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Tarados por petróleo

O jornalista Edwin Black desvenda a conspiração industrial que fez o planeta abandonar veículos elétricos para se viciar em gasolina

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h28 - Publicado em 28 fev 2007, 22h00

Eduardo Szklarz

Carros movidos a eletricidade ou hidrogênio causam sensação em salões de automóveis mundo afora. Inteligentes, silenciosos e, principalmente, ecologicamente corretos, eles representam o supra-sumo da energia limpa que promete livrar o planeta dos combustíveis fósseis e, por conseqüência, nos salvar do apocalipse do aquecimento global. O segredo do milagre, dizem as montadoras, são anos e anos de pesquisa em novas tecnologias.

Na verdade, nem tão novas assim. O carro elétrico, por exemplo, foi inventado nos anos 1830 – e, na virada do século 20, cerca de 90% da frota de táxis que rodava em Nova York era movida a bateria e os bondes elétricos proliferavam ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Células de combustível que eram capazes de produzir energia a partir de hidrogênio também já existiam 150 anos atrás. Mas, se essas opções estão disponíveis há tanto tempo, como é que o mundo terminou viciado em diesel e gasolina?

O jornalista americano Edwin Black desvenda essa história no livro Internal Combustion (“Combustão Interna”, sem tradução em português). Indicada ao Pulitzer, o prêmio máximo do jornalismo, a obra mostra como cartéis do transporte e oligarcas do petróleo se uniram a governos ocidentais para abortar as tecnologias limpas e atrelar a humanidade à era da fuligem.

Como o transporte mundial se tornou dependente de petróleo?

Temos de voltar ao fim do século 19, quando quase todos os carros eram elétricos. É claro que na época eles não eram considerados veículos alternativos, mas o resultado do monopólio de uma empresa chamada EVC [sigla em inglês para Companhia de Veículos Elétricos], dona de táxis e estações de recarga – o sujeito deixava o carro na estação, saía para fazer compras e ao voltar a bateria estava cheia. A EVC era poderosa e queria impedir firmas independentes de produzir carros a gasolina, processando-as por infringir patentes. Mas, após anos de disputas judiciais, a EVC resolveu se juntar às montadoras de carros a gasolina que formavam a Alam [sigla para Associação de Fabricantes de Automóveis Licenciados], criando um me­ga­monopólio que con­tro­la­va a fabricação de bicicletas, baterias, carros elétricos e de combustão. Foi então que resolveu-se abandonar a tecnologia elétrica em favor do motor de combustão.

Por que eles tomaram essa decisão?

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A EVC e a Alam achavam que o motor de combustão atrairia mais os homens. Diziam que o automóvel elétrico era silencioso demais, parecia de mulher – e eles queriam um “carro musculoso”. O plano era vender os carros a combustão a um valor alto, só para os ricos. Até que um fabricante de Detroit resolveu seguir seu próprio caminho. Era Henry Ford, que planejava produzir carros a combustão baratos – o famoso Modelo T. Ford teve de enfrentar anos de batalhas judiciais contra os cartéis para conquistar o direito de produzir seus automóveis. Mas, quando finalmente ganhou a guerra nos tribunais, percebeu que os EUA estavam se tornando um lugar sujo com a fuligem gerada pelos motores a gasolina. Houve então uma nova reviravolta: Ford se uniu ao cientista Thomas Edison em um projeto para produção de um Modelo T elétrico barato, acessível a todos.

O que impediu o sucesso do projeto de Ford e Edison?

Uma aparente sabotagem nas baterias. Elas saíam em boa condição da fábrica de Edison, em Nova Jersey, mas não funcionavam quando chegavam à Ford, em Detroit. Em 1914, quando tentava fazer uma bateria à prova de manipulações, seus laboratórios foram destruídos por um misterioso incêndio. Esse prejuízo se somou à 1a Guerra Mundial, quando o motor de combustão se militarizou: ele movia tanques, aviões e barcos. Navios movidos a petróleo eram muito mais rápidos que os movidos a carvão, por exemplo. A guerra acabou representando um marco para a transição aos derivados do petróleo.

O plano de Ford e Edison era fabricar carros particulares. Como o motor de combustão dominou também o transporte coletivo?

Em 1925, as vias elétricas transportavam 15 bilhões de passageiros por ano nos EUA. Por volta de 1935, a General Motors liderou uma conspiração com a empresa de caminhões Mack Truck, com a Firestone, a Standard Oil e a Phillips Petroleum por meio de uma companhia que eles financiavam, a National City Lines. A NCL comprava as empresas de trólebus e imediatamente interrompia o serviço, desmontava as linhas, colocava ônibus movidos a combustão no lugar e incendiava os elétricos para que eles não fossem mais usados. Isso foi feito em 40 cidades americanas, até que a GM fosse acusada de conspiração pelo governo americano e finalmente declarada culpada por esse crime.

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Alguns criticam o termo “conspiração” usado no livro, dizendo que houve apenas uma decisão de negócios.

Al Capone também tinha apenas negócios. Uso essa palavra porque a GM foi acusada, julgada e condenada por conspiração. Se não usá-la, estarei falseando a história.

Em seus livros anteriores, como IBM e o Holocausto, você retratou um Henry Ford racista, que inclusive recebeu medalha dos nazistas. Como foi retratá-lo agora como herói?

Ford sempre foi vilão nos meus livros. Mas neste ele é herói porque enfoco o período antes da 1a Guerra Mundial. O Ford sobre o qual escrevi foi um homem brilhante – antes de se tornar um dos maiores anti-semitas da história dos EUA.

Naquela época, o debate sobre ecologia e aquecimento global inexistiam. O petróleo era mais barato que a eletricidade e parecia abundante. Pensando assim, a opção pelo óleo não seria óbvia?

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Não. Isso não é verdade. As pessoas se organizam em movimentos ambientais desde o século 17. Eles começaram na época da exploração do carvão e nunca pararam. No início do século 20, jornais mostravam que a graxa e o óleo estavam contaminando os rios. Parte da razão pela qual Henry Ford optou pela eletricidade foi para se livrar dos problemas ambientais dos carros a gasolina. Em 1912, revistas já advertiam que era preciso buscar fontes alternativas devido à escassez e aos crescentes preços da gasolina.

O que o fez escrever sobre petróleo?

A petropolítica é a questão definidora de nossos tempos. Nos encontramos no meio de uma guerra no Oriente Médio e sob a ameaça de outra ainda mais ampla. Por causa do petróleo, estamos financiando os terroristas que combatemos. Compramos óleo do Irã que, por meios indiretos, usa o dinheiro da venda para financiar o programa atômico da Coréia do Norte. A Coréia então fabrica o míssil No Dong e o reexporta ao Irã rebatizado de Shahab. Também assistimos a uma grave mudança climática. Nossos pulmões estão sendo destruídos com a poluição. Nos meus livros anteriores, explorei um passado terrível esperando alcançar um futuro precioso. Neste livro, exploro um futuro terrível esperando alcançar um passado precioso.

Você diz que o álcool brasileiro seria uma alternativa ao etanol de milho americano, que necessita de petróleo para ser produzido. Isso não pode fazer com que alimentos deixem de ser plantados para dar lugar à cana?

Sim, mas essa seria apenas uma solução de curto prazo. Se o Brasil exportar para os EUA todo o álcool que produzir, isso será suficiente para os americanos dirigirem apenas uma vez a cada duas semanas. Não resolve o problema. O Brasil também pesquisa a produção de hidrogênio, que seria uma solução mais duradoura e lidera o mundo em matéria de independência de energia. Por quê? Porque depois do choque do petróleo de 1973, quando Ford e GM nos davam 4×4 consumidoras de diesel e gasolina, o Brasil procurava se tornar auto-suficiente em energia. Mas o dinheiro é apenas a ponta do iceberg nessa meta. Veja as conseqüências da petropolítica: quanto valem os mortos para que possamos usar máquinas de cortar grama movidas a petróleo? A América Latina também poderia ser parte da solução.

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Como isso seria possível?

Por exemplo, se as ilhas empobrecidas do Caribe, que exportam narcóticos e fraude bancária, se tornassem exportadoras de combustível. Elas poderiam suprir a Flórida com álcool de cana. Claro que é uma solução parcial, mas é a disponível no momento. Precisamos deixar o petróleo hoje, não daqui a 5 ou 10 anos. E, por isso, precisamos recorrer a qualquer outra fonte que não o petróleo.

Edwin Black

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• É um dos pesos pesados do jornalismo investigativo nos EUA.

• Para escrever Internal Combustion, contou com uma equipe de 50 pesquisadores.

• Seu método de rastrear escândalos é simples. “Penso como um criminoso e atuo como um policial”, diz.

• Trabalha até 20 horas por dia, para desespero do médico particular dele.

• Quando sobra tempo, escuta Gipsy Kings.

Quem matou o carro elétrico?

Para atender a uma ordem do governo da Califórnia, montadoras lançam carros elétricos. Mas, de uma hora para outra, os simpáticos automóveis começam a sumir sem deixar vestígios. O caso, digno de Sherlock Holmes, é o mote do documentário Who Killed the Electric Car? (“Quem Matou o Carro Elétrico?”).

A lua-de-mel ecológica durou alguns poucos anos na década de 1990, antes de os fabricantes decidirem tirar os veículos de circulação – Chris Paine, diretor do filme, teve de devolver o seu à GM. No documentário, ele mostra a empresa esmagando sua frota elétrica num campo de provas no deserto do Arizona.

Afinal, quem matou o carro elétrico? Paine elabora uma lista de suspeitos, que começa com os fabricantes – os modelos a bateria poderiam colocar em risco o milionário comércio das peças de reposição. A lista prossegue com as petroleiras, o lobby do hidrogênio e até os consumidores. Muito marmanjo ajudou a propagar a idéia de que o carro elétrico era silencioso e fresco demais para ser coisa de homem.

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