Sir Richard Burton: escritor, explorador, espião e espadachim
Aventureiro intrépido, intelectual brilhante, espião sem medo. Burton parecia ficção
Escritor, explorador, antropólogo, erudito, poeta, espião, espadachim – mais que uma figura histórica, o inglês Richard Francis Burton (1821-1890) parece um personagem criado pela fantasia de um ficcionista. Alto, robusto e eloqüente, ele fazia sucesso entre as damas, dominava 29 idiomas e fascinava o público com suas peripécias em cenários exóticos. Por trás da superfície romântica, havia um turbilhão humano. Burton foi vítima de depressões homéricas, era viciado em ópio, haxixe e em quase todas as bebidas alcoólicas conhecidas. Seu temperamento irônico e explosivo despertou uma legião de inimigos ao redor do planeta.
Durante a adolescência, quando estudava em Oxford, ficou famoso por freqüentar acampamentos de ciganos, andar com prostitutas e desafiar colegas para duelos. O excesso de imaginação o tornava impaciente e a consciência de seu gênio o fazia irascível. Desprezava tanto os professores quanto os estudantes e lamentava ter de passar a vida “cercado de quitandeiros”. Como era de se esperar, foi expulso da universidade. Mas, para ele, não era o fim. Era um começo.
Burton viajou para a Índia, onde viveu entre os muçulmanos. Seus talentos não passaram despercebidos e ele logo foi contratado pelo serviço secreto britânico. Assim, tornou-se um peão no tabuleiro do “Grande Jogo” – a disputa entre as potências coloniais pela Ásia. As experiências de Burton no submundo dos bazares e bordéis serviram para transformá-lo em especialista na mente e nos costumes orientais. Em 1856, disfarçado de médico afegão, peregrinou a Meca e visitou a Caaba – santuário supremo dos muçulmanos, mortalmente proibido para infiéis. Se fosse apanhado, acabaria seus dias pendurado numa cruz, ou fatiado pela lâmina do carrasco.
Mas o perigo não o intimidava. Logo depois, viajou à cidade santa de Harar, na Etiópia, de onde nenhum homem branco jamais saíra com vida. E, em 1858, realizou o feito pelo qual é mais lembrado: descobriu a fonte do Nilo. A jornada e a amarga disputa que se seguiu com o colega explorador John Speke pelo crédito da descoberta seriam retratadas em 1990 no filme As Montanhas da Lua.
Burton narrou suas aventuras em uma longa série de livros – três sobre o Brasil, onde morou. Como escritor, ele tinha aquele dom que os ingleses chamam de wit, a combinação de graça, ironia e inteligência. Traduziu obras de várias línguas, inclusive Os Lusíadas, de Camões. Sua versão de As Mil e Uma Noites (ou As Mil Noites e Uma Noite, como preferia), virou uma das mais conhecidas – e ousadas – do Ocidente. As traduções de tesouros desconhecidos da literatura erótica, como O Jardim Perfumado e o Kama Sutra, tornaram-se famosas tanto pela qualidade quanto pelo escândalo que causaram na sociedade vitoriana. Burton deleitava-se em espantar a mentalidade puritana com opiniões libertárias, principalmente quando o assunto era sexo. Mas acabou se casando com uma aristocrata moralista – que, depois da morte do marido, não hesitaria em queimar manuscritos que ele deixara inéditos.
Em 1886, a rainha Vitória concedeu a Burton o título de Sir, por serviços prestados à Inglaterra – recompensa pelas descobertas e aventuras, e também pela contribuição à ciência, trazidas por seus relatos de viagem e estudos etnográficos. Quatro anos depois, numa cama em Trieste, na Itália, Sir Richard Francis Burton morreu. De velho. E passou à história como o protótipo do aventureiro temerário e refinado, que citava Homero entre golpes de espada e tiros de fuzil.