Nem Deus nem lei
A China antiga, afinal, é mais que um país. É a síntese de uma civilização requintada e sofisticada em seus cânones e condutas.
Antônio Madalena
Muito antes do yin e yang se tornar moda no Ocidente, Marcel Granet escreveu a obra clássica e insuperável a respeito da China, esse país estranho e fascinante. Saudada por Lévi-Strauss como uma obra “cheia de intuições geniais”, a publicação de O pensamento chinês, em 1934, se tornou um marco. A China antiga, afinal, é mais que um país. É a síntese de uma civilização requintada e sofisticada em seus cânones e condutas. Se seduz, sobretudo perturba por ser a representação do quase inteiramente “outro” no imaginário ocidental. Afinal, como entender uma cultura que não tem nada em comum com a herança judaico-cristã e tão pouco a ver com os gregos?
Por meio da etnografia, Granet percebeu que o pensamento chinês tem como base a estrutura social e que, regido pelas noções de ordem, totalidade e ritmo, sempre foi avesso aos dogmas. Em vez de filosofias, desenvolveu uma sabedoria, um mínimo de princípios capazes de orientar a ação num mundo cambiante, como o demonstra o I Ching. Na China, Homem e Natureza formam uma única sociedade e a ordem se realiza por meio da participação ativa dos seres humanos. Assim, em lugar de uma ciência do mundo, elaboraram uma etiqueta da vida. Orientados para o concreto, a ação e suas circunstâncias, os chineses prescindiram das noções de Deus e de um corpo jurídico de leis. Paradoxalmente, ou não, criaram uma sociedade permeada pela noção da sacralidade da vida.