PRORROGAMOS! Assine a partir de 1,50/semana

Petróleo :fontes de violência

Petróleo, diamantes e água estão na origem de muitos conflitos armados ao redor do mundo, principalmente na África, na Ásia e no Oriente Médio.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h20 - Publicado em 30 set 2007, 22h00

Texto Alessandra de Falco

Petróleo, diamantes e água. Essas 3 riquezas naturais vêm alimentando conflitos armados e combates sangrentos ao redor do mundo já faz algum tempo. Elas são o estopim daquilo que alguns especialistas convencionaram chamar de “novas guerras” – disputas contemporâneas marcadas por objetivos econômicos no lugar de idealismo político, divergência religiosa ou limpeza étnica.

Segundo Denise Galvão, integrante do Grupo de Análise de Prevenção de Conflitos Internacionais da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, a briga por recursos naturais sempre teve papel decisivo nas guerras travadas na África e no Oriente Médio – região detentora de aproximadamente 55% das reservas mundiais de petróleo. Diamantes, por outro lado, financiaram matanças na Libéria, em Serra Leoa e na República Democrática do Congo (RDA) – e continuam a patrocinar conflitos em muitos países africanos (leia mais nas págs. 34 e 36).

No capítulo “água”, a situação parece ser ainda mais complicada. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), quase todos os 261 rios “internacionais” do mundo – aqueles que cruzam fronteiras – têm sido foco de tensões nas últimas décadas. A maioria deles localiza-se na África, no Oriente Médio e no sudeste da Ásia. Um dos casos mais emblemáticos de guerra por água é o conflito entre árabes e israelenses que começou em 1964 e mantém-se vivo até hoje. Naquele ano, Israel bombardeou a Síria depois que o país começou a desviar água do rio Banias e alguns afluentes do Jordão. A disputa foi evoluindo até dar origem à Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando os israelenses ocuparam as colinas de Golã (região com importantes fontes renováveis de água) e passaram a controlar a cidade de Jerusalém interia. Especialistas em hidropolítica afirmam que, até 2020, a falta d´água será crônica em todo o Oriente Médio. Isso poderá esquentar ainda mais a já tumultuada relação entre os países daquela região.

Pontos nevrálgicos

O petróleo era desprezado pelos povos do Oriente Médio na época em que Jesus Cristo andava por lá. Por causa do mal-cheiro, não era usado nem em lamparinas. Hoje, países são capazes de ir à guerra por ele. Os EUA, donos da maior economia do mundo (e a mais dependente do combustível também), perceberam a importância de manter algum controle sobre as principais regiões produtoras desde o início do século passado. Na década de 1930, estabeleceram suas primeiras alianças com os países do Golfo Pérsico – entre eles a Arábia Saudita. Algum tempo depois, partiram para as reservas da África, acompanhados de franceses, belgas e britânicos. Direta ou indiretamente, essas potências ocidentais e suas empresas petrolíferas acabam financiando os conflitos travados entre governos corruptos e grupos rebeldes.

A China é a mais nova potência econômica a entrar na disputa pelo “ouro negro”. O país já participa da prospecção e exploração de petróleo tanto na África quanto em outros dois pontos nevrálgicos do planeta: o Cáucaso e a Ásia Central (leia mais na pág. 42). Com grandes reservas ainda pouco exploradas, essas regiões despertam o interesse de americanos, europeus e chineses desde o início da década de 1990. “Ricas em petróleo e gás natural, mas marcadas por regimes instáveis e disputas religiosas, essas regiões da extinta URSS podem ser o centro de grandes conflitos no século 21”, afirma Denise Galvão.

Continua após a publicidade

Sorte ou maldição?

Nos últimos 10 anos, pelo menos 28 países com grandes reservas de petróleo e diamante enfrentaram guerras ou conflitos armados

250 milhões

Continua após a publicidade

Número aproximado de pessoas, em 26 países, que já enfrentam escassez crônica de água doce.

US$ 7,5 bilhões

Valor anual movimentado pelos chamados “diamantes de sangue”, produzidos em áreas de conflito na África.

112,5 bilhões

Reservas comprovadas de petróleo do Iraque, em barris. É a segunda maior do mundo, atrás apenas da Arábia Saudita.

Continua após a publicidade

Dependência crônica

As maiores economias precisam importar cada vez mais petróleo.

Consumidor – EUA

Importação hoje – 55,7%

Importação em 2025 – 71%

Continua após a publicidade

Consumidor – Europa Ocidental

Importação hoje – 50,1%

Importação em 2025 – 68,6%

Consumidor – China

Importação hoje – 31,5%

Continua após a publicidade

Importação em 2025 – 73,2%

Fonte: Agência Internacional de Energia

Continente saqueado

Três ingredientes explosivos estão na receita dos conflitos que assolam a África: sociedades falidas, riquezas minerais e exploração internacional

Texto Alessandra de Falco

Oficialmente, todas as guerras civis nos 18 países da África Ocidental e nos 8 da África Meridional já terminaram. Em Serra Leoa, por exemplo, o sangrento conflito iniciado em 1991 chegou ao fim em 2001, após uma intervenção da ONU. Na época, o mundo ficou horrorizado com as notícias de crianças-soldado empunhando rifles e metralhadoras, estupros em massa e mutilações de prisioneiros de guerra – procedimentos adotados pelos rebeldes da Frente Revolucionária Unida (FRU), principal grupo armado daquele país. Em Angola, última nação a assinar um tratado de paz, a guerra acabou em 2002. Saldo de 27 anos de conflito: fome, epidemias devastando campos de refugiados e cerca de 800 mil vítimas mutiladas por minas terrestres.

Mas a assinatura de acordos não significou o fim de todos os confrontos. Ainda há focos de luta entre governos e grupos armados na República Democrática do Congo, Nigéria e Costa do Marfim e Mauritânia (leia mais no quadro ao lado). Segundo Denise Galvão, integrante do Grupo de Análise de Prevenção de Conflitos Internacionais da Universidade Cândido Mendes, no Rio de janeiro, uma das explicações para todas as guerras africanas – tanto as que já acabaram quanto as que ainda estão em curso – é a disputa pelo acesso a riquezas naturais como petróleo, diamantes, terras e água. “Compreender essas disputas é fundamental para entender os conflitos.”

Briga de gente grande

Petróleo é a base da economia para diversos países do continente africano. A produção é alta. Sozinhos, os países da África Ocidental – especialmente os do golfo da Guiné, da Nigéria até o Congo – já respondem por 12% de todo o petróleo importando pelos EUA anualmente. Compreensível, portanto, que os americanos tenham um interesse estratégico na região. Companhias petrolíferas dos EUA, da França, da Inglaterra e da China atuam na prospecção e na exploração das principais reservas africanas. E cada uma dessas potências já foi acusada de intrometer-se em conflitos locais para defender seus interesses. “As empresas estrangeiras instaladas na região interferem ativamente na política daqueles países”, afirma Nizar Messari, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).

O presidente americano, George W. Bush, anunciou em fevereiro de 2007 a criação de um novo sistema de ação militar para o continente: o Comando dos EUA na África (Africom). Alguns analistas internacionais acreditam que seja uma reação à crescente influência chinesa no mercado africano de petróleo. Cálculos da Organização Mundial do Comércio (OMC) indicam que 64% do total de barris exportados anualmente pelo Sudão têm como destino final a China.

Quase nada do dinheiro movimentado pela exploração de petróleo traduz-se em melhores condições de vida para a população. Ao contrário: acaba servindo para a compra de armas e alimenta conflitos entre governos, grupos rebeldes e etnias rivais. Ainda assim, Messari acredita que as reservas africanas, em vez de fontes inesgotáveis de problemas, ainda podem significar um futuro melhor para vários países. “Em Angola, por exemplo, a indústria do petróleo é responsável pela recuperação do país”, diz o professor. Graças aos barris de ouro negro, a taxa de crescimento econômico angolana é de 15% ao ano – contra 5% previstos para a economia brasileira em 2007.

Diamantes de sangue

Grandes reservas de diamantes também têm se revelado uma maldição para vários países africanos nas últimas décadas. Estima-se que aproximadamente 500 mil pessoas tenham morrido durante a guerra civil em Angola e outras 100 mil nos conflitos da Libéria e de Serra Leoa. Na República Democrática do Congo, essa conta chega a 4 milhões (leia mais na pág. 36). Todas essas guerras foram desencadeadas, entre outros motivos, pelo controle do comércio de pedras preciosas.

Somam-se a esse quadro de terra arrasada a completa falência de muitos Estados africanos, a fragilidade das instituições democráticas em outros tantos, os seguidos casos de corrupção e abuso de poder e uma desastrosa epidemia de Aids, que atinge boa parte da África. Resultado: um continente em frangalhos, cujo futuro é incerto e preocupa a comunidade internacional. De novo, Messari encontra espaço para algum otimismo: “Já há um histórico de sucesso das missões de paz em países como Angola”, diz o professor de Relações Internacionais. “E as eleições em Serra Leoa e na Libéria vêm sendo consideradas transparentes e limpas por observadores.”

Quem luta contra quem na África

Há focos de conflito em 3 países.

NIGÉRIA

Adversários – Movimento para a Emancipação do Delta do Níger e Etnia hausa-fulani contra forças do governo.

Desde quando – 2000

O que está por trás – Estão em jogo rivalidades étnicas, diferenças religiosas e o controle sobre áreas de exploração de petróleo.

COSTA DO MARFIM

Adversários – Etnia gueré contra etnia dioula.

Desde quando – 2001

O que está por trás – O caos político fez crescer a tensão entre as duas etnias, que disputam o controle de terras e fontes hídricas.

MAURITÂNIA

Adversários – Tuaregues separatistas contra forças do governo.

Desde quando – 1991

O que está por trás – Controle de pastagens e recursos hídricos, mas a luta arrefeceu após as eleições para presidente, em março de 2007.

Congo 4 milhões de baixas

De todos os conflitos armados da história, o da República Democrática do Congo só não matou mais que a Segunda Guerra Mundial

Eduardo Lima e Reportagem Alessandra de Falco

Enquanto o mundo todo se preocupa com as guerras no Iraque e no Afeganistão, uma catástrofe consome a República Democrática do Congo (RDC) há quase dez anos. Esse país, um dos maiores e mais populosos da África, tem riquezas naturais inimagináveis: metade das florestas africanas, 50% de toda a capacidade hidrelétrica do continente e grandes reservas de diamante e petróleo, para citar apenas algumas. Ainda assim, figura na lista das nações mais miseráveis do planeta. Motivo? A guerra. Desde 1998, conflitos alimentados por diferenças étnicas, interesses políticos e contrabando de diamantes, já mataram quase 4 milhões de pessoas – entre grupos rebeldes, forças do governo e população civil. É como se, de lá para cá, um tsunami igual ao de 2004 devastasse o país a cada seis meses. De todas as guerras da História da humanidade, a da RDC só não matou mais que a Segunda Guerra Mundial.

A tragédia congolesa começou antes mesmo de o país se tornar independente. Até 1960, o Congo foi colônia da Bélgica e viveu sob um dos regimes mais violentos de que se tem notícia em toda a história do colonialismo europeu. Quando conquistou a independência, transformou-se num barril de pólvora que nunca mais parou de explodir: em 1962 e 1963, numa insurreição na região de Katanga; em 1965, num sangrento golpe militar; em 1994, nos choques entre milícias das etnias hutu e tutsi. Mas foi em 1997 que a situação chegou ao limite. Em meio a uma brutal guerra civil, os rebeldes da Aliança das Forças Democráticas pela Libertação do Congo (AFDL) derrubaram o então presidente, Joseph Mobuto, e colocaram em seu lugar o líder insurgente Laurent Kabila. A partir daí, o país surfaria numa onda de violência ainda mais impressionante.

Logo em 1998, rivalidades entre tutsis e hutus tornaram a mergulhar a RDC no caos. Quando a situação evoluiu para uma nova guerra civil, os governos vizinhos de Ruanda, Uganda e Burundi aproveitaram para invadir o país. A resposta dos aliados de Kabila veio em seguida, com intervenções militares de Angola, Namíbia, Chade, Zimbábue e Sudão. Resultado: uma nação miserável – apesar das vastas reservas de diamantes – transformada no palco de um conflito envolvendo forças de 8 países.

Violência sem fim

Um acordo de paz foi assinado em 2002. Na prática, porém, a RDC ainda é um campo de batalha. Em toda a região leste do país, choques entre tropas oficiais e grupos rebeldes – inclusive de países vizinhos, como as Forças Democráticas de Libertação de Ruanda – continuam acontecendo. Eles afetam principalmente as províncias de Kivu do Norte e Kivu do Sul, onde campos de refugiados dão abrigo a milhares de ruandeses desde 1994 – ano em que um genocídio hutu contra tutsis e hutus moderados matou cerca de 800 mil pessoas no país vizinho. A pressão exercida por milícias e forças do governo sobre a população civil é enorme nessas áreas. Casos de extorsão, saques e estupros são comuns, apesar da ostensiva presença dos capacetes azuis da ONU.

Milhares de congoleses continuam abandonando suas casas para fugir dessa violência – pelas contas da Unicef, cerca de 120 mil todo mês. As constantes migrações são especialmente cruéis com as crianças, afastadas da escola e dos cuidados médicos mais elementares. Muitas acabam recrutadas por grupos armados e viram soldados, ajudantes ou escravos sexuais. De acordo com a Unicef, 30 mil crianças podem estar nessa situação.

Em novembro de 2006, após a promulgação de uma nova constituição, realizaram-se as primeiras eleições democráticas da história da RDC. Joseph Kabila, filho do ex-guerrilheiro e presidente Laurent, foi conduzido ao poder com 58% dos votos. Em seus 5 anos de mandato, ele enfrentará grandes desafios. A tensão entre as várias etnias – não apenas hutus e tutsis, mas também lendus, hemas e outros 200 grupos – continua a fazer da RDC um país instável, vulnerável às pressões exercidas tanto por governos vizinhos quanto pelas multinacionais que exploram petróleo e diamantes em seu território. E os grupos rebeldes que permanecem ativos, especialmente nas áreas mais próximas às fronteiras com Uganda, Ruanda e Burundi, continuam comprando armas com o dinheiro do comércio ilegal de pedras preciosas. Para piorar, uma terceira fonte financiadora da guerra surgiu nos últimos anos: o coltan, liga metálica usada na fabricação de componentes eletrônicos para computadores e telefones celulares. “A exploração do coltan não é tão controlada quanto a dos diamantes”, afirma Denise Galvão, do Grupo de Análise de Prevenção de Conflitos Internacionais. “Isso facilita o contrabando.”

Quem luta contra quem na RDC

Adversários – Etnias rivais e grupos rebeldes (congoleses e de países vizinhos) contra forças do governo.

Desde quando – 1998

O que está por trás – Diferenças étnicas, exploração de diamantes, petróleo, coltan, madeira e urânio. O acesso a terras férteis e cultiváveis também é dis putado.

Publicidade


Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY
Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 10,99/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.