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Cooperativas e novos sistemas de integração entre paise professores reforçam os vínculos da escola com as famíliase com a comunidade. E você, o que vai fazer a respeito?

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h27 - Publicado em 30 jun 2003, 22h00

João Luiz Vieira

Quando se casou com o empresário Antônio de Oliveira, há sete anos, a arquiteta Márcia Mikai, 40 anos, já tinha certeza de uma coisa: não teria filhos. O principal motivo é que ela não encontrava respostas em nenhuma escola brasileira para a pergunta que a perseguia desde sempre: como educar uma criança nos dias de hoje, que responsabilidade pais e educadores poderiam dividir correndo o mínimo de riscos? Culta e bem-informada, ela terminou por descobrir em suas pesquisas a antroposofia, ciência que propõe a ampliação do conhecimento obtido pelo método científico tradicional, bem como sua aplicação em praticamente todas as áreas da vida humana. A mais popular de suas realizações práticas é a pedagogia Waldorf, que apaixonou Márcia, principalmente após a descoberta de que ela é reproduzida, sim, no Brasil. “A partir desse momento, decidi ter filhos”, diz. Até hoje, são dois: Lívia, de 3 anos, e Arthur, de apenas 1.

A primogênita deve entrar, no segundo semestre, numa escolinha, o Jardim Colibri, que segue o método.

Márcia é só um exemplo de uma multidão de pais que está colocando em xeque a pedagogia tradicional. Há algo de novo na relação entre eles e os educadores. A passividade ou a transferência de responsabilidades deram lugar a um compromisso de participação mais efetiva, da indicação de disciplinas para a grade curricular à sugestão de contratação ou demissão de professores, passando até pela captação de recursos. Mais que isso. É como se os vínculos entre família, escola e comunidade se estreitassem a tal ponto que, de alguma maneira, pudessem se condensar.

É uma tendência que se manifesta no mundo, da Waldorf às chamadas charters schools, uma espécie de cooperativa onde pais, vizinhos ou amigos estão à frente de todo o processo de formação dos filhos. Ou melhor: os pais propõem uma metodologia de acordo com os princípios e necessidades da comunidade, oferecem o projeto para o governo: se aprovada, a iniciativa é viabilizada com verbas públicas.

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A primeira charter school americana foi inaugurada no gelado Estado de Minnesota, há 11 anos. Hoje, pelo menos meio milhão de estudantes americanos freqüentam cerca de 2 mil escolas desse tipo, em 35 estados americanos. Detalhe: são escolas públicas, abertas com dinheiro do governo. Híbridas por natureza, trazem aspectos tanto das escolas públicas quanto das privadas. São autônomas em suas operações, com educadores escolhidos pela comunidade. Como as particulares, têm controle sobre o currículo, a equipe, a definição de metas, a organização interna e os calendários. Podem ser operadas por um grupo de pais, um time de professores ou até mesmo por uma empresa privada.

Deles e para eles

Algumas histórias de sucesso sustentam a multiplicação desses empreendimentos por todo os Estados Unidos. Os pais são unânimes em apontar o retorno do investimento, especialmente por ampliar a sensibilidade dos filhos em relação ao mundo que o cercam. “Tive a sorte de ter meus dois filhos estudando nesse esquema, que, posso dizer, é espetacular”, diz a jornalista e diretora executiva da organização não-governamental Midiativa, Âmbar de Barros, que morou dois anos em Nova York, onde entrou em contato com essa proposta. “Acho interessante a discussão se esse é ou não o caminho ideal. O sistema de educação que temos hoje é retrógado, ineficiente e não atende às reais necessidades dos alunos”, afirma. Para Âmbar, é preciso deixar claro que a escola é deles e para eles.

Na Manhattan School for Children, onde seus filhos estudaram, uma das tônicas era a convivência entre diferentes. Nada menos que 75 etnias espalhavam-se pelas salas de aula. Também eram comuns as visitas a museus, parques e festas e muitos eventos organizados pelos próprios pais. Quando voltou ao Brasil, há seis anos, Âmbar teve de se adaptar ao esquema local e o mais próximo que encontrou da formatação que estava acostumada foram algumas escolas de elite de São Paulo. “Caríssimas, mais de R$ 2 mil por mês”, diz.

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O modelo do jeito pensado nos Estados Unidos ainda não foi reproduzido no Brasil, mas a base do movimento, a ingerência familiar, começa a dar frutos no país. A revolução começou de dentro para fora. As 726 escolas que seguem a filosofia Waldorf no mundo, 16 delas no Brasil, são, hoje, um dos exemplos mais palpáveis de uma mudança de postura. Idealizado pelo austro-húngaro Rudolf Steiner, em 1919, o método procura desenvolver a individualidade da criança, com talentos, capacidades e objetivos de vida que, detectados, são realçados. Da vivência nas mais diversas situações parte-se, então, à reflexão e à sistematização do conhecimento. Na educação infantil propriamente dita, a idéia é inserir a criança na natureza. No ensino fundamental, o desenvolvimento artístico conduz a maior parte das aulas, com base em disciplinas com enfoque na música e nos trabalhos manuais. No ensino médio, a idéia é proporcionar uma formação integral, desenvolvendo um pensar objetivo.

Os pais têm grande participação no processo, que não configura exatamente uma novidade. O método surgiu quando trabalhadores de uma fábrica de cigarros alemã expressaram a necessidade de seus filhos receberem uma educação escolar mais adequada às reais necessidades do desenvolvimento humano da época, meses após o fim da Primeira Guerra. “Comissões de pais têm participação efetiva no funcionamento de nossa escola”, afirma o professor Luciano Jelen Filho, da Waldorf Micael, fundada há 25 anos na Grande São Paulo. Para começo de conversa, a escola não tem dono. É uma coordenação colegiada composta por 15 dos 40 professores. Os pais compõem as comissões que dão apoio às áreas administrativas, opinando sobre finanças, bolsas de estudo, atividades culturais, obras e até no marketing.

A publicitária Catarina Atallah, por exemplo, gasta duas horas do seu dia na lojinha que vende objetos artesanais concebidos por parte dos 400 alunos e pais dos mesmos. A mãe de Augusto, 18 anos, e Gustavo, 15, lamenta não ter estudado numa escola com esse formato quando era jovem. “Forma-se uma grande família com essa convivência”, diz. “Os meninos aprendem a ver o belo em coisas muito pequenas.” Ela não acha tão caro ter filhos na escola – as mensalidades variam de R$ 450 a R$ 780 –, mas assume que o que mais provocou estranheza, no início, foi a pedagogia. Meninos, por exemplo, aprendem tricô, crochê e até confeccionam bonecas de pano, assim como carrinhos e bicicletas artesanais. “O pai, engenheiro, estranhou ainda mais que eu.”

O novo pode assustar

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Medo. Esse foi o sentimento que também envolveu a dona-de-casa Carla Pelacanni, 36 anos, quando deparou com a proposta da escola Lumiar, outra proposta que foge ao modelo educacional estabelecido. Para se ter uma idéia das preocupações de Carla com a educação da filha Manuela, a menina de apenas 6 anos já mudou de escola cinco vezes. “Não foi fácil escolher a Lumiar, por ser uma escolha que apresenta uma proposta tão diferenciada e, posso considerar, em fase de experimentação”, afirma. “Hoje, tenho certeza de que fiz a escolha certa, pois minha filha adora estudar lá e percebo o quanto ela tem aprendido.” Por que a Lumiar provocaria medo? Talvez por suas peculiaridades. Ela não tem salas de aula, recreio, provas, disciplinas, horários rígidos. A aposta é num modelo democrático. Até os professores fogem ao esquema tradicional. São mais para mestres. Tanto pode ser um médico, um músico, um zoólogo, um advogado ou um marceneiro. O importante é ele apresentar seu universo e o aluno interagir.

“A criança tem autonomia para escolher o que e quando estudar”, diz a socióloga Helena Singer, diretora da escola. “É por meio de atividades atraentes que eles vão assimilar as disciplinas tradicionais, como português ou matemática.”

A instituição, aberta em fevereiro, também é bilíngüe: tudo está disponível em português e inglês. Por vezes, só em inglês, pois são comuns as participações de palestrantes de outros países. Os pais e os alunos, detalhe, escolhem os horários das aulas de acordo com os interesses pessoais. A Lumiar é um projeto da Fundação Semco, do empresário Ricardo Semler, autor do best-seller Virando a Própria Mesa, que propõe um sistema descentralizado de administração de empresas. Por enquanto, acolhe 24 crianças de 2 a 6 anos. As mensalidades custam entre R$ 670 e R$ 1 mil, embora 75% dos estudantes tenham bolsa total ou parcial.

Pioneiro no país, o modelo de escola democrática defendido por Semler surgiu nos anos 20 na Inglaterra. O modelo correu o mundo (hoje são 300 instituições similares), pregando a liberdade e a participação dos alunos nas decisões da escola. São eles que decidem se querem ou não assistir a aulas, ganhando assim, segundo os educadores, noções de limite e cidadania. O que vale, nesse sentido, é a autodisciplina.

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Uma outra experiência bem-sucedida de ingerência dos pais é exercida no Colégio Itzhok. Leibush Peretz, fundado pela comunidade judaica de São Paulo há 51 anos. A escola tem, por exemplo, um conselho de mães. “Exigimos qualidade e propomos alternativas para um ensino mais atualizado possível. Damos suporte à escola”, comenta a presidente do conselho, Débora Largman, mãe dos trigêmeos David, Joseph e Stephanie, de 12 anos. A escola firmou-se como extensão de uma sinagoga, que no conceito clássico quer dizer exatamente uma casa de cultura, ensinamento e tradições.

Nenhum dos pais, no entanto, era educador por formação. Imigrantes fugidos da Segunda Guerra, eles criaram um corpo pedagógico e selecionaram professores capacitados. Hoje, são 100. “Reciclamos e recapacitamos todo o corpo docente”, afirma o diretor, Cláudio Sternfeld, ele mesmo pai de ex-aluno. “Os próprios pais vão atrás dos recursos”, explica. Todos trabalham voluntariamente, em comissões. “A escola é dos pais e dos filhos”, diz Cláudio. A I.L. Peretz cobra anuidades a partir de R$ 13 mil.

Escola democrática

De um jeito ou de outro, o que todas essas escolas têm em comum é a preocupação em se readaptar a novos conceitos ou já começar com bases democráticas estabelecidas. “A preocupação é com a formação e a bagagem cultural dos alunos. Vestibular, por exemplo, não é um mito. É mais uma etapa do processo”, explica Débora, do Peretz. Adaptar-se foi o que também fez a arquiteta Márcia Mikai, a personagem do início desta matéria. Ela percebeu que não bastava decidir ter um filho, precisava também participar efetivamente da educação deles. Desmontou um promissor escritório de advocacia, mudou-se para uma casa maior e levou para lá computadores e projetos de clientes e encontrou tempo para acompanhar de perto a vida dos filhos na escola.

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Saiba mais

Colégio Micael – https://www.micael.com.br

Escola Lumiar – https://www.lumiar.org.br

Colégio Itzhok.Leibush Peretz – https://www.peretz.com.br

Educar em família, uma saída mais comum do que se pensa

Há pais que, ansiosos, vivem trocando os filhos da escola em busca de uma melhor. Outros nem chegam a procurar: essa solução vem ganhando adeptos no mundo e, em número reduzido, também no Brasil. É a chamada home schooling (em tradução livre algo como educação em casa). Há cerca de 2 milhões de crianças estudando com os pais nos Estados Unidos e em outros países. A idéia nasceu lá, com uma família que, nos anos 60, pediu o direito de ensinar os filhos em casa. Hoje, universidades como Harvard, por exemplo, já têm turmas especiais para alunos que vieram do home schooling, e, no Brasil, pouquíssimos pais admitem que adotam essa opção, nem há estatísticas sobre o assunto. Mas já começaram a surgir na Justiça casos de gente que exige o direito de ensinar o bê-á-bá na mesa de jantar. Um casal de Goiás entrou com uma ação judicial para garantir diploma oficial para três de seus cinco filhos que foram educados com pedagogia e regras familiares.

Se isso dá certo? Bem, Albert Einstein estudou em casa. Mas o argumento não convence os educadores. “Eu diria que a ida de uma criança à escola não deve ser retardada por motivo algum”, diz a psicóloga infantil Silvana Rabelo, da PUC-SP. Para ela, a idade nem importa tanto. Mas, a partir dos 7 anos, é fundamental que se tenha uma vida escolar. É nela que a criança aprende o convívio social, que nem sempre coincide com as regras de casa. “A escola também é uma experiência importante para que pais e familiares possam reavaliar seus hábitos”, afirma.

Mas Silvana não tem dúvida de que os pais são os primeiros e mais importantes professores. Com eles, a criança aprende como se relacionar, ter disciplina e seguir regras e viver afetos amorosos. Aprende também a raciocinar e adquire informação que, além de ajudar na escola, irá influir, mais tarde, em prazer ou não pela leitura e a escrita. Cada idade com seu ritmo. Com 2 anos, a criança aprende a dialogar, trocar pontos de vista. “Deve-se conversar muito com ela, respeitando seus pontos de vista, e apresentar meios de comunicação, como desenhos, letras, livros, histórias”, diz.

Os 3 anos são a fase de ensinar regras que não podem ser transgredidas, o valor do “não” e a necessidade de a criança desenvolver mecanismos de adiamento de satisfação e de contenção de impulsos e desejos. Os 4 e 5 anos são exercícios plenos de vida afetiva, relacionamento e mundo simbólico. Nessa fase, as crianças ainda são um tanto imaturas, mas muito interessadas em histórias, desenhos, conversas, hipóteses sobre o mundo orgânico, biológico, sexual e humano. Aos 6 anos, uma criança mais ordenada começa a se manifestar. Por fim, aos 7, chega a fase de ir para escola para valer e aprender a lidar com horários, disciplinas e lições de casa.

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