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Soldados :eles têm a força

Os EUA mantém quase 400 mil soldados espalhados pelo mundo, em frentes de batalha ou nas mais de 700 bases militares do país ao redor do planeta.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h21 - Publicado em 30 set 2007, 22h00

Talita Chiaradia

Analistas internacionais freqüentemente comparam os EUA a uma espécie de novo Império Romano. Essa comparação faz todo o sentido. Afinal, eles são a maior potência militar do planeta, com tropas estacionadas em 36 países ao redor do mundo. À exceção de Iraque e Afeganistão, ocupados por cerca de 172 mil soldados americanos neste exato momento, os maiores contingentes estão concentrados em países da Europa Ocidental e no Japão – reflexo, até hoje, do cenário geopolítico resultante da Segunda Guerra Mundial. Mas a presença militar americana também é expressiva em duas outras regiões: Oriente Médio e Ásia Central.

Não é por acaso que os EUA mantém tropas em lugares como Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes, Omã, Catar e Bahrein. Juntos, esses países controlam quase a metade das reservas mundiais de petróleo. E todos eles são focos de instabilidade política – uma ameça constante aos interesses americanos. Nas ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central, o interesse dos EUA é outro. “Naqueles países, eles encontram excelentes pontos de apoio para operações militares no Afeganistão”, diz Oliveiros Ferreira, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “E ainda conseguem fazer frente à crescente influência da Rússia e da China na Ásia.”

500 soldados

Número aproximado de tropas americanas em solo colombiano.

116 mil soldados

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Número aproximado de tropas americanas nos países da Europa.

172 mil soldados

Número aproximado de tropas americanas no Iraque e Afeganistão.

80 mil soldados

Número aproximado de tropas americanas no Japão e na Coréia.

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Eixo do Mal

Em 2002, George W. Bush declarou que Iraque, Irã, Cuba, Líbia, Síria e Coréia do Norte compunham o “Eixo do Mal”. Por quê?

IRAQUE

Os americanos afirmavam que Saddan Hussein, então presidente do Iraque, dava suporte a terroristas da Al Qaeda e produzia armas de destruição em massa. Nada foi comprovado.

IRÃ

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O país recusava-se (e continua se recusando) a abrir suas instalações nucleares para inspeção. Os EUA temem que o Irã desenvolva uma bomba atômica.

CUBA

Washington afirma que os cubanos desenvolveram tecnologia na área de armas biológicas e acusa o governo de Fidel Castro de oferecer know-how para outros países.

LÍBIA

Pesava sobre o país a acusação de produzir armas químicas, de se esforçar para obter a bomba atômica e de possuir tecnologia para o desenvolvimento de mísseis de médio e longo alcance.

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SÍRIA

Os EUA afirmam que os sírios, além de dar cobertura a grupos terroristas, mantém em seu arsenal grandes estoques de gás sarin e outras armas químicas ou biológicas.

CORÉIA DO NORTE

Era acusada de tentar desenvolver armas nucleares. A tensão entre americanos e norte-coreanos diminuiu nos últimos meses (leia mais nas págs. 60 e 61).

Gastos militares

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Os americanos gastam mais com suas Forças Armadas que a soma dos outros 10 maiores orçamentos militares do mundo.

EUA – US$ 529 bilhões*

OS OUTROS 10 – US$ 382 bilhões*

RESTO DO MUNDO – US$ 190 bilhões**

*2006

**2005

Fontes: Military Expendure / Instituto Internacional de Pesquisas da Paz (Sipri)

Exército terceirizado

Excluídos das estatísticas oficiais e das leis internacionais, mercenários estão dando uma nova cara ao exército americano

Texto Giovana Sanchez

David Petraeus, comandante da força multinacional de ocupação do Iraque, diz que os EUA mantém 162 mil soldados naquele país. Mas o número verdadeiro não é esse. Ele deixa de fora nessa conta o total de soldados mercenários em solo iraquiano – provavelmente outros 160 mil, ou mais. Os “seguranças privados”, como preferem os estudiosos do assunto, são empregados, funcionários de uma companhia como outra qualquer. A diferença está no ramo do negócio: prestação de serviços militares. E no fato de que a maioria desses empregados coloca a vida em risco pelo salário que recebe.

Tidos como pouco confiáveis, os mercenários adquiriram, na era da terceirização dos serviços, uma importância sem precedentes. De guarda-costas a soldados de infantaria, eles estão em toda parte no campo de batalha. E não é de agora. Durante a Guerra Fria, atuaram como espiões tanto para o governo dos EUA quanto para o da URSS. Na reconstrução de Nova Orleans – depois da passagem do furacão Katrina, em 2005 – , eles também trabalharam ativamente. Hoje, são considerados absolutamente necessários no Iraque. Em janeiro de 2007, Petraeus disse com todas as letras: sem as forças privadas, é impossível vencer a guerra.

Contratos milionários

Mercenários não são recrutados necessariamente no país-sede das companhias que os empregam. Grande parte deles vem de lugares como Sudão, Colômbia, África do Sul e Brasil. Muitos também podem ser contratados no próprio país onde a guerra está em curso, como acontece no Iraque. Pelo menos 90 companhias desse tipo já atuaram em conflitos espalhados por 110 países. Em território iraquiano, há 60 delas, faturando milhões em contratos assinados com o governo dos EUA. “Esse ramo só tende a crescer, pois a demanda é grande”, diz o analista americano David Isenberg, especialista em segurança internacional.

Segundo a congressista Jan Schakowsky, da Comissão de Inteligência da Câmara dos EUA, 40 centavos de cada dólar destinado à guerra no Iraque acabam indo parar na conta de uma companhia de segurança privada – um cálculo feito no início de 2007. A Triple Canopy e a USIS, subdivisão do grupo Carlyle (que já teve Bush pai e Bush filho no conselho administrativo), são exemplos de empresas que atuam hoje no Iraque. A que tem o maior contingente no país, entretanto, é a Blackwater, fundada pelo ex-militar e religioso conservador Erik Prince. Em 2006, numa palestra na Califórnia, ele chamou sua empresa de “Fedex dos exércitos”. “Quando você tem pressa, não usa o correio normal, mas o serviço expresso. Nossa meta é ser o equivalente para o aparato de segurança nacional.” De acordo com o jornal Wall Street Journal, Prince foi um dos maiores doadores da última campanha de George W. Bush. Sua empresa tem US$ 800 milhões em contratos assinados com o governo.

No último mês de setembro, a Blackwater virou notícia graças a um incidente com seus funcionários: guarda-costas que escoltavam diplomatas americanos em Bagdá envolveram-se em um confronto armado que deixou 20 mortos. A empresa diz que eles reagiram a um ataque de insurgentes. Mas as autoridades iraquianas afirmam que os soldados atiraram indiscriminadamente contra civis. Segundo a rede de notícias britânica BBC, os mercenários da Blackwater envolveram-se em 195 tiroteios no Iraque desde 2005 (média superior a um por semana). A situação é preocupante, sobretudo, porque as companhias de segurança privada – assim como seus empregados – não estão submetidas aos mesmo códigos de conduta que valem para as Forças Armadas.

Zona cinzenta

Mercenários encontram-se numa zona juridicamente cinzenta. Ao contrário dos integrantes de um exército oficial, que respondem à Justiça Militar do país de origem e às Convenções de Genebra (conjunto de leis que regulamenta o tratamento dado a prisioneiros de guerra), os “privados” não são considerados soldados pela legislação internacional. Conseqüentemente, não podem ser tratados como prisioneiros comuns quando são capturados. Em 2007, uma lei foi aprovada pelo congresso americano prevendo a subordinação dos mercenários às mesmas regras seguidas pelas forças oficiais. O problema é que isso só vale para soldados que estejam a serviço do Departamento de Defesa dos EUA (o Pentágono). A maioria das empresas de segurança privada tem contrato com outro órgão do governo americano: o Departamento de Estado.

Em entrevista à rede de notícias CNN, o jornalista Jeremy Scahill – autor do livro Blackwater: the Rise of the World’s Most Powerful Mercenary Army (Blackwater: a ascensão do mais poderoso exército mercenário do mundo, sem tradução para o português) – disse que os exércitos privados “atuam com impunidade, matam civis e não são acusados nem processados”. Em quatro anos de guerra, apenas dois mercenários foram levados à Justiça nos EUA – um, acusado de matar um civil iraquiano; o outro, de manter pornografia infantil em seu computador.

Leis de mercado

Mercenários ganham mais que os soldados das tropas oficiais.

• As companhias de segurança privada não revelam números, mas sabe-se que seus soldados ganham mais que os das forças oficiais. Dependendo do cargo, num único dia eles podem receber o equivalente a um ano inteiro de “salário” de um soldado oficial.

• Mercenários também são mais bem equipados. Segundo o correspondente de guerra Jeremy Scahill, eles usam armamentos pesados e carros blindados, enquanto os soldados oficiais andam quase sem equipamentos de proteção.

Muita grana na jogada

O narcotráfico internacional movimenta US$ 322 bilhões de dólares por ano – dinheiro mais que suficiente para alimentar várias guerras

Texto Sonia Xavier

Colômbia – Combates ferozes e constantes.

Quando assumiu a presidência da Colômbia, em 2002, Álvaro Uribe prometeu agir com firmeza no combate a guerrilheiros, paramilitares e narcotraficantes. Seus alvos principais: as Forças Armadas Revolucionárias (Farc), o Exército de Libertação Nacional (ELN) e as Autodefesas Unidas (AUC) – grupos armados que se associaram aos principais cartéis das drogas para sobreviver.

Uribe tem se saído bem até aqui. Com apoio financeiro dos EUA, ele conseguiu reduzir a área de atuação das guerrilhas e os índices de violência em algumas cidades. Mas a batalha está longe de acabar. O país continua sendo o maior produtor de cocaína do mundo. Segundo o Escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crimes, foram quase 690 toneladas só em 2006.

Nas províncias dominadas pelas Farc, os combates entre guerrilheiros e forças do governo são constantes e ferozes. No último mês de setembro, por exemplo, um ataque aéreo a um acampamento do grupo na região de Guaviare matou o guerrilheiro Tomás Medina Caracas, mais conhecido como El Negro Acacio. Caracas era o responsável pelos negócios das Farc com os narcotraficantes. Poucos dias depois, “Dom” Diego Montoya, chefe do Cartel do Norte do Vale, foi preso na capital, Bogotá. Montoya era um dos homens mais procurados pelo FBI, numa lista de dez encabeçada por Osama bin Laden. Seu cartel é responsável por cerca de 70% da cocaína que entra todos os anos nos EUA.

Afeganistão – Líder mundial do ópio.

No Afeganistão, é o narcotráfico que financia a luta dos rebeldes Talibãs contra as forças de ocupação lideradas pelos EUA. A situação é parecida com a da Colômbia: guerrilheiros vendem segurança a traficantes e compram armas com o dinheiro.

Aproximadamente 95% de todo o ópio comercializado no mundo saem do Afeganistão. Segundo cálculos da ONU, as plantações de papoula – matéria-prima da droga – devem crescer 34% naquele país em 2007. Estima-se que a superfície dedicada ao cultivo da planta (cerca de 193 mil hectares) já seja maior que a ocupada pelas plantações de coca na Colômbia, no Peru e na Bolívia juntas. Muitos agricultores afegãos voltaram a cultivar a papoula depois da queda do regime Talibã, em 2001. Até então, plantá-la era proibido pelos radicais islâmicos. O atual presidente, Hamid Karzai, afirma que sua intenção é erradicar as plantações. Mas ainda resta muito para chegar lá. Cerca de 80% do ópio vêm das províncias na fronteira com o Paquistão, como Helmand – a maior produtora.

México – Trampolim para os EUA.

O México foi transformado em trampolim do narcotráfico para o mercado americano. Cerca de 80% de todas as drogas que entram nos EUA passam pela fronteira mexicana. “Há 10 anos, os colombianos vendiam cocaína diretamente”, diz Giovanni Quaglia, do escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes. “Hoje, eles preferem manter alianças comerciais com os cartéis mexicanos.”

Em 2006, o crime organizado matou mais de 3 mil pessoas no México. Na primeira metade de 2007, o número de mortes já totalizava 1,4 mil. São números de guerra civil, que justificam a presença de aproximadamente 30 mil soldados do Exército em 9 estados do país.

Sudeste Asiático – Mal cortado pela raiz.

O Sudeste Asiático, que já foi líder mundial na produção de ópio, hoje responde por apenas 5% da droga que abastece o mercado internacional. A área destinada ao plantio da papoula em países como Tailândia, Mianmar (ex-Birmânia) e Vietnã foi reduzida em quase 90% nos últimos anos, segundo cálculos da ONU. Em 2006, o governo do Laos anunciou que o país havia erradicado suas plantações. Parte do sucesso no combate ao cultivo da papoula deve-se às leis extremamente rigorosas adotadas nos países membros da Associação de Nações do Sudeste Asiático. No Vietnã, por exemplo, portar 600 gramas de heroína ou 20 quilos de ópio é um crime punido com pena de morte.

O negócio da droga

Quanto vale um quilo de cocaína e heroína na origem e no consumidor final.

Cocaína

US$ 2 mil/kg – Peru, Bolívia e Colômbia

US$ 10 mil/kg – Brasil

US$ 30 mil – EUA

US$ 70-80 mil/kg – Europa

Heroína

US$ 2 mil/kg – Afeganistão e fronteiras

US$ 50 mil/kg – Brasil

US$ 70 mil/kg – EUA

US$ 100 mil/kg – Europa

Fonte: Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes

80% de todas as drogas que entram nos EUA passam pela fronteira mexicana.

Perigo real e imediato

Cinco países que já têm ou querem ter a bomba atômica encarregam-se de manter aceso o pavio de uma guerra nuclear

Texto Giovana Sanchez

Índia x Paquistão – O inimigo mora ao lado.

Na fronteira entre Índia e Paquistão, testes com mísseis nucleares são quase uma rotina. Os dois países disputam uma corrida armamentista desde a independência de ambos, em 1947. Um dos motivos é a disputa pela Caxemira, região de maioria muçulmana em território indiano, reivindicada pelos paquistaneses. A briga chamou a atenção internacional quando os rivais declararam possuir bombas atômicas, na década de 1970. Desde então, realizam testes periódicos com mísseis nucleares, alegando que estão respondendo à ameaça que o vizinho representa.

Dos dois, o Paquistão é tido pelas agências reguladoras internacionais como o mais perigoso. Em maio de 2007, os cientistas que desenvolveram a tecnologia nuclear paquistanesa confirmaram uma suspeita que já durava 15 anos, sempre negada pelo governo: a venda ilegal de equipamentos e know-how para os programas nucleares do Irã, Líbia e Coréia do Norte.

Coréia do Norte – Chantagem atômica.

A Coréia do Norte é o quinto país do mundo com maior número de reatores nucleares. Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica, são cerca de 20. O país começou a preocupar a comunidade internacional em 1993, quando anunciou sua saída do Tratado de Não-Proliferação Nuclear.

Em 2006, a Coréia do Norte testou seu primeiro míssil intercontinental. O teste foi interpretado como provocação pelos americanos e como clara ameaça por dois países vizinhos – Coréia do Sul e Japão. Em fevereiro de 2007, contudo, os norte-coreanos voltaram atrás e fecharam seu principal reator, o de Yongbyon. Eles aceitaram um acordo proposto pelos EUA: receberiam 50 mil toneladas de combustível ou ajuda financeira equivalente e, em troca, suspenderiam o programa nuclear. O país enfrenta um dos piores quadros de pobreza do mundo.

Israel – Entre 80 e 200 ogivas.

Israel é uma ilha, cercada de países inimigos desde sua criação, em 1948. E ninguém mais duvida de que os israelenses já tenham desenvolvido armas atômicas para se proteger da vizinhança. Especialistas estimam que o Estado judaico disponha de algo entre 80 e 200 ogivas nucleares, média parecida com a dos EUA. As autoridades de Israel jamais reconheceram esse arsenal. Mas recusam-se a assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, refugiando-se naquilo que o atual presidente do país, Shimon Peres, chama de “política de ambigüidade”.

A tática é simples: o país não admite oficialmente ter armas nucleares e nem realiza testes com mísseis. Dessa forma, a Agência Internacional de Energia Atômica fica impedida de inspecionar suas instalações nucleares. As autoridades de Israel afirmam que essa política continuará sendo adotada por tempo indeterminado, a não ser que o país se sinta ameaçado pelas nações inimigas ao seu redor.

Em 2005, a rede BBC teve acesso a documentos sigilosos do governo britânico que provam o fornecimento de 20 toneladas de água pesada – uma água com o dobro de massa, com deutério no lugar do hidrogênio, usada no resfriamento do núcleo de reatores atômicos – aos israelenses em 1958. A frase “para uso pacífico” não aparecia em nenhum lugar.

Irã – Problema dos grandes.

Signatário do Tratado de Não-Proliferação, o Irã diz que seu programa nuclear tem fins pacíficos. Mas ninguém acredita. Um dos motivos é a postura do presidente, Mahmud Ahmadinejad, em relação a Israel: ele prega abertamente a destruição do país.

Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica, os iranianos têm pelo menos 2 mil centrífugas – necessárias para o enriquecimento do urânio – só na usina de Natanz, e outras 650 em fase de teste. Em setembro de 2007, o chanceler francês, Bernard Koucher, confirmou a possibilidade de uma guerra contra o Irã caso o país não suspenda seu programa. E o presidente dos EUA, George W. Bush, garante total apoio.

Durante 18 anos o Irã escondeu do mundo suas pesquisas na área nuclear. No último mês de agosto, assinou um acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica, comprometendo-se a esclarecer todas as dúvidas referentes ao seu programa até o fim de 2007. Para EUA, Alemanha, França e Reino Unido, porém, esse acordo apenas dá o tempo de que Ahmadinejad precisa para desenvolver sua bomba atômica.

3 mil centrífugas iranianas podem fazer uma bomba atômica em menos de um ano.

Capacetes azuis

Cerca de 72 mil soldados da ONU estão espalhados pelo mundo, em 16 Forças de Paz nas áreas de conflito mais conturbadas do planeta

Texto Karina Fusco

As Nações Unidas mantém cerca 72 mil soldados espalhados pelo mundo. Mas esses são combatentes bem diferentes daqueles que entram numa guerra para conquistar um país ou aniquilar um inimigo. Juntos, eles compõem as 16 Forças de Paz que a ONU administra neste exato momento, em quatro continentes (veja mapa ao lado). A tarefa dos capacetes azuis, como são chamados, é promover a estabilidade em regiões ameaçadas ou atingidas por conflitos armados. Em outras palavras: mexer em vespeiros do tamanho da República Democrática do Congo (RDC), do Sudão e dos territórios palestinos – para citar apenas três.

Como a missão é das mais complexas, os capacetes azuis nunca entram em cena sozinhos. Na retaguarda, vai um batalhão de voluntários e profissionais de outras áreas – cujo papel é fundamental, por exemplo, na distribuição de alimentos e medicamentos da Cruz Vermelha, nos hospitais de campanha dos Médicos Sem Fronteiras e nos postos de controle guarnecidos pelo Alto Comissariado da ONU para Refugiados. Ainda assim, o desafio é enorme. Quando uma Força de Paz é mandada para algum lugar, não há data de retorno. Prova disso é a primeira da História, enviada para o Oriente Médio em 1948. Naquele ano, foi fundado o Estado de Israel e teve início a primeira de uma série guerras com os países vizinhos. Quase seis décadas se passaram. E a força da ONU continua lá.

Os 10 mais

Os 10 países que fornecem maior número de soldados para as tropas da ONU, em ordem decrescente, são os seguintes: Paquistão, Bangladesh, Índia, Nepal, Jordânia, Uruguai, Itália, Gana, Nigéria e França. Mas nem todos vão parar no front de algum conflito. “Há também missões de ajuda humanitária, verificação de direitos humanos, policiamento, supervisão de eleições e restauração da infra-estrutura”, diz Juliana de Paula Bigatão, pesquisadora do Grupo de Estudos da Defesa e Segurança Internacional (Gedes).

Tropas da ONU só são enviadas para uma zona de conflito após o consentimento do país que está em guerra e da aprovação do Conselho de Segurança – composto por 5 países permanentes (EUA, Rússia, China, Reino Unido e França) e outros 10 rotativos (com mandatos de2 anos). Segundo Marcos Azambuja, embaixador do Brasil e vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), o fornecimento de soldados para as forças da ONU é voluntário. “E apenas os países que não tenham interesses [políticos ou econômicos] na nação assistida podem fazê-lo”, explica o embaixador. As tropas são substituídas a cada 12 ou 18 meses. “O objetivo é poupar os soldados de uma tensão excessiva, mas sem a perda da experiência individual e coletiva.”

Armados ou não

Segundo a pesquisadora Juliana de Paula Bigatão, as missões da ONU dividem-se em 5 categorias principais: diplomacia preventiva, promoção da paz, manutenção da paz, imposição da paz e consolidação da paz. Na prática, porém, dá para fazer uma distinção bem mais simples entre elas. “Quando formada por pessoal desarmado, é uma força de observação. Caso contrário, é considerada uma força de paz.”

Há também missões de assistência, como a que está em curso no Iraque. Elas promovem a cooperação entre diferentes divisões da ONU, como FAO (alimentação) e Unicef (infância). Como não são Forças de Paz, não aparecem no mapa acima.

Quanto custa pacificar o mundo?

Desde 1948, a ONU já gastou US$ 47,19 bilhões com a manutenção de suas Forças de Paz.

HAITI

Início – 2004

Observadpres – 0

Força – 7 082 soldados / 1 772 policiais / 1 536 civis

Baixa – 30

SAARA OCIDENTAL

Início – 1991

Observadpres – 196

Força – 27 soldados / 6 policiais / 258 civis

Baixa – 15

KOVO

Início – 1999

Observadpres – 40

Força – 2.116 policiais / 2.614 civis

Baixa – 47

CHIPRE

Início – 1964

Observadpres – 0

Força – 855 soldados / 61 policiais / 142 civis

Baixa – 176

GEÓRGIA

Início – 1993

Observadpres – 132

Força – 12 policiais / 279 civis

Baixa – 11

COLINAS DE GOLÃ (Israel/Síria)

Início – 1974

Observadpres – 0

Força – 1 037 soldados / 135 civis

Baixa – 42

LIBÉRIA

Início – 2003

Observadpres – 210

Força – 13 925 soldados / 1 181 policiais / 1 679 civis

Baixa – 96

COSTA DO MARFIM

Início – 2004

Observadpres – 195

Força – 7 833 soldados / 1 133 policiais / 1 218 civis

Baixa – 35

ORIENTE MÉDIO

Início – 1948

Observadpres – 153

Força – 222 civis

Baixa – 48

ÍNDIA e PAQUISTÃO

Início – 1949

Observadpres – 44

Força – 65 civis

Baixa – 11

O esforço de paz traduzido em números

117 Países que fornecem tropas

83 326 Militares e policiais em ação

17 921 Civis e voluntários envolvidos

2 386 Total de baixas desde 1948

Fonte: ONU

As missões do Brasil

Cerca de 1,2 mil soldados brasileiros estão no Haiti para desarmar as milícias e restaurar a democracia

Texto Karina Fusco

Uma ilha caribenha como o Haiti deveria estar lotada de turístas. Mas não é nada disso o que está acontecendo por lá. Ao invés de europeus em busca de belas praias, o país segue ocupado por uma Força de Paz da ONU, composta por mais de 6 mil capacetes azuis. E ainda está longe, mas muito longe mesmo, de poder ser considerado um lugar seguro.

A ocupação dos soldados da ONU começou em agosto de 2004, 6 meses depois que o então presidente, Jean-Bertrand Aristide, renunciou em meio a uma guerra entre seus partidários e milícias opositoras. Desde o início, a missão da ONU é liderada pelo Brasil, país com o maior número de militares em território haitiano. Neste momento, há 1,2 mil soldados brasileiros por lá – ou um quinto do total. Os objetivos da Força de Paz são assegurar a ordem, desarmar milícias e restaurar o Estado democrático. Para o Brasil, no entanto, o desafio é maior. Como líderes da operação, os oficiais brasileiros são responsáveis pelo comando de todasas outras tropas, vindas de mais de 20 países. Há soldados da China, da Jordânia, do Paquistão, da Nigéria e do Nepal. Mas os maiores contingentes, depois do brasileiro, são sul-americanos – Argentina, Uruguai e Chile (veja mapa ao lado).

Filme de terror

O Haiti é o país mais pobre das Américas. Deve esse lugar vergonhoso a sua História – uma interminável seqüência de rebeliões violentas, golpes de Estado e regimes de exceção. O país começou a freqüentar as manchetes de jornal durante as ditaduras de François Duvalier, o Papa Doc, e seu filho Jean-Claude, apelidado Baby Doc. Juntos, eles governaram o Haiti por 29 anos, de 1957 a 1985. Os números são imprecisos, mas calcula-se em dezenas de milhares o número de assassinatos com o consentimento dos dois nesse período.

Em 1990, ocorreram as primeiras eleições democráticas na história do Haiti. Jean-Bertrand Aristide, um ex-padre, elegeu-se presidente, mas foi derrubado por um golpe militar logo no ano seguinte. A partir de 1991, o general Raul Cedras impôs ao país um governo linha-dura, que só terminou em 1994 com uma intervenção americana e a recondução de Aristide à presidência. Acontece que o ex-padre, em vez de alinhar-se aos interesses dos EUA, passou a compor forças com grupos mafiosos e gangues de toda sorte, que já controlavam boa parte da falida economia haitiana. Em 2000, num processo eleitoral marcado por fraudes, Aristide conquistou seu segundo mandato presidencial. E garantiu maioria parlamentar por meio de violenta intimidação dos opositores.

Nos anos seguintes, não faltaram denúncias de corrupção, tortura e execuções sumárias. Até que, em 2004, a pressão exercida por EUA e França – aliada a uma sangrenta rebelião popular – obrigou o presidente a renunciar. Daí em diante, o Haiti foi administrado por um governo interino, que dependeu das tropas da ONU para manter o país sob controle. Em maio de 2006, realizaram-se novas eleições. Com maioria apertada (51% dos votos), o agrônomo René Préval foi o escolhido para governar a nação. Assim como o poder interino que o antecedeu, Préval não abre mão dos capacetes azuis em solo haitiano. Sem eles, dificilmente seria capaz de recolocar o país nos trilhos.

Ainda que a Força de Paz tenha como um de seus objetivos a preservação da democracia, ela não pretende se intrometer no futuro político do Haiti. Funciona apenas como um exército provisório, responsável pela contenção da violência e pela recuperação da infra-estrutura. Três anos e meio depois de iniciada a missão, os soldados da ONU continuam cumprindo tarefas como policiamento, repressão a distúrbios e desarmamento. Os brasileiros, por exemplo, fazem a vigilância nas favelas mais violentas da capital, Porto Príncipe. Mas sobra cada vez mais tempo para ações humanitárias, à medida que o trabalho de pacificação vai dando resultados.

Para Gabriela Daou Verenhitach, especialista em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a situação do Haiti é bem mais tranqüila agora do que foi até 2006. Gangues e milícias foram contidas e as estatísticas de segurança e criminalidade apresentaram “notáveis progressos”. Ainda assim, resta muito chão pela frente. O país continua sendo um imenso balaio de números alarmantes. Cerca de 80% da população vivem abaixo da linha de pobreza e 47% são analfabetos. O índice de desemprego também chega aos 80%.

Tropas brasileiras em solo haitiano

Nossos soldados ocupam o país caribenho desde agosto de 2004.

1 200 Soldados em serviço

7 200 Soldados que já voltaram

11* Feridos durante a missão

1** Soldado morto em ação

* Em operações contra gangues.

** Rodrigo da Rocha Klein, 21 anos, morreu em agosto de 2007 vítima de um acidente: tropeçou em um fio de alta tensão e foi eletrocutado.

Fonte: Exército do Brasil.

Análise

Paz no fim do túnel?

É difícil afirmar que a humanidade será capaz de criar um mundo sem guerras

Como afirmou certa vez o italiano Norberto Bobbio, um dos principais filósofos políticos do século 20: restam poucas dúvidas de que a paz, a democracia e os direitos humanos encontram-se indissoluvelmente ligados dentro de um mesmo movimento histórico, cuja origem está na afirmação e no desenvolvimento da modernidade ao longo dos séculos 17 e 18. Sem o reconhecimento e a devida proteção dos direitos humanos, não há democracia. Da mesma forma, sem a existência desta última, desaparecem as condições elementares para a resolução de conflitos por meios pacíficos – independentemente da natureza e da dimensão desses conflitos. Quando enxergamos a tríade “paz – democracia – direitos humanos” como um conjunto de elementos que se alimentam reciprocamente, fica evidente que a política e a diplomacia são insubstituíveis como instrumentos para a superação das divergências.

Neste início de século 21, as possibilidades de construção de um mundo sem guerras encontram-se diretamente vinculadas aos resultados do conflito travado entre duas forças de sentido contrário. De um lado, as pretensões dos EUA de aprofundar sua inquestionável hegemonia internacional, dando forma a um império pouco propenso a levar em consideração decisões tomadas em fóruns internacionais que contrariem seus interesses. De outro lado, o alargamento progressivo de um sistema internacional dos direitos humanos, implementado desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU). Seu nascimento abriu espaço para que todos os seres humanos tenham garantida e protegida uma série de direitos civis, políticos e sociais.

É difícil afirmar que a humanidade, um dia, será capaz de criar um mundo sem guerras. Tudo depende da disposição dos EUA em levar adiante seu projeto de hegemonia global e da reação de forças contrárias a essa idéia – estabelecidas nas mais variadas partes do planeta (inclusive em solo americano) e que têm como objetivo fortalecer as instituições de caráter internacional responsáveis pela negociação dos conflitos.

Analisando o século que acabamos de deixar para trás, contudo, encontramos razões para alimentar o otimismo em relação à construção de um mundo de paz. Duas grandes guerras mundiais foram superadas. Regimes autoritários, nascidos de revoluções ou golpes de Estado e que sufocavam a liberdade em diversos países, caíram em bloco. E o risco de um conflito nuclear de proporções globais, tão real durante os anos de Guerra Fria, foi provisoriamente sepultado. Sejamos, portanto, otimistas, mas sem abandonar a cautela. É preciso estar munido da prudência intelectual necessária para não sermos surpreendidos pela sanha dos novos e poderosos senhores da guerra.

Marco Mondaini é historiador, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), autor do livro Direitos Humanos (Contexto, 2006) e co-autor de História da Cidadania (Contexto, 2003), Faces do Fanatismo (Contexto, 2004) e História das Guerras (Contexto, 2006).

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