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No princípio era o Caos

De onde viemos? Quem somos? Povos de diferentes épocas e regiões do planeta recorrem aos deuses para explicar, cada qual a sua maneira, como surgiram o universo e a humanidade

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h22 - Publicado em 30 set 2006, 22h00

Márcio Sampaio de Castro

Um homem com uma longa barba negra e cabelos encaracolados levanta-se e começa a falar para a assembléia que se reúne regularmente naquele templo, na cidade de Ur. As luzes dos candeeiros conferem maior solenidade às suas palavras. Na reunião daquela noite, ele resolveu contar mais uma vez a seus ouvintes a história do surgimento do mundo. “Antes de todos os antes, nada existia, a não ser Nammu, o abismo sem forma. Um dia, Nammu resolveu espreguiçar-se, e novamente voltou a enrolar-se. Com esse gesto, ele criou Ki e Anu, respectivamente a Mãe Terra e o Firmamento. Deles nasceriam todos os demais deuses, o tempo e, no futuro, o homem, que seria feito de argila.”

Era assim que, há 5 500 anos, os sumérios, na região da Mesopotâmia, correspondente ao atual Iraque, explicavam a origem do mundo. Considerados os fundadores da civilização mais antiga de que se tem notícia, eles foram responsáveis pela invenção da roda, da escrita, da administração pública e de uma série de outros elementos presentes ainda em nossos dias. Diversas civilizações herdaram muitos dos valores materiais e simbólicos desse povo. Os mitos sobre a criação do mundo narrados pelos antigos sacerdotes sumérios encontraram ressonância nas futuras potências que surgiram às margens do mar Mediterrâneo. Na Grécia, Nammu teve como equivalente o Caos, e os dois primeiros senhores do universo foram Gaia (a Terra) e Urano (o Céu). A exemplo da mitologia suméria, para os gregos o primeiro casal do universo deu origem aos diversos deuses e deusas, dotados de poderes sobrenaturais e, ao mesmo tempo, com características humanas, e com o papel de organizar os mundos visível e invisível. Uma explicação também encontrada nos mitos produzidos pela cultura egípcia.

Já os hebreus, que foram escravizados pelos egípcios na época dos faraós, escreveram os primeiros textos bíblicos, que depois foram adotados pelos cristãos com o nome de Velho Testamento. Eles também procuraram explicar a criação do mundo no texto chamado Gênesis. Em sua primeira frase o livro afirma: “No princípio criou Deus os céus e a terra”. Mas as semelhanças com seus vizinhos terminam aí. Diferentemente dos egípcios, os hebreus atribuem o processo da criação a uma única força, sem a presença dos deuses e semideuses, co-responsáveis pela criação da natureza e dos homens.

Autoconhecimento

Quaisquer que sejam a época, o local, as semelhanças ou as diferenças, os mitos sobre a criação do mundo recebem o nome de cosmogonia, que trata da origem não só do universo, mas também de muitas religiões. Mas por que os diversos povos sentem a necessidade de explicar a criação do mundo? “Aprendendo como os deuses e as deusas vieram a existir e adquiriram seus papéis, os seres humanos podem compreender suas relações tanto com as deidades como com seus governantes, com os animais e com todo o restante do mundo natural e sobrenatural”, diz a mitóloga Verônica Ions, autora do livro História Ilustrada da Mitologia.

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Os mitos sempre guardam intensa relação com as condições originais do meio ambiente dos povos que os criaram. Para os polinésios, que são profundamente ligados ao mar, a mãe Papa (a Terra) e o pai Rangi (o Céu) nasceram do interior de uma gigantesca concha celeste. Depois da união sexual entre eles surgiram todas as demais coisas. Na tradição chinesa, o mundo foi criado por Pun Ku, um deus que, após 18 mil anos de gestação, nasceu de um ovo cósmico. Para os hindus, o mundo foi criado por Brahma, que corresponde a uma força divina dentro do “nada original”. Esse deus sentado numa flor-de-lótus criou o universo com sua respiração cósmica. O curioso dessa história é que tal criação é cíclica e tem até data de validade: pouco mais de 4 bilhões de anos. Após esse período, acreditam os hindus, Brahma vai dormir e o mundo deixa de existir, para ressurgir depois do descanso divino.

Originalmente contadas nos templos ou ao redor das fogueiras, as histórias e os mitos sobre a criação do mundo são narrativas que surgiram num período em que a humanidade não conhecia a TV, a internet, o cinema e sequer a eletricidade. Mesmo assim, elas ainda têm o poder de mexer conosco, conduzindo-nos para épocas e lugares que, de alguma maneira, tentam explicar como tudo começou.

Saídos da lama

Para chineses, egípcios e cristãos, o homem foi feito de barro

Sentindo-se solitária, a deusa chinesa Nu Kua resolveu criar os primeiros seres humanos. Modelando-os a sua imagem, ela empreendeu uma tarefa artesanal que lhe exigiu muito capricho. Mas, impaciente, decidiu acelerar o processo e passou a arrastar uma corda na lama. A revolução que causou na terra com esses movimentos permitiu-lhe criar novas formas com os respingos do lamaçal. E foi assim que surgiram os primeiros homens. A associação do barro com a criação da humanidade é uma idéia presente em outros povos. Para os antigos egípcios, o deus Khnum tinha uma roda de oleiro e com ela, misturando barro e palha, modelou outros deuses, o universo, os faraós e os homens. Na mitologia judaico-cristã, o primeiro homem foi criado do pó da terra.

Para saber mais

LIVRO

História Ilustrada da Mitologia, Verônica Ions, Editora Manole, 1999

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Texto ricamente ilustrado que compara os principais aspectos de mitologias de diversos povos.

SITE

https://www.pantheon.org/areas/mythology/

Enciclopédia virtual com um amplo material sobre mitologia. Em inglês.

Mitos da criação no Brasil

Como os índios e os negros explicam a origem do mundo

A cultura brasileira, influenciada pela européia, tem uma relação muito próxima com a cultura grega quando o assunto é mitologia. Mas outras duas matrizes que ajudaram a formar o povo brasileiro também deram importantes contribuições para explicar a origem do mundo: os índios e os negros. Para os tupi-guaranis, principal grupo que ocupava as terras brasileiras quando a expedição comandada por Pedro Álvares Cabral chegou por aqui, em 1500, o mundo foi criado por Tupã. O significado dessa palavra é “sopro divino”, e suas duas principais manifestações são o raio e o trovão. De acordo com a lenda, Tupã desceu à Terra para criar o oceano, as florestas, os animais e a humanidade. A exemplo de outras mitologias, todos os seres humanos surgiram de um primeiro casal feito de argila, Rupave e Sypave. Já os negros iorubas trouxeram para o Brasil a narrativa sobre Olodumaré, o deus que vivia sozinho no infinito, cercado de fogo, chamas e vapores. Cansado dessa paisagem, ele resolveu libertar suas forças criadoras, manifestando-as por meio de uma grande tormenta de águas. Da tormenta surgiram o mar, a terra e Yomonja, a grande mãe, mais conhecida pelos brasileiros como Iemanjá. E de seu ventre nasceram as estrelas, as nuvens e todos os orixás, os deuses míticos do panteão ioruba. Tanto no caso dos tupi-guaranis como dos iorubas, esses mitos pertencem a uma tradição oral que sobreviveu com dificuldade ao longo da história e sofre variações conforme a região do país. As tradições indígenas foram mantidas nas reservas e comunidades e, mais recentemente, começaram a ganhar registros escritos mais aprofundados. A cultura ioruba, por sua vez, sobreviveu principalmente nos terreiros de candomblé e só de algumas décadas para cá vem recebendo uma atenção maior de especialistas em temas mitológicos.

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