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Missão – Matar o papa

O governo búlgaro teria contratado o turco Ali Agca para assassinar João Paulo II, um inimigo declarado do comunismo. Tudo para agradar aos camaradas do regime soviético.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h34 - Publicado em 30 set 2005, 22h00

Marcos de Moura e Souza

TEORIA – Comunistas contra João Paulo II

OBJETIVO – Acabar com o homem que ameaçava o regime soviético

O extremista turco Mehmet Ali Agca entrou para a história como protagonista de uma das mais ousadas tentativas de assassinato do século 20. Em 13 de maio de 1981, por volta das 17 horas, ele se misturava à multidão de católicos na Praça São Pedro, em Roma. Todos se espremiam para ver o papa João Paulo II passar em um carro aberto. Quando conseguiu ficar a cerca de 7 metros de distância do pontífice, Agca sacou sua pistola Browning 9 milímetros e disparou várias vezes. João Paulo foi atingido no estômago, no cotovelo direito e no dedo indicador da mão esquerda. Quase morreu. Eram anos de Guerra Fria – Estados Unidos versus União Soviética –, uma atmosfera bastante fértil para o surgimento de teorias conspiratórias. Claro, o atentado contra o papa logo ganhou a sua, enrolada o suficiente para que o crime permaneça até hoje envolto em mistério.

Nos primeiros dias após o atentado, tudo parecia se encaixar. O polonês Karol Wojtyla fora eleito papa fazia apenas dois anos e meio. Sua terra natal pertencia ao bloco comunista e fervilhava com movimentos de trabalhadores descontentes. Como chefe da Igreja, ele nutria aversão à expansão comunista e manifestava seu apoio a sindicalistas poloneses do recém-formado Solidariedade, contrário ao governo. Era permitido supor, portanto, que a então URSS e seus satélites no Leste Europeu estivessem interessados na morte do papa – visto pelos camaradas como uma ameaça ao regime soviético.

A tese conspiratória circulava na CIA, o serviço de inteligência dos Estados Unidos, e no Vaticano. “Sem dúvida, o atentado não foi um ato isolado”, declarou em 1995 o cardeal Agostino Casarolio, então secretário de Estado do Vaticano. A CIA tomou conhecimento de indícios que ligavam Agca a uma suposta conexão búlgara. A Bulgária fazia parte do bloco comunista. O que se dizia era que o serviço secreto do país teria contratado o atirador para pôr em prática os planos de sua todo-poderosa congênere soviética, a KGB. Seria uma maneira de demonstrar lealdade à Cortina de Ferro.

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A ficha corrida de Agca deu tempero à história. Em 1979, ele publicara uma carta em um jornal de Istambul contra João Paulo II. Criticava “os imperialistas ocidentais” que enviavam à Turquia “o comandante das Cruzadas” e ameaçava: “Se essa visita não for cancelada, vou, sem dúvida alguma, matar o comandante-papa”. O pontífice chegava naquele dia à Turquia. Como se sabe, nada aconteceu. Agca já era conhecido pela polícia de seu país. Envolvera-se com grupos de extrema-direita e com a “máfia turca”, chegara a ser preso por participação num assassinato e era acusado de operar com contrabando de armas e drogas.

A CONEXÃO BÚLGARA

Poucos meses depois do atentado, Iordan Mantarov, adido comercial-adjunto da embaixada da Bulgária em Paris, abandonou o posto e afirmou a agentes franceses que o atentado contra o papa fora organizado pelo serviço secreto búlgaro, sob as ordens da KGB. Agca, que em 1981 foi condenado à prisão perpétua por um tribunal da Itália, dizia ter agido sozinho. Mas, no ano seguinte, mudou a versão e também incluiu a Bulgária no suposto complô. Ele apontou três funcionários da embaixada búlgara em Roma e quatro turcos como seus cúmplices. Disse que, pelo plano de fuga, um caminhão com passe diplomático da Bulgária o levaria até a Iugoslávia.

Agca não poupou detalhes da trama. Ele contou que, antes do crime, reuniu-se em hotéis da capital búlgara, Sófia, com um chefão do crime que o teria contratado para matar João Paulo II. O valor do serviço: 400 mil dólares. O homem seria um certo Bekir Celenk, que se apressou em negar o envolvimento. Mas algumas informações batiam. Um caminhão realmente saiu da embaixada búlgara na noite do crime – talvez com o principal cúmplice de Agca – e comprovantes de estadias mostraram os encontros alegados. Antes de atirar no papa, Agca passou uma temporada viajando pela Europa e torrou 50 mil dólares em transporte e hotéis, até chegar à Itália com um passaporte de estudante. De onde teria conseguido todo esse dinheiro?

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Nessa época, surgiram informações da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês) que implicavam ainda mais a Bulgária. Entre março e abril de 1981 – os dois meses que precederam o atentado –, o volume de mensagens telegráficas em código entre a embaixada da Bulgária em Roma e o serviço secreto búlgaro, o Darzavna Sigurnost, aumentara consideravelmente. Depois dos tiros na Praça São Pedro, a quantidade de contatos despencou. A imprensa noticiou também que, quando foi preso, Agca tinha no bolso dois números de telefones da embaixada da Bulgária, o número de um funcionário, um do consulado e outro de uma companhia aérea dos Bálcãs.

As peças pareciam formar a figura clara de uma legítima conspiração. Ainda mais porque os soviéticos tinham uma posição francamente hostil ao papel da Igreja em relação aos países socialistas. Os jornalistas Carl Bernstein e Marco Politi, no livro Sua Santidade João Paulo II – A História Oculta de Nosso Tempo (Objetiva, 1996), afirmam que o Comitê Central do Partido Comunista aprovou um documento em 1979 instruindo os órgãos estatais a se empenhar “numa campanha anti-Wojtyla, sobretudo na área de propaganda”. O documento via como “problema” o fato de o Vaticano usar a religião na luta ideológica contra os países socialistas. Em Moscou, dizia-se que fora o Ocidente, e não o espírito santo, quem ajudara a escolher Wojtyla.

A URSS e a Bulgária sempre rebateram todas essas suspeitas. E, apesar das aparentes evidências, alguns dados e análises põem em dúvida a versão conspiratória. O primeiro ponto é o jeito desastrado de Agca. Assim que disparou, foi agarrado por ninguém menos que uma freira e derrubado e dominado por fiéis. “O problema com a teoria da Bulgária é que o plano foi… muito pouco profissional”, disse à revista Newsweek, na edição de abril de 2005, um diplomata de um país que já foi alvo de terroristas. Para Bernstein e Politi, o principal contra-argumento era o risco geopolítico de tal complô: “Se uma mão soviética fosse encontrada na tentativa de assassinato, o isolamento diplomático e a condenação da URSS seriam avassaladores”. Os autores lembram que, na ocasião do atentado, os soviéticos estavam engajados numa aproximação com o papa para conter o Solidariedade.

Depois de ter ficado 19 anos preso na Itália, Agca foi transferido para a Turquia e hoje cumpre pena por outros crimes. Ao longo dos anos, ele contribuiu com várias versões paralelas, como a de que teve ajuda de autoridades da Santa Sé para matar o papa. Mas ninguém tem certeza se Agca é apenas um maluco perigoso ou se estava a serviço de uma conspiração que poderia ter mudado o rumo político do mundo. l

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“Sem dúvida, o atentado não foi um ato isolado”

Agostino Casarolio

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Arquivos lacrados

Em 2005, jornais italianos revelaram novos documentos que comprovariam o complô

Em março de 2005, a imprensa italiana voltou a colocar lenha na velha tese de conspiração que há 24 anos ronda o Vaticano. Os jornais Corriere della Sera e Il Giornale publicaram que arquivos da antiga Alemanha Oriental continham documentos que comprovariam que a URSS realmente ordenou o assassinato do papa João Paulo II em 1981. Segundo as reportagens, a Bulgária teria recebido a missão do assassinato, e a Stasi – o serviço secreto da então Alemanha comunista –, de coordenar e acobertar os eventuais vestígios da operação. Os documentos secretos teriam sido mantidos durante todo esse tempo em uma sala dos arquivos búlgaros “com portas e janelas lacradas”, disse Metodi Andreev, ex-presidente da comissão parlamentar búlgara encarregada de abrir os documentos da era comunista. “É uma intensa correspondência entre a Stasi e a Darzavna Sigurnost, o serviço secreto búlgaro”, afirmou Andreev. Ao todo, seriam cerca de mil cartas secretas. O papa, que manteve uma posição de cautela em relação ao crime e visitou seu quase assassino na prisão, em 1983, deixou seu último comentário sobre o atentado no livro Memória e Identidade (Objetiva, 2005). Ele se mostra convencido de que Mehmet Ali Agca não agiu por iniciativa própria e que a ação fora “planejada e comandada por alguém”. Mas, em 2002, durante visita à Bulgária, o papa disse que jamais acreditou na conexão búlgara, segundo Joaquin Navarro-Valls, porta-voz do Vaticano. Não há dúvida de que faltam algumas peças nesse quebra-cabeça.

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