e outras organizações políticas de esquerda, o Comitê de Atividades Antiamericanas, que já havia sido criado pelo Congresso em 1938, ganhou corpo para incrementar a perseguição às pessoas consideradas suspeitas de comportamento antipatriótico.

Em 1947, com o apoio do FBI dirigido por J. Edgar Hoover, o comitê iniciou um inquérito sobre a indústria cinematográfica entrevistando mais de 40 pessoas. Uma delas, o renomado dramaturgo alemão Bertolt Brecht, afirmou sua afinidade ideológica com a esquerda norteamericana e foi obrigado a escolher outro país para morar. Dez dos entrevistados se recusaram a responder qualquer pergunta e entraram para a primeira lista negra, além de terem sido condenados a cumprir penas entre 6 e 12 meses de prisão.

Uma nova lista, com 151 nomes de escritores, diretores, atores e outros profissionais do cinema e da televisão que teriam ligações com a esquerda americana, apareceu em junho de 1950. A lista trazia nomes como o escritor Dashiell Hammett, o roteirista Arthur Miller e os atores Burgess Meredith, Lesley Woods, Judy Holliday e Charles Irving. O nome de Orson Welles também aparecia, mas ele já havia deixado os EUA para trabalhar na Europa em 1947, assim que o comitê iniciou os trabalhos. Chamada de Red Channels, a lista foi elaborada por 3 ex-agentes do FBI e o produtor de televisão Vincent Harnett.

Cópias dessa lista foram enviadas a estúdios, escritórios e emissoras de todo o país, fazendo com que os nomes entrassem em uma nova lista negra antes mesmo que fossem ouvidos pelo comitê e tivessem a chance de renunciar às ligações passadas. Prato cheio para MacCarthy, que passou a convocar todos os citados e a incentivar a delação para angariar mais suspeitos. A lista negra foi crescendo e atingiu mais de 1 950 nomes, entre eles talvez o mais conhecido do público: Charles Chaplin.

Maestro inquieto

O compositor Leonard Bernstein aparecia na Red Channels. Suas convicções políticas já vinham sendo observadas pelo FBI antes mesmo da ação do comitê. Em 1939, ainda estudante em Harvard, Bernstein promoveu a execução de uma ópera do compositor esquerdista Marc Blitztein no campus. Nos anos 50, regente da Filarmônica de Nova York, teve o passaporte confiscado ao fazer declarações contra a Guerra Fria. Para recuperá-lo, em 1953, teve que assinar uma declaração em juízo de que não pertencia ao Partido Comunista, uma armadilha para que ele pudesse ser preso por falso testemunho, o que não aconteceu.

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A homossexualidade do maestro também serviu para esquentar as acusações contra ele, já que o cada vez mais feroz comitê passara a julgar o comportamento sexual e até o alcoolismo como elementos subversivos aos EUA. Casado com a atriz chilena Felícia Montealegre Cohn e pai de 3 filhos, Bernstein mantinha uma discreta relação extraconjugal com Tom Cothran. Certa vez declarou não ter preferência especial por um tipo de cozinha, um gênero musical ou forma de sexo.

O talento de Bernstein conseguiu superar a perseguição macarthista. Em maio de 1959 Bernstein levou a Filarmônica de Nova York para uma turnê na Europa e União Soviética. O compositor continuou trabalhando e promovendo ações de movimentos ativistas, chegando a abrigar em seu próprio apartamento, na Park avenue, um jantar com objetivo de arrecadar fundos para o movimento dos Panteras Negras, em 1966.


Me chamou d
e comunista!

Muitos artistas apontados pela Red Channels tiveram sua carreira prejudicada, se não interrompida. O comediante Zero Mostel gozava de imensa popularidade quando foi apontado, em 1952, como comunista por Martin Berkeley, o dedo-duro recordista que delatou 160 pessoas. Mostel foi colocado na lista negra e teve a carreira ameaçada. Não trabalhava havia 3 anos quando compareceu sozinho, sem advogado, perante o comitê em 14 de agosto de 1955. Mas não perdeu o bom humor.

O advogado do comitê lançou o primeiro ataque – sr. Mostel, o senhor é ou não é um comunista? Zero pulou da cadeira, jogou os microfones no chão e gritava para o presidente da sessão, Clyde Doyle: “Aquele homem me chamou de comunista! Tire-o daqui! Ele me perguntou se eu sou comunista! Tire-o daqui!” A audiência caiu na gargalhada. Durante mais de 20 minutos o humorista parecia estar no palco, recitando partes da Constituição que garantiam os direitos à liberdade aos americanos.

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Por fim, desistiram de perguntar se ele era comunista e perguntaram somente se ele evocava ou não a 5ª Emenda – o direito a ficar em silêncio para não produzir provas contra si, que na prática de MacCarthy significava uma confissão. Depois de 10 minutos Mostel respondeu que sim. Recusava a oferta de dar ao comitê outros nomes em benefício próprio. Ganhou a admiração dos colegas de lista negra, mas passou os anos 50 ao lado da família, trabalhando sozinho em seu próprio escritório.

Gênio exilado

Uma das maiores investigações levadas a cabo pelo FBI tinha como alvo a figura pioneira e genial de Charles Chaplin. Inglês morando nos EUA desde 1914, Chaplin tinha posições políticas consideradas de esquerda para a época, mas mantinha uma postura de neutralidade frente aos assuntos do país. Mas, para os macarthistas, o personagem do vagabundo e filmes como Tempos Modernos ameaçavam a sociedade americana. Com O Grande Ditador, de 1940, Chaplin entrou na lista negra do nazismo. Seu discurso no filme pregava contra qualquer tipo de nacionalismo exacerbado. Munição para os investigadores.

O comitê cogitou chamar Chaplin para dar explicações ainda antes da chamada lista negra, mas acabou desistindo, avaliando a popularidade do ator e temendo sua capacidade de satirizar os investigadores e ridicularizar a situação. Não foi preciso. Em 1952 Chaplin viajou para Londres para uma première de Limelight (Luzes da Ribalta). O próprio J. Edgar Hoover tratou de negociar junto ao Serviço de Imigração o cancelamento do visto de Chaplin alegando sua orientação política.

Chaplin estava exilado. Decidiu não mais voltar aos EUA e escreveu: “Desde o fim da última guerra, poderosos grupos reacionários, com apoio da imprensa, criaram uma atmosfera insalubre em que indivíduos com uma mente liberal podem ser apontados e perseguidos. Nessas condições é praticamente impossível continuar meu trabalho”. No mesmo ano, ganhou o Oscar de melhor música com Luzes da Ribalta, mas não apareceu para recebê-lo.

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Charles Chaplin só voltou aos EUA 20 anos depois, pela última vez. Em 1972 foi receber o prêmio especial da Academia de Cinema pelas suas “incalculáveis realizações na indústria do cinema”. Durante 5 minutos foi aplaudido de pé.

Boa noite e boa sorte

A caça às bruxas de MacCarthy perdurou até meados dos anos 50. A opinião pública começou a reagir com indignação contra as violações dos direitos dos cidadãos americanos, enfraquecendo o apoio político às ações do comitê do Senado americano. Edward R. Murrow, jornalista e um dos mais respeitados âncoras da televisão americana, decidiu enfrentar o senador.

Em seu programa de reportagens chamado See It Now (“Veja Isto Agora”), Murrow levou ao ar uma das mais contundentes críticas ao macarthismo ao denunciar que o tenente da aeronáutica Milo Radulovich, um dos condenados pelo comitê do senador MacCarthy, era inocente das acusações. A repercussão positiva do programa junto ao público estimulou o apresentador a prosseguir e assumir a crítica direta ao senador Joseph McCarthy. Todos os dias, Murrow encerrava o programa com uma mensagem simples de alívio e esperança aos americanos: “Boa noite e boa sorte”, ele dizia.

Numa tentativa desesperada, MacCarthy passou a ameaçar o apresentador e os produtores do programa e até o da rede CBS de televisão, que levava o programa de Murrow ao ar. Mas os abusos do senador já eram visíveis, e a opinião pública ficou a favor do enfoque crítico do programa. Era o primeiro sinal de que começava a ruir a política de perseguição à liberdade dos americanos exacerbada por MacCarthy e seus seguidores.

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Macarthismo

O período de intensa patrulha anticomunista nos EUA ficou conhecido pelo nome que faz menção ao seu mais fervoroso defensor, o senador norte-americano Joseph MacCarthy (foto), presidente do Comitê de Atividades Antiamericanas do Senado, que instaurou uma política de perseguição e desrespeito aos direitos civis. Ao mesmo tempo, incentivava a propaganda anticomunista que deixava o povo americano com medo de uma iminente invasão soviética. Milhares de cidadãos americanos e estrangeiros que moravam nos EUA foram acusados de comunistas ou simpatizantes. A maioria das punições impostas pelo comitê foi posteriormente considerada ilegítima pelos tribunais americanos.

O Stasi não morreu
Mais de 23 mil agentes da temida polícia secreta da antiga Alemanha Oriental, responsável pela espionagem e perseguição de cidadãos comuns durante a Guerra Fria, foram incorporados ao serviço público alemão após a unificação. Um deles é, até hoje, guarda-costas da primeira-ministra alemã, Angela Merkel.

O Ministério de Segurança do Estado, chamado de Stasi (abreviatura de Staatssicherheit), foi criado em 8 de fevereiro de 1950 – apenas 4 meses depois da própria Alemanha Oriental – para a “proteção confiável das empresas de propriedade do povo, dos bens agrários e do setor de transportes contra elementos criminosos, agentes inimigos, subversivos, sabotadores e espiões”, conforme os dois parágrafos do texto da lei aprovada por unanimidade pelo Parlamento. A falta de atribuições muito claras acabou desviando seus propósitos originais. “Quase nenhum dos deputados percebeu que acabava de aprovar a criação de um órgão que se tornaria um serviço secreto onipotente com um batalhão de colaboradores, seguindo o modelo soviético”, afirma Klaus Schroeder, especialista em Alemanha Oriental da Universidade Livre de Berlim. O novo ministério acabaria se transformando num Estado dentro do Estado.

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Para Schroeder, foi o general Erich Mielke, um stanilista convicto treinado em Moscou, que colocou o Stasi a serviço do Comitê Central do partido. Em um de seus primeiros pronunciamentos depois de assumir em 1957, o novo líder do Stasi afirmou acreditar que a Alemanha Oriental estava cercada de agentes inimigos e espiões. A partir daquele momento, o que a liderança do partido e do Estado deveria temer não eram agentes aliciados pelo inimigo, mas todo e qualquer um que não estivesse disposto a colaborar. O Stasi passou a localizar e isolar (às vezes na prisão mesmo) aqueles que no meio do povo se opunham a uma “sociedade socialista humana”, na qual o individualismo deixaria de existir em prol da coletividade e na qual todos teriam de apoiar o Estado.

Não é difícil entender por que esse tema, depois da unificação, é um dos que permanecem mais difíceis de ser superados. Cerca de 17 mil ex-funcionários do Stasi teriam permanecido na administração pública dos estados do leste alemão após a reunificação, segundo uma reportagem do jornal Financial Times Deutschland. O debate foi retomado em julho, após denúncias na imprensa de que haveria cerca de 100 ex-funcionários do Stasi trabalhando no Departamento Estadual de Investigações de Brandemburgo. O governo em Potsdam confirmou 58 casos. O Departamento Federal de Investigações confirmou ter mantido 48 ex-funcionários do Stasi após a reunificação, 23 dos quais continuam lá. Dois trabalham no alto escalão e um pertence ao grupo de guarda-costas da primeira-ministra, Angela Merkel.

“Não sabíamos que eram tantos, nem que tinham essa importância”, diz Hubertus Knabe, diretor do memorial às vítimas do Stasi, em Berlim. Para ele, o mínimo que se esperava era que os antigos colaboradores do Stasi não exercessem funções de comando. O Ministério do Interior informou que mais da metade dos ex-funcionários do Stasi continua trabalhando na administração pública do lado oriental e que seria praticamente impossível demitir todas essas pessoas agora ou em curto prazo.

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