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Phineas Gage

Imagine a surpresa dos amigos quando ele retornou ao normal. Como se veria mais tarde, não tão normal assim.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h25 - Publicado em 31 dez 2002, 22h00

Rodrigo Cavalcante

Foi tudo muito rápido. Por volta das 16h30 de uma tarde quente de 1848, em Vermont, Estados Unidos, um acidente que durou alguns segundos fez de um capataz da construção civil uma das figuras chaves para a compreensão do cérebro humano.

Não foi, é claro, um acidente qualquer – mas um daqueles que hoje valeria as manchetes dos programas populares. Phineas Gage (esse é o nome do rapaz) tinha 25 anos e trabalhava no assentamento de trilhos na região de Cavendish, no auge da construção das ferrovias na América. É claro que havia pedras no caminho, rochas que obstruíam a passagem dos trilhos e precisavam sair dali. Para removê-las, Gage seguia um método cuidadoso: fazia um buraco na rocha para colocar pólvora, cobria-a com uma camada de areia, socava tudo com um cabo de ferro, acendia o rastilho, corria e pronto: a rocha explodia em uma nuvem de pedrinhas.

Naquela tarde do dia 13 de setembro, porém, Gage negligenciou um detalhe: a areia. Quando socou o bastão diretamente sobre a pólvora, uma explosão fez com que o ferro em forma de lança entrasse pelo lado esquerdo da sua face, atravessasse a base do crânio e saísse como um projétil pelo topo da cabeça (igualzinho à ilustração ao lado). “Acidente Horrível”, foi a manchete do jornal Boston Daily Courier, uma semana depois da explosão. Com o título “Passagem de uma barra de ferro através da cabeça”, o artigo do Boston Medical and Surgical Journal da época relatava que, depois de cair no chão e sofrer convulsões, Gage recobrou a consciência e, em pouco tempo, voltou a andar e a falar como antes. Pela extensão da ferida e perda de massa encefálica, sua sobrevivência parecia impossível. Imagine a surpresa dos amigos quando ele retornou ao normal. Como se veria mais tarde, não tão normal assim.

Alguns meses após o acidente, os médicos e os amigos de Gage notaram algumas mudanças no comportamento dele. Conhecido até então como um trabalhador amigável, solidário e persistente, ele agora revelara-se insuportável com os colegas, além de caprichoso, arrogante e impaciente com as ordens dos superiores, comportando-se, às vezes, como uma criança birrenta. O acidente mudou até o seu linguajar: deixou de lado sua postura austera e respeitosa e passou a falar tanta baixaria que nenhuma mulher era recomendada a ficar perto dele. Demitido por indisciplina, passou a cuidar de cavalos em algumas propriedades – sem jamais conseguir um emprego fixo. Chegou a tornar-se atração, de circo, mostrando para o público as marcas da ferida assim como o ferro que lhe atravessara a cabeça, no Museu de Barnum, em Nova York. (O médico que acompanhava o caso, na época, dizia que o bastão passou a ser uma espécie de companheiro inseparável.)

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Depois de trabalhar algum tempo no Chile como cocheiro, voltou aos Estados Unidos para viver com a mãe em San Francisco, onde morreu no dia 21 de maio de 1861, aos 38 anos, sem direito a nenhuma nota no jornal.

Se não fosse por seu médico, doutor Harlow, o acidente seria esquecido. Indignado por não ter estudado o cérebro de Gage (só soube da morte do paciente quatro anos depois do enterro), ele pediu à irmã de Gage que o corpo fosse exumado para que o seu crânio preservado.

Apesar de o acidente ter sido há mais de 150 anos, até hoje o caso é usado por neurologistas para ilustrar como um dano físico no cérebro pode alterar a personalidade de uma pessoa. Num estudo recente na Universidade de Iowa, imagens computadorizadas mostraram que a área afetada pelo bastão foi o córtex pré-frontal – camada externa do cérebro logo abaixo da testa, responsável por nossa capacidade de sentir emoções. Quando essa região é atingida, os neurologistas dizem que os pacientes se tornam indiferentes, distantes e passam a ter dificuldades para tomar decisões (essa seria a razão da mudança de caráter de Gage).

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Quem hoje visita o Warren Medical Museum, na Escola de Medicina de Harvard, em Boston, Estados Unidos, pode ver o crânio e o bastão de ferro que pertenceu ao homem que fez muito pela neurologia – sem nunca ter lido um só livro sobre o assunto.

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