Uma viagem quântica no tempo
A ficção científica vai até a Idade Média, no novo livro do autor de Parque dos Dinossauros
Flávio de Carvalho
Primeiro, a máquina de teletransporte, descrita como um “fax quântico”, decompõe seu corpo em quanta – as partículas indivisíveis de energia eletromagnética. Depois, devolve-as aos primórdios do Big Bang. Ali, alguns buracos servem de passagem para universos paralelos no tempo e no espaço. Afinal, quando você se recompõe, descobre que saiu dos Estados Unidos do final do século XX, para aterrissar em plena Guerra dos Cem Anos – o longo e sangrento conflito entre franceses e ingleses, de 1337 a 1453, do qual a França emergiu com seu território atual. Essa trama mirabolante e sua metamorfose em aventura taquicárdica só poderiam ter saído da usina de best sellers que é a mente do americano Michael Crichton. Desde que o seu Jurassic Park (1990) foi transformado pelo diretor Steven Spielberg em um dos maiores sucessos da história do cinema, Crichton virou uma celebridade reverenciada. Seu novo livro, Linha do Tempo, não hesita em repetir ingredientes da fórmula de sucesso anterior. Tal como o milionário de Jurassic Park, que criou uma reserva natural com o DNA dos dinossauros, aqui o personagem-chave, Robert Doninger, é um físico brilhante, rico e biruta, cujo projeto é recriar na França um parque temático com um capítulo autêntico da história da Idade Média, no lugar onde ele aconteceu. O personagem é parcialmente inspirado no físico americano Richard Feynman (1918-1988) (veja em Letras, à direita), que sugeriu, em 1981, criar supercomputadores que usariam os 36 estados quânticos do elétron como linguagem no lugar do tradicional idioma binário da Informática.
Por meio dessas máquinas um professor de Arqueologia, quatro estudantes e alguns infelizes seguranças de Doninger viajam no tempo e metem-se nas maiores confusões na França medieval. Um deles acaba ficando no século XIV para se casar com uma audaciosa nobre inglesa. Por mais estapafúrdia que a trama possa soar, o autor também preserva o hábito de incluir uma bibliografia com as fontes científicas que inspiraram os vôos de sua imaginação. Assim, a diversão de Linha do Tempo é pura adrenalina mas também oferece aulas inspiradas de Física Quântica e História Medieval.
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SUPER trecho
Entre a cal e a espada
Num dos capítulos de Linha do Tempo, o estudante americano Chris Hughes, transportado para a França medieval, é perseguido pelo sangüinário guerreiro De Kere e safa-se com uma solução criativa. Leia o trecho segundo a versão do tradutor Paulo Reis.
Cris esquivou-se quando a lâmina passou zumbindo acima de sua cabeça, cortando sacos empilhados de pólvora. Recuou mais um pouco e sentiu o pé encostar numa bacia no chão. Estava cheia de uma pasta espessa e tinha um cheiro acre. Reconheceu aquilo imediatamente: era cal virgem. Rapidamente curvou-se e ergueu a bacia nas mãos. Teve um momento de hesitação e depois lançou a bacia na direção do rosto de De Kere. A bacia atingiu-o no peito; a pasta marrom respingou-lhe o rosto, os braços e o corpo.
Chris precisava de água (para incendiar a cal virgem). Estava encurralado num canto. De Kere sorriu. ‘Não tem água’, disse. ‘Que pena, menino espertinho.’ Estendeu a espada horizontalmente à sua frente e avançou. Chris percebeu que estava acabado. Sentiu o bafo do outro; estava perto o suficiente para cuspir nele. No instante em que pensou nisso, cuspiu no inimigo – não no rosto, mas no peito. De Kere soltou um muxoxo de desdém: aquele moleque não sabia nem cuspir direito. Mas a pasta começou a fumegar e chiar onde o cuspe caíra. De Kere abaixou o olhar horrorizado. Chris cuspiu de novo. E de novo. A pasta começou a chiar com mais força. Surgiram as primeiras faíscas. Ele esfregou freneticamente com as mãos, mas conseguiu apenas espalhar a pasta. ‘Olha só o que vai acontecer, meu chapa’, disse Chris. Aí, correu para a porta. Ouviu uma explosão abafada atrás de si quando De Kere irrompeu em chamas.
Olhou para trás e viu toda a parte superior do corpo do cavaleiro envolto pelo fogo. De Kere olhava para ele através das labaredas.
Ficha técnica
• Michael Crichton
• Rocco (0_ _21) 507 2000
• 564 páginas, 38 reais