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The Americans

Convívio dos jovens militares brasileiros com os colegas do Norte influenciou o pensamento dos ex-pracinhas que chegariam ao poder (à força) décadas depois.

Por Tiago Cordeiro
Atualizado em 13 dez 2019, 15h05 - Publicado em 17 nov 2019, 15h03

Mais conhecido como o primeiro presidente da Ditadura Militar instaurada em 1964, Humberto de Alencar Castelo Branco tinha 45 anos quando chegou ao Forte Leavenworth, no Kansas, em julho de 1943. Passou ali três meses, ao lado de outros dez colegas, em estágio para entender o estilo americano de combate. Até aquele momento, as táticas ensinadas na academia militar brasileira imitavam o Exército francês, que em 1940 havia sido praticamente exterminado pela Alemanha de Hitler.

Castelo seguiu para a Itália no primeiro escalão da Força Expedicionária Brasileira (FEB), em 30 de junho de 1944. Sob seu comando, a força brasileira sofreu uma derrota em Monte Castelo, no dia 12 de dezembro – a ação desastrada deixou um saldo de 145 vítimas, entre mortos e feridos. Mas o militar também planejou uma nova operação, iniciada em 19 de fevereiro e que resultou na conquista do local, no dia 21. Seu maior adversário no comando da FEB era Amaury Kruel, que em 1963 assumiria o comando do Segundo Exército, em São Paulo. Já o general Henrique Teixeira Lott, grande adversário do golpe que seria preso em 1964, servira só um mês na Itália, sem comandar ninguém.

Promovido a coronel ao fim da guerra, o futuro presidente da ditadura assumiu a missão de modernizar as técnicas do Exército brasileiro. Nunca mais perdeu contato com os colegas americanos, em especial o militar e diplomata Vernon Walters, que havia atuado como o oficial responsável pela conexão do Exército americano com a FEB. Nessa função, conviveu de perto com as principais lideranças militares brasileiras em ação na Europa. Anos depois, como adido militar no Brasil entre 1962 e 1967, Walters recebia dos militares (primeiro atuando como conspiradores contra o governo de João Goulart, depois como governo) informações de bastidores bastante detalhadas.

O marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, um dos líderes do golpe de 64, em sua foto oficial como presidente, 1965. (Keystone/Getty Images)

Escola de formação

É inquestionável o impacto dos militares americanos sobre os colegas brasileiros. O contato iniciado durante a Segunda Guerra deixaria marcas duradouras. Muitos pracinhas se organizaram politicamente, em torno, especialmente, de dois grupos, a Legião Paranaense do Expedicionário (LPE) e o Partido Libertador (PL), que entre os anos 1950 e 1960 elegeram vereadores e deputados estaduais e federais. Mas foi durante a Ditadura Militar que jovens comandantes da FEB deixaram claros seus vínculos, pessoais e ideológicos, com os Estados Unidos.

Muitos desses militantes faziam parte dos aproximadamente mil militares brasileiros que realizaram cursos e receberam treinamento nos Estados Unidos durante o conflito. “Por um lado, houve a urgência de se treinar os pilotos que iriam executar patrulha antissubmarino e, por outro, treinar o pessoal de terra que iria participar das respectivas unidades de apoio. Em seguida surgiu outra emergência: capacitar os militares que comporiam a FEB”, afirma o pesquisador da Universidade Federal do Paraná Dennison de Oliveira no artigo Relações Internacionais Militares Brasil-EUA na Segunda Guerra Mundial.

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“Sem dúvida alguma o relacionamento entre americanos e brasileiros no setor militar durante a guerra e no pós-guerra teve enorme influência sobre aquela geração”, afirma o historiador Stanley E. Hilton, professor de história da Louisiana State University. “A influência da aliança entre os dois exércitos durante a guerra foi profunda em quase todos os sentidos. A criação da Escola Superior de Guerra em 1950, com a orientação de oficiais americanos, era um símbolo do relacionamento especial. Nos anos seguintes, a instituição funcionaria como uma espécie de filtro e transmissor de preceitos americanos para as elites brasileiras.”

A mudança começou na Era Vargas. Foi o caso do general Pedro de Góes Monteiro, um dos líderes mais poderosos entre 1930 e 1950 e, até o final dos anos 1930, abertamente pró-Alemanha. Depois de uma visita aos Estados Unidos, tudo mudou. “Ele se tornou americanófilo”, explica Stanley Hilton. “Coisa parecida aconteceu com o ministro da guerra de Getúlio e posteriormente presidente da República, Eurico Gaspar Dutra.”

O general Mark W. Clark, comandante do 5º Exército Aliado, acompanha Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra do Brasil, em uma inspeção das tropas atrás da linha de combate na Itália. (Bettmann/Getty Images)

Diferenças conceituais

Sob a influência americana, o Exército brasileiro se modernizou e mudou seus métodos táticos, suas estratégias de formação e até mesmo o tipo de armamento – os soldados nacionais se acostumaram a usar, na Itália, os modernos, para a época, fuzis semiautomáticos Garand, adotados como padrão pelos Estados Unidos desde 1936. Mas algumas discordâncias se mantiveram, em especial a respeito da relação dos militares com o governo civil.

Os militares brasileiros não abandonaram a tradição nada americana, iniciada com a Proclamação da República em 1889, de se envolver nos rumos políticos do País. “A orientação ideológica do Exército americano era ‘democrática’ no sentido de enfatizar as ligações vitais entre a sociedade civil e as Forças Armadas; havia também a tradição inquebrantável de controle civil sobre o Exército”, afirma Stanley Hilton. “O ensino militar no Brasil, devido às condições sociais diferentes, teria sido mais elitista, atribuindo papel predominante à liderança militar, especialmente em momento de crise interna.”

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A aliança eventualmente azedaria. Durante o governo de Ernesto Geisel (1974-1979), a relação entre os países gelou. Entre outros fatores, pela busca do Brasil por apoio entre países árabes, contra Israel, e seu programa nuclear, feito com ajuda da agora democrática Alemanha Ocidental.

1. O brasileiro Fernando Palermo passou por um lugar cheio de armas e peças de artilharia alemãs abandonadas. Pegou um objeto cilíndrico, pequeno, e mostrou para os colegas, que o levaram para o acampamento. Na mesma noite, mostraram o artefato para os colegas americanos: era uma mina terrestre, armada. Depois de segundos de pânico, eles levaram a peça para longe.

2. No norte da Itália, por onde os militares americanos passavam, costumavam ser bem recebidos pela população. Mas não os brasileiros. Em Livorno, foram vaiados. Em Parma, recebidos com gritos de “vão embora!”. Em Nápoles, moradores chegaram a jogar pedras nos pracinhas. Demorou para os soldados perceberem, mas o problema estava no uniforme: era parecido demais com o utilizado pelo Exército alemão.

3. Quando os pracinhas finalmente chegaram ao topo de Monte Castelo, ficaram surpresos de topar com… cavalos. Muitos cavalos. A Alemanha nazista tem fama de moderna, mas as peças de artilharia alemã ainda eram puxadas por cavalos. Os alemães empregariam 2,75 milhões deles na guerra.

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