José Pardina
É 11 de março. Já faz um tempinho que amanheceu em Madri. Ainda que o inverno há semanas venha dizendo adeus, o céu cinza de hoje não anuncia um dia muito primaveril. Como qualquer outra quinta-feira a esta hora, corremos no café da manhã. “Sacudimos” o sono. Do chuveiro escutamos o rádio. Meia Espanha se prepara para ir ao trabalho ou à escola…
Uns 15 minutos antes das 8, todas as emissoras de rádio interrompem a rotina de seus espaços informativos para emitir uma notícia de alcance. Ainda confusa, quente: “Há relatos de uma explosão na estação de Atocha… não há registro exato de mortos ou feridos… as causas são desconhecidas… Acidente ou atentado? Não sabemos ainda, não se pode descartar nenhuma possibilidade… Vizinhos da região estão ligando para a emissora e informando que foram várias as detonações… Parece que alguém viu um corpo estendido nos trilhos… Não há nota oficial, estamos buscando confirmação… Enviamos nossas equipes ao local… Continuaremos informando…”
Desgraçadamente, nós espanhóis estamos habituados a esses sobressaltos matutinos. Há anos, há mais de 30. Não diria acostumados, isso nunca. Mas já são muitas manhãs como essa, com uma explosão anunciada pela rádio, um carro-bomba misturado com o café, a notícia de outro atentado do ETA.
Periodicamente, autoridades e meios de comunicação anunciam a desarticulação do grupo terrorista basco. Mas há pouco tempo eles foram pegos com um furgão carregado de dinamite na direção de Madri. E só faltavam três dias para as eleições – já se sabe como o ETA participa das campanhas eleitorais.
No rádio e na televisão, começam a “pingar” mortos. Já são três ou quatro. Cinco, seis… Também se confirma que foram várias explosões. Mais de duas. Se formos somando, chegam até 13. Dentro do trem. Nos trens. Em quatro trens de subúrbio repletos de passageiros que se dirigiam a Madri desde Alcalá de Henares. Em Santa Eugenia, em El Pozo… São 8 em ponto. Meu telefone celular também começou a tocar.
Vivo perto de Atocha, a estação central de Madri Sul. Decido ir caminhando até as sirenes. Um cordão policial impede a passagem, o tráfego de ambulâncias e bombeiros em direção a oeste é incessante. Fala-se de muitos feridos evacuados da área. Mas não há sinais de fumaça ou fogo. Nos rostos, expressões de preocupação e estranheza. Algumas pessoas choram em silêncio. Não vejo sangue. Ninguém sabe nada ao certo.
O que aconteceu foi um massacre. Um assassinato indiscriminado e maciço como nunca havíamos vivido nesta cidade. “Um crime de uma escala com a qual não existe comparação nos últimos 60 anos da história da Europa”, como escreveria no dia seguinte Antonio Muñoz Molina. Madri ficou desaparecida numa estranha atmosfera de medo e raiva, de perplexidade e tristeza, de coragem e impotência…
Reconstruo minhas impressões iniciais quando já passaram dez dias desde o massacre de Madri. Nosso 11-M. Os mortos chegam hoje a 190 e os feridos passam de mil. Muitas mulheres e jovens, entre eles até um bebê de 7 meses… Havia trabalhadores e estudantes. Espanhóis, romenos, equatorianos, árabes… Todos com um nome e uma história.
No dia seguinte, aos milhões nos dirigimos às ruas, de todas as cidades da Espanha, debaixo da chuva, para lembrar os mortos e condenar os assassinos. “Nesse trem íamos todos”, gritava-se nas impressionantes manifestações de sexta-feira. E também: “Não está chovendo, Madri está chorando”. A Al Qaeda reivindicou o atentado. O terror no nosso país já tem duas caras.
Depois de um sábado de luto e agitada reflexão, o governo conservador do Partido Popular, no poder desde 1996, sofreu uma grande derrota nas eleições do domingo, contra todos os prognósticos.
Madri recuperou seu céu azul velazquenho. Chegou enfim a primavera. Atocha se tornou nosso Marco Zero, um altar de respeito e emoção contida, coberto de flores, orações, velas e poemas. Mas o ar da cidade continua impregnado de medo, pena e raiva. E de estranheza.
José Pardina é diretor da revista espanhola Muy Interesante
Tradução: Alberto de La Peña y Ozaki
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